POESIA MINEIRA
Coordenação de Wilmar Silva
Fotógrafo: Glenio Campregher
RENATO NEGRÃO
Poeta e composistor mineiro.
NEGRÃO, Renato. Vicente viciado. Belo Horizonte: Rótula, 2012. 72 p. 11,5x20,5 cm. ISBN 978-85-9137380-0-2 Imagem da capa: Leonora Weismann. “28 poemas extras ¨ordinários do poeta Renato Negrão + de carona, 4 letras papo reto & sof esticadas do rapper das quebradas. Col. A.M. (EA)
Voz
vida
novelo
eleva-se a flor
sem segredo
revelo
leve
é vê-lo
ANTES
antes que eu fique mudo
antes que eu tente de novo
antes do próximo eclipse
antes que a grama cresça
antes que a água da chuva toque o solo
antes do próximo intervalo comercial
antes do jornal
entre o toque da chave na ignição
e o motor entrando em combustão
antes que o olho soletre as palavras
que a boca não diz
no silêncio entre a vogal
e a conso-
antes que o ar
que respiro entre no nariz
antes que a trava vire treva
antes que não haja futuro
antes que não seja passado
antes que eu pare no meio
antes do final do recreio
interrompo o tempo e te digo
te amo e quero que fique comigo
UM BELO PAR
eu
e o bar
DESENROLANDO BARTHES
no início era o referente e o verbo
e o processo incessante
de produção de sentido
a isso se deu o nome de semiose
cadeia - ou galeria -
infinita e incessante
do discurso e da cultura
labuta poética sobre o sentido
de se produzir sentido sobre as coisas
dois performers escrevem no chão
- utilizando rolos de barbante
uma mesma frase do semiólogo roland barthes
a frase escrita é modificada ou subvertida
por meio de fluxos de pensamento e/ou
ocorrências sonoras
- conversas onomatopéias -
vívenciadas no local
logo duas frases diferentes surgem
no espaço expositivo
as linhas são ligadas a pessoas da audiência
e em seguida deslocadas pelo chão da galeria
em direção à rua até o termino do barbante
o que a audiência fará com as linhas que os ligam?
haverá tempo para que â audiência
leia a frase escrita no chão?
a que fim levara o fim da linha?
ENTRELINHAS , VERSOS CONTEMPORÂNEOS MINEIROS. Organização: Vera Casa Nova, Kaio Carmona, Marcelo Dolabela. Belo Horizonte, MG: Quixote + Do Editoras Associadas, 2020. 577 p. ISBN 978-85—66236-64—2 Ex. biblioteca de Antonio Miranda
Movediça
caio na tua movediça
pulas no meu vulcão
passeia por dentro da minha baleia
que eu entro e acampo no teu tubarão
desce no balde da minha cisterna
que eu me jogo no centro da tua cratera
toque as paredes do meu bueiro
que eu vou pelo ralo do teu banheiro
me encontre no sítio do picarelo amapau
que eu te acho no centro do nepal
se esconda na espuma do meu travesseiro
que eu viro a minhoca do teu canteiro
arranque as agruras da minha gruta
que eu estanco as neuroses da tua cuca
na mandala conte a história da nossa sorte
e eu te persigo com um jato do globo da morte
Dadá
... futebol é o seguinte
chegou ali e tem tranquilidade
é só aplicar o sutil o mirabolante
a raiz quadrada o labirinto
que não tem jeito pro goleiro não
é cair e levantar para buscar
o caroço lá dentro
...que negócio é esse de sutil
mirabolante e raiz quadrada
...não posso dizer é
segredo profissional
outro dia criei mais um gol
o independência
—poesia é o seguinte
chegou ali e tem tranquilidade
é só aplicar o sutil
o mirabolante
a raiz quadrada o labirinto
que não tem jeito pro leitor não
é cair e levantar para buscar
o caroço lá dentro
—que negócio é esse de sutil
mirabolante e raiz quadrada
—não posso dizer
é segredo profissional
outro dia criei mais um poema
o independência
Coreografia
O espaço coreográfico da palavra
e sua aplicabilidade semântica
são pensados como estímulo
a outras configurações corporais
nossos corpos merecem e podem
dar respostas mais criativas
aos textos urbanos para além
de suas palavras de ordem
e de consumo
gesto como construção
transitoriedade como eixo
dispersão como método
1. mapa afetivo dos textos urbanos
deslocar por um percurso urbano
cuja cartografia se dê por um viés afetivo
estabelecer um relacionamento
gestual poético sensualizado
com um ou mais textos urbanos
que encontrar
2. Pele
seus sons seus átomos suas células
seus órgãos internos sua pele
sua roupa sua casa sua cidade
seu mundo
como camadas da sua epiderme
3. o pensamento disparado milton santos
o mundo como um conjunto
de possibilidades não apenas
um conjunto de realidades e sua convicção
de eu outros mundos poderiam ser criados
a partir dos mesmos materiais
4. Dança
crie na cidade
—a partir da seleção de palavras
encontradas por intermédio do seu desenho
da sua materialidade gráfica
dos contornos espaciais dessas palavras
e da dimensão poética e sensualizada
dos seus significados —
outros estímulos corporais
abrindo no horizonte
novas perspectivas
com os textos urbanos
Eu comi o Morrissey
muitos
disseram
tentei
fundo de fábrica
Manchester
só agora eu sei
embaixo da ponte
belo horizonte
yesterday
eu comi
o Morrissey
Partida do sensível
o patético é,
por assim dizer, o limite do drama.
e o trocadilho, ah! essas ocorrências
de semelhanças ortográficas —
abóbodas de abóboras dum ebó do forrobodó!
a que se dá o nome de paronomásia
e homonímia — significados múltiplos
partilhados num mesmo vocábulo.
um jogo de tênis que se joga
não com raquetes e bolas,
mas com os próprios tênis
dos participantes é a metáfora visual
de um trocadilho do carilho
o jogo ordinário, a armadilha
do signo,
o fenômeno performance.
cada lance inventa suas regras,
que jamais abolirão o acaso
que não cessa a cada ramagem.
o acaso é sua destreza e sua destreza é
o acaso
e seu entorno
essa partida de tênis,
sob narração de uma outra partida
de algum em roland garros
— ou de partidas de tênis de mesa
sem o sons dos quicares da bola —
serve-se do ridículo
como fundamento do processo criativo
ocaso, instalação, ready made,
no horizonte patético,
que é o limite do drama.
*
VEJA e LEIA outros poetas de MINAS GERAIS em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/minas_gerais/renato_negrao.html
Página publicada em maio de 2024
Página publicada em julho de 2012
|