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MÔNICA DE AQUINO
Nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1979. Colabora com suplementos literários de Minas Gerais. Publicou o livro de poemas Sístole (2005).
“No livro Sístole, com 35 poemas divididos em 4 partes (“Ponto-cego”, “Extra-sístole”, “Fibrilação” e “Refluxo”), Mônica de Aquino transita com suavidade pela concisão, oferecendo ao leitor versos delicados, sensíveis e repletos de musicalidade.
Com um lirismo encantador, Mônica seduz os leitores com versos como ( "Agora desabotoa-me a pele/atravessa-me/Veste-me teu corpo/de seda e silêncio"). Marcel Alan (2007)
Estreito labirinto
de memória.
Carícia em cadáveres
insones.
Culto de esqueletos
na negação
da pedra.
Sístole (2005)
Sopro e sono
no cais do corpo.
Relógios úmidos.
Sístole
diástole
contagem regressiva:
explosão esquiva
dispersão e números
vapor no prazer
que é véspera.
Amor
sem ponteiros.
Ibidem
Não mais a faca cega do desejo
o corpo cego rente ao tato.
És, agora, noite abstrata
que disseco
com a lâmina da língua.
Se te ausentas em minha cama
subjugo-te a uma fome outra sem face
estreito -quase-pouco
no livor da fala
uso-te:
câmbio clandestino
sensações pensadas.
Às vezes, escolho amar-te.
Ibidem
Rasgos
no acaso:
o olho
espreita.
aceita.
Rasgos
no afago:
o olho
acolhe.
Acusa.
Rasgos
no espaço:
o olho
camufla
Condena.
Rasgos
na senda:
o olho
expõe
e escolhe.
Rasgos
na série:
o olho
recusa.
Arrisca.
Rasgos
na vida:
o olho
se fecha.
Perscruta.
Ibidem
Poemas extraídos do
SUPLEMENTO CULTURAL DE SANTA CATARINA
JUL. 2014 ISSN 2318-3063 [ô catarina] p.
José adotou a dor como método:
para curar um problema
que se fez carne, entranhado
colocava todo dia
uma pedra no sapato —
assim mesmo, sem metáforas
ou meios-termos: era homem de atos.
A dureza da pedra — e da técnica
mantinha em José o foco
a alma sóbria
a mínima cicatriz como aviso.
(José, quando ainda jovem
- habitou o calor do norte
e teve amigo matador—
ex-matador, na verdade
do tipo que extirpa o mal
pela raiz:
decepou o próprio dedo
para vencer o gatilho.)
Aos poucos a pedra gasta
a pedra assimilada
fez-se corpo pele lastro.
O pai encantava abelhas
Discreto alienígena
no reino do ruído negro amarelo
a tela grossa sobre o rosto.
Levava fumaça branca
silêncio branco
a roupa branca
e com precisão de lâmina
de incisão que não sangra
rente bem rente ao favo
sem luvas, colhia o mel. '
Trazia nas mãos o doce
e as picadas vermelhas
que conta serem abelhas
na defesa do excesso.
A conta de abelhas mortas.
Mas ele ignora a dor -
ou cede a pele de cera.
A filha é que se assusta
com os perigos do pai
[com esta flor descoberta
com a mão que extrai doçura
de tantas colmeias secretas.
AQUINO, Mônica de. Fundo falso. Belo Horizonte: Relicário Edições, 2018. 104 p. Apresentação por Edimilson de Almeida Pereira. Coordenação editorial: Maíra Nassif Passos. Capa,
projeto gráfiao e diagramação: Caroline Gischewski.
ISBN 978-85-66786-65-1 Ex. bibl. Antonio Miranda
Este livro venceu o Prêmio Cidade de Belo Horizonte de 2013.
“Em Fundo Falso se destacam duas coordenadas de acesso a uma
paisagem poética que filtra os apelos da afetividade através de uma cuidadosa operação reflexiva. Trata-se, inicialmente, da evidência de um método de escrita que permite à posta apreciar o seu processo de
criação.” EDIMILSON DE ALMEIDA PEREIRA
PENÉLOPE ASSUSTADA
O amor é cheio de dedos
o amor é cheio de patas
aranha inexata
espreita o mínimo erro
e espera.
O que teço do amor
é a mortalha.
PENÉLOPE INDECISA
Como escolher entre
cem pretendentes
sem saber quem se aproxima?
Posso estar a apenas um ponto
de conhecer quem não deixa dúvida.
Não poderia escolher o primeiro
não confio em quem chega tão rápido.
Por outro lado, qualquer um
que não chegue agora
parecerá sempre atrasado
feito para a demora.
Espero o tempo de Ulisses
ou um homem que desvende
minha trama
aprendendo, para mim
um amor que não existe
enquanto espero.
Como escolher alguém
que fique?
PENÉPOLE E AS PARCAS
A morte exige tessitura delicada
tecer um sudário é tramar uma asa, véu de noiva
camada de nuvem, teia que floresce em casulo.
Forma que exige fazer, desfazer, sobrepor
não simulo, antes, é este o método da mortalha.
Não se entra duas vezes no mesmo rio
nem no mesmo mar, cama, corpo
não se recupera um fio, é sempre outra urdidura
na sombra do exercício: tecer, destecer,
construir uma ruína sem vestígios,
sudário como cidade em chamas
que ilumina a noite.
A morte exige outra pele, tela composta
faço, desfaço. Moira que confunde agulha, linha
tesoura
enquanto a distância joga como as Parcas
entendo:
é de Odisseu o sudário que teço.
*
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Página publicada em fevereiro de 2021
Página publicada em dezembro de 2009; ampliada e republicada em julho de 2014 |