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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto extraída de https://m.facebook.com/RoqueCamello/posts/911701005630094

 

 

 


PASCHOAL MOTTA

 

 

Poeta mineiro, estréia com o Prêmio de Literatura “Cidade de Belo Horizonte”, da Prefeitura Municipal, em 1973, com a obra ´VER DE BOI” que Danilo Gomes, membro do júri, considerou “de primeira grandeza”. Geraldo Reis, na apresentação vai mais longe:”Quando a Poesia é apontada como uma arte sem função social, surge VER DE BOI, com que Pascoal Motta repele qualquer tratado sobre a invalidez do poeta. VER DE BOI é, a um só tempo, um protesto violento contra qualquer opressão a que se expõe o homem moderno, e um tratado lírico da paz, onde Pascoal Motta, `a maneira de um Gandhi, busca as raízes da compreensão e da fraternidade humana. A larga utilização das mais arrojadas técnicas literárias, sem cair nos absurdos praxistas ou vizinhanças de, transparece segundo vários aspectos”, destacando os aspectos lírico-filosóficos da obra.

 

Descartando a crítica aos experimentalismos em voga àquela época – até porque o poeta não representava uma restauração conservadora não obstante seu sólido alicerce na tradição clássica e modernista, é justo o reconhecimento do trabalho inaugural de Motta. “Um livro de muito amarga vivência”, conclui Reis, com propriedade.

 

Mantenho uma correspondência bissexta com o poeta desde que iniciei a difusão de poemas de meu livro “Terra Brasilis”, um poema-ensaio, que não agradou ao poeta, mas de vez em quando ele envia poemas de autores de sua predileção por e-mail, sempre bem-vindos.           ANTONIO MIRANDA

 

 

 

CONFISSÃO MINEIRAL                                   

 

 É FÁCIL SER FAZENDEIRO.
A GENTE SÓ PRECISA DE UM PEDAÇO

DE TERRA E UM ESPANTALHO.

 

Fala de Zezinho, Huguinho e Luizinho, Rev. Pato Donald, num.1, 1950)                                                                                                            

 

 

 

eu visto o corpo de verde

na manhã inaugurada

encurto os passos na grama

e beijo a terra molhada

 

não sou espantalho sem messe

na revisita outonal

teço a coivara dos rumos

ganho do campo um quintal

 

sou fazendeiro no sonho

por estas minas gerais

se cato ouro em montanha

também visito os currais

 

minha bovina saudade

rumino lenta no eito

e numa distância de ave

só me machuco no peito

 

sou de minério e estrume

nesta fazenda geral

pito cigarro de palha

e trago pinga em bornal

 

só vou de a-pé neste encontro

no que herdei para mim

descalço garimpo em verso

feitio de enxada em capim

 

sou sabiá de setembro

chamando a tarde pra perto

sou juriti na palhada

cupim no morro deserto

 

sou queimada vento rio

da montanha para o mar

bebo água na taioba

faço taquara estalar

 

um boi carrego comigo

como se fosse outro eu

e no plano escavo o ouro

que a montanha perdeu

 

a cana o café o leite

são a porção menos rara

nas águas do Rio Doce

também pesca minha vara

 

sou fazendeiro de jeito

que tudo faz em que é:

um dia me cubro de folhas

e acordo o campo de pé

 

(BH, 1998)

 

 

 

UM POEMA PARA SUA EMOÇÃO/
24 30-6-2020.

                                “É esse gosto das palavras que faz o saber profundo.” (Roland Barthes)

  Pela Semana do Meio Ambiente.  

 

A ÁRVORE

 

 

A ÁRVORE APONTA

 

NO AZUL DAS CINCO

 

SEUS DEDOS E BRAÇOS

 

 

A ÁRVORE BALANÇA

 

SEU CORPO E SEU CERNE

NO IMPULSO DO VENTO

 

 

A ÁRVORE VOEJA

SEU SONHO DE ALTO

CRAVADAS RAÍZES

 

 

A ÁRVORE SE ASSUSTA


A QUALQUER BULHA

DE SOM DE MACHADO

 

 

 

 

EPITÁFIO

 

 

RENASCERÁ

HÁ DE RENASCER

 

DA CINZA E DA FUMAÇA

 

