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OSVALDO ANDRÉ DE MELLO
nascido em Divinópolis em 1950, poeta e professor.
Eis a sequência completa de suas publicações em livro: A palavra inicial (1969), Revelação do acontecimento (1974), Cantos para flauta e pássaro – 3 estudos de poesia (1983), Ilustrações (1996), Meditação da carne (1997), As mesmas palavras (2012) e Lua nova (2014).
Osvaldo André de Mello se formou e se revelou no contexto estético-literário de efervescência ainda das vanguardas brasileiras pós-50, na “encruzilhada modernista” daquele período. E foi no seu primeiro livro — do ano de 1969 — que ele assim se manifestou:
poema estudo
poemaestudo
poem tudo
poema é
tudo
(In: A palavra inicial, p. 38)
Poemas extraídos do SUPLEMENTO MG, julho/agosto 2015, p. 12:
BUENO DE RIVERA AMAVA AS NUVENS
Bueno de Rivera amava as nuvens,
as manchas da madeira, as infiltrações
nas paredes, as rachaduras, enfim,
a plasticidade desses elementos,
que, em dada configuração temporal,
permitia-lhe desenhar, ou melhor, achar
seres imaginários. Bueno de Rivera me inquiriu
sobre isso. Eu lhe contei que conhecera a arraia
O dom da poesia assim se manifesta
— ele concluiu — antes da palavra.
A ATRIZ
A inquietude conquistada por Ilma Nogueira, no dia a dia,
com a personagem, há mais de uma década,
a impediu de perceber o achado do espaço cênico
da atriz que se expande em ondas,
afogando o espectador de prazer, ambos de mãos dadas,
mangas arregaçada, na construção da verdade teatral.
Ela não de seu conta de que, na busca de estofos diversos
o que agregou à personagem, esta lhe devolveu
ao âmago — onde viveram os recursos histriônicos,
as sutilezas
das raízes dramáticas, o sangue da coragem física,
a loucura domesticada e a humildade para oferecer
o corpo, dionisiacamente, às invisíveis pessoas,
com quem dialoga e compartilha o palco,
que precisam desta luz corporal generosa para viver.
O BRUXO
Os Sertões inscrevem Euclides da Cunha
na categoria de grande bruxo da humanidade.
O aludido texto, crepitante, sumaria a poética
de todas as referências à narrativa: o soldado
e os cavalos mortos na batalha, mumificados,
no agreste; as enormes árvores soterradas
da caatinga enxergam o sol por arbúnculos
frutífero, que são seus galhos; a inteligente
sociedade de espécies vegetais solidárias...
O leitor, a seu tempo, assim, avança, interna-se
na guerra, até o solo comer os olhos daquela
estranha cabeça arrancada de Antônio Conselheiro.
O texto euclidiano cintila de tal maneira que apenas
uma frase ostenta um feixe de luzes que abrem
todas as direções. Para degusta-lo basta supor seja
vinho do Porto: extremo prazer de cálices
de cristal. Os Sertões se apropriam da memória
e incendeiam de emoção para sempre a pele
do leitor. Não há como desler, não há como apagar,
não há como esquecer tal bruxaria da linguagem.
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ATO – REVISTA DE LITERATURA. NO. 6. Belo Horizonte: Gráfica e Editora O Lutador, janeiro de 2009. Editores: Camilo Lara, Rogério Barbosa da Silva e Wagner Moreira. 21,5 X 52 cm. 52 p.
Ex. biblioteca de Antonio Miranda
EMILY DICKINSON E WALT WHITMAN:
ELES ABRAÇARAM A NATUREZA
Dickinson não leu “Folhas de Relva”, que lhe disseram
Ser um livro vergonhoso. A caravana de Whitman
Passou incólume. A corruíra de Amherst
Fazia música de câmera; o filho de Manhattan
Cantava a plenos pulmões.
Fora essas e outras insignificantes notações,
Decerto, pelo mesmo ar, ela tomasse a partitura
Dos hinos e a transformasse tanto com o seu próprio espanto
Que acordara um ritmo jamais ouvido;
E ele desprezasse as partituras existentes para transpor
A pauta a sua própria respiração.
Ambos, ela com imagens e metáforas ao tempo necessário
Elaboradas, um código literário rigorosamente pessoal;
Ele com a linguagem impetuosa das bandeiras democráticas,
Desfraldadas ao vento; eles abraçaram a si e a natureza
E o universo desabou sobre suas antenas.
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Página ampliada e republicada em março de 2024.
Página publicada em janeiro de 2016
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