PEDRO AUGUSTO GUEDES AMARAL
Nasceu em Juiz de Fora em março de 74. É diplomata e, tendo passado algum tempo na Tunísia, atualmente (2007) vive na Colômbia. Estudou Ciencias Sociais na UFRJ e cursa o mestrado em Literatura Latino-americana na Pontificia Universidad Javeriana de Bogotá.
Fonte: www.7letras.com.br
Sobre o asfalto
Meu ouvido colo ao asfalto
colo insone e ermo
onde ausculto o pulso ao mundo
encontro o homem — e nele me reconheço
em bólidos de inconseqüente pressa
em busca de um tempo além do presente.
Á inspeção noturna
ouço o rumorejar do rio —
Estige moderno,
que não descansa nunca
sob o premir afoito dos carros.
meus días
as persianas recortam
a vista por onde corre
a tarde
e o céu descoram
e os olhos
não alçam e a alma
deprimida
faz grades da cortina
o dia inteiro tresmalho o dia inteiro,
o dia inteiro
encerrado —
e estar porta afora seria!
(á beira de urna piscina de sol
mergulhar num copo
de vodca e limão
às voltas com um grave dilema:
a loira ou a morena?)
porta adentro, poema.
Fé
"Só Deus salva!" dizia o adesivo.
Mas por via das dúvidas trazia
o três-oitão sempre debaixo do banco.
Dodecafônica
Limo os dias no ir e vir da rotina.
A alma dada à sanha da atividade
ganha a falsa dádiva do trabalho:
noite insossa, engenho sem corte, corpo
entregue — aos vícios da comodidade.
II
o copo transpirou sobre a folha a nódoa redonda
do gelo que derreteu
nem a nicotina pôde despertar da fatal letargia meu corpo mole
largado [pela mesa
há horas que aqui sentado sondo dentro de mim um motivo e nada
se move?
mais de uma hora, menos? 15 minutos 30 minutos 50 minutos?
com que medida se mede o tempo da prostração?
arrisco livros, discos à procura do que traduza meu atual espírito — a falência de efeito aguça ainda mais a fina inoperância
ligar a televisão: apagar a mente talvez resolva
o impulso queda aquém da mera intenção
fito um botão despregado, um lápis sem ponta
e Pierrô Lunar desponta por entre as frestas da insensatez
III
tira para dançar a loucura, essa dodecafônica
música
de desencontradas vozes
que raiam e morrem de instrumentos rebelados
desconexa, randômica, semovente, hermética, espasmódica,
[cerebral, sempiterna, libertária
essa dodecafônica
música
tira para dançar nossa absurda
necessidade
de a tudo dar sentido
faz par à razão abismada desordenada fragmentada, repleta de
ideias mancas, de vontades imperfeitas, de frases entrecortadas,
de remorsos duvidosos, de falsos anseios, de ambições alheias,
de suscetibilidades, de medos —
a tudo que paira sem par no limiar da razão,
essa dodecafônica música,
caórfica como a natureza, aplaca
as fúrias, os absurdos, os perplexos, os delírios, os decadentes,
[os inconsoláveis
essa contemporânea
necessária
dodecafônica
música.
Página publicada em junho de 2009
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