OUTRA FOLHA VERDE

 

 

RENASCERÁ

HÁ DE RENASCER

 

DA CHAMA E DO ESTALIDO

OUTRO CERNE VERDE

 

 

RENASCERÁ

HÁ DE RENASCER

DA BRASA E DO CARVÃO

 

OUTRO TRONCO VERDE

 

 

RENASCERÁ

 

HÁ DE RENASCER


DAS RAÍZES CRAVADAS

 

FEITO DEDOS

 

A ÁGUA VERDE

 

O VENTO VERDE

 

A VIDA VERDE

 

 

(Ver de Boi / Pastoral )

Edição em homenagem a MARCELO DOLABELA,

professor, pesquisador, artista múltiplo em BH.

 

 

 

 

PREPARAÇÃO PARA A CEIA

 

 

 

para quando chegar a noite

a tua luz de seiva e vinho

 

 

para quando a mesa ficar posta

a tua fonte de pão e luz

 

 

para quando chegar a espera

o teu amargo choro de fria e só

 

 

para quando voltar o vento

no de ser só em ser em nunca

teu campo lavrem

teu gado tanjam

tuas roça colham

teu espantalho espantem

teu silêncio cantem

as aves da manhã

 

 

 

(de Cantiga de Adormecer Tamanduá...)

Edição em homenagem a ELZA BEATRIZ,

construiu uma “poesia que tem sangue, palpita. Vida.” (LFTelles)

 

 

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 NÃO-NOTÍCIA

Na falta silenciada de Alcindo Ribeiro, jornalista, escritor.

 

Nem a pauta em branco, nem o texto,

nem a lauda apenas rabiscada,

nem uma manchete de começo,

nem um grito, nem a voz calada;

 

nem a retranca do diagramador,

nem um erro percebeu a revisão,

nem na luz azul do monitor

o doído teclar do coração.

 

nem rodou a aflita rotativa;

ou a fala severa do editor

rugiu não aos colegas de oitiva;

 

sequer o repórter de polícia

pôde registrar o drama e a dor

que ninguém queria a sua não-notícia.

 

 

***

 

 

PREPARAÇÃO PARA A CEIA

 

 

para quando chegar a noite

a tua luz de seiva e vinho

 

para quando a mesa ficar posta

a tua fonte de pão e luz

 

para quando chegar a espera

o teu amargo choro de fria e só

 

para quando voltar o vento

no de ser só em ser em nunca

teu campo lavrem

teu gado tanjam

tuas roça colham

teu espantalho espantem

teu silêncio cantem

as aves da manhã

 

 

(de Cantiga de Adormecer Tamanduá...)

Edição em homenagem a ELZA BEATRIZ,

construiu uma “poesia que tem sangue, palpita. Vida.” (LFTelles)

 

 

 

 

Poemas extraídos de

VER DE BOI

Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1974.

 

 

ABOIO VIII: O BOICOICE DE VER DE EM FOME

VER DE BOI AH OH

 

         A Carlos Antoninho Duarte

 

                  O boi da minha solidão

                  O boi da minha tristeza

                  O boi do meu cansaço

                  O boi da minha humilhação.

                            (Dante Milano)

 

EU VI NA CARA TÃO TRITE

DO BOI CORTADO NO AÇOUGUE

TINHA A EXPRESSÃO DO QUE FICA

EM DOR DE FINA AGONIA.

 

AI CRA CORTADA AI GUME

AI SANGUE ALI ESQUECIDO

 

AS MATAS QUE NOS CORTARAM

TE DERAM SOL E AMPLIDÃO

A FOICE TE ACUSA O MEDO

DE GOLPE MAIS DERRADEIRO

 

AI VIDA PAZ DE MENTIRA

AI MEDO DA ESCURIDÃO

 

VAMOS MEU BOI TÃO SOZINHO

OLHAR DE FRENTE ESTE AZUL

DE CÉU QUE É NOSSO COMUM

ATÉ NÃO CHEGAR MEU DIA

 

AI FACA SEMPRE AFIADA

NA FOME DAS MULTIDÕES

 

MEU BOI DE VERDES PARAGENS

MEU SEM NOME E DISFARCE

IRMÃO DE MESMO DESTINO

DE OUTRA DECAPITAÇÃO

 

