RESURREIÇAO
Foi numa noite assim, ao rugir da procella,
Que vieste a soluçar, rosa despetalada,
E offertei-te o meu pão, e este leito, e esta cella
Onde jamais entrara a luz de uma alvorada!
Procuraste occultar-me a immensa magua, aquella
Que te sulcou tão fundo a face macerada!
Alma gémea na dor, tudo se me revela!
Eu comprehendo melhor a gente desgraçada...
Fica. Reviverás, em silencio, commigo,
As mortas íllusões, esse romance antigo
Que inspiraste e escrevi, serenamente, outr'óra...
E sonha... Sonharei... Dois corações defuntos,
Unidos para sempre, e reflorindo juntos,
Num milagre de amor, por este mundo a fora...
CONFITEOR
Quando um dia surgiste no meu horto
De beduíno sem lar, sem caravana,
Meu coração lembrava um templo morto,
Sangrando ao pêzo da injustiça humana!
Naquelle instante, o teu olhar absorto
Fitou-me, e, escravo aos pés da soberana,
Por te pedir mais fel, no desconforto,
Deste-me a esmola da Samaritana . . .
Provei-a! Melhor fora não provasse! . ,
Não ha felicidade que deixasse
Qualquer vestígio, ao penetrar aqui . .
A sede é tanta, e o liquido tão pouco,
Que, se partisses, maldiria, louco,
Até mesmo o momento em que te vi!
POEMA RUBRO
Trago perpetuamente á flor dos lábios, trago
Um sorriso mordaz de ironia e de insulto,
E em cada beijo, em cada olhar, em cada afago
De minhas mãos, ha sempre um temporal occulto!
Brota do arcano d'alma a esperança ? Eu a esmago!
Nasce o amor ? E' illusão! Sarcástico, o sepulto !
Em tudo vejo o embuste, a inveja em tudo, o estrago
Dos maus zurzindo o mundo, e o extermínio, e o tumulto!
Feliz de quem, sorrindo, os tentaculos cerra
Na treva, e os craneos fende, e elimina o covarde,
Para que jorre o sangue espadanando a terra!
Bárbaro e indifferente ás pragas e aos gemidos,
A celebrar cantando a apotheose da tarde
E o supremo estertor dos miseros vencidos!