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POESIA MINEIRA
Coordenação de WILMAR SILVA


MILTON CÉSAR PONTES

Foto: Fernando de Tacca

 

MILTON CÉSAR PONTES

 

 

Poeta e performer. Nasceu em Apiaí, interior do Estado de São Paulo, em 28 de março de 1968. Estudo em seu estado natal e em Minas Gerais, onde reside.

 

Já publicou mais de dez livros de poesia, desde Fecundado (1994).

 

 

A barca lenhada

 

sou ibérico peninsular caramuru navegado

a barca lênhada a própria esquadra

lusitana velas e mastros casco quilha

eu rasgo a única massa líquida da grega

profecia ciclonírico na corrente marítima

21 22 23 26 sinais de terra achamento

ancoradouro missa sou este selvagem

luso índio afro brasileiro que

faz poemas e se arremessa atado

a âncora com fios de cobre na artéria

do fado que me canta o atlântico o

pacífico e o índico soprará boreas e eu

que sempre fui ulisses latitude e