Moacyr Laterza
Nasceu em Uberaba, MG, Brasil, em 1928. Graduou-se em Filosofia em 1952. Foi professor das universidades federal e católica de Minas Gerais e bolsista e professor visitante na University of Botre Dame du Lac, em Indiana (Estados Unidos do América). Autor dos livros Canto que amanhece (poesia, 1955), além de obras sobre filosofia e estética, contos, e participação em vídeos. Morre aos 76 anos
medo
Pouca chuva do céu à janela humilde
e nossa rua da infância que suspira desacordada.
Na casa, a mãe liberta de seculares rugas,
apenas mãe,
acende a vela pra que o perigo passe.
Mãe, coitada, acendeu os olhos do filho
à vigília dos negros galos que amedonham as trevas.
E não sabe que em cada casa do quarteirão parado,
abandonado pelo pranto dos vivos,
há um morto em liberdade.
E nem ouve os galopes de nossos-heróis preferidos,
nesta hora de legendários encalços
deslizando graves pelos sapatos.
Mãe não vê o corpo no lençol revolto,
qual peixe inerte de pelágicas origens,
assim cansado assim ausente,
vivendo a morte antes do tempo.
Mãe não sabe que pela noite imensa
o seu filho nunca mais adormeceu.
travor
Sentindo-a sempre junto e ausente.
Jamais completar o enleio de seus braços.
E nem das fontes invioláveis de seus olhos,
sofrer o travo mais fundo.
Ter o pórtico e a perspectiva do mundo,
o perfil de seus erros,
os descaminhos do sonho.
Nunca porém de seus ermos medonhos,
O desamor de seu saibro mais fundo.
Caminhar como se não caminhara,
a revolver no desolado lanço dos passos
a incerteza derradeira que nem sonhara.
Extraídos da obra: A POESIA EM UBERABA: DO MODERNISMO À VANGUARDA.
Antologia organizada e apresentada pelo poeta GUIDO BILHARINHo.
Uberaba: Insituto Triangulino de Cultura, 2003. 336 p. (Coleção Artecultura)
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