AI BOI SANGRANDO AMARGURA

AI RUMINADA BELEZA

 

MEU BLOI DE PATAS TÃO FRÁGEIS

MEU BOI PERDIDO NO TEMPO

MEMÓRIA PASTANDO NO ESCAMPO

INCONFUNDÍVEL NA INFÂNCIA

 

AI PRADOS AI RIOS DE SOL

AI TEMPO DE NÉSCIA ESPERA

 

TANTO VERDE ESPERDIÇADO 

NA PACIÊNCIA DO BOI

TANTA FRIEZA NOS OLHOS

CORTADOS A TODA LUZ

 

AI CORPO SEM NOME E MARCA

EM PODRE COMPOSIÇÃO

 

EU VI TEUS OLHOS CAIDOS

SEM REFLETIR QUALQUER PAZ

JÁ TINHAM DO LENTO VERDE

VAGA TRISTEZA DO SÓ

 

AI MARES DE GRAMA DENSA

AI PASSAGEIRA INVERNADA

 

SALVE CHORO COAGULADO

EM TUA MUDEZ Ó MEU BOI

A VIDA TEM SEUS PRINCÍPIOS

INEXPLICÁVEIS DE SER

 

AI VIDA PAZ DE MENTIRA

AI MEDO DA ESCURIDÃO

 

 

AVE MORTA

 

AS VIRAÇÕES AZIAGAS

PAIRAM

NAS MINUDEZAS DO VÔO

E ESCAPAM CURTAS TRISTEZAS

DE SER SÓ EM TANTO CAMPO

CORTADO O SALTO RASANTE

E OS RESGATGES DO GIRO

ESTUA EM RAMO EMPALHADO

FERIDA A SEIVA NO CIO

/ HÁ OLHOS PARA A SEARA

HÁ TRINOS PARA RONDAR TRIGO

HÁ BICO PARA QUEBRAR GRÃO

HÁ MUCHAS PÉTALAS PENAS /

 

AS VIBRAC,ÕES APRESSADAS

NAS ASAS DE  FOI O SER

ESPARGEM GRITOS E ORVALHO

NO VÉU DE LONGA SAUDADE

/ HÁ VÔOS PARA O AZUL

HÁ NUVENS PARA PLAINAR

HÁ LEDAS QUEDAS DOS GALHOS

HÁ AVE FLECHADA DE VENTO /

 

A MORTE VIGIA E VASCULHA

AS INCUFRSÕES DE OUTRA SEIVA

SEARA JÁ CURTE NO VERDE

A AVE MORTA EM SAZÃO

/ HÁ ESPANTALHO QUE ESPANTA

AS ROÇAS TIDAS DE HERANC,A

HÁ VIVO QUE PLANTA A MORTE

DE AVES LIVRES DE CANTO /

 

A TERRA ENTULHA NA MESSE

OS BRAÇOS GUARDAM COLHEITA

A AVE MORTA NA PALHA

OCULTA A COR E A PLUMAGEM

/ HÁ COLHEITA PARA A FOME

HÁ RÉMIGES QUIETADAS /

 

 

ELEGIA III

 

HOJE CAMINHAS COM AS NUVENS

QUE JÁ EMUDECERAM AS VOZES NAS RAVINAS

E A PAZ BUCÓLICA CEDEU LUGAR

A CHORO LAMENTO E LÁGRIMA

POR QUE NÃO BRANQUEJAR OS LÍRIOS COMO OUTRORA

OU TRANSMUDAR O SANGUE EM PRANTO E PIEDADE

 

ONTEM VAGAVAS COM OS HOMENS

E EU TEMIA TEU DESTINO

 

 

ELEGIA VII

 

AVES DE ARRIBAÇÃO  ENTOARÃO UM CÂNTICO NOVO

MODULADO EM VOZ DE VENTO E SOLTO NO ESPAÇO

LARGO ESPAÇO

GRANDE TEMPO

E AS VOZES DE OUTRORA

E A LÁGRIMA PRESENTE

E O MANTO DE TERNURA

E OS ESCONDIDOS SEGREDOS

E VIVER NA TUA LUZ

                                                                                                              

 

Página ampliada e republicada em junho de 2020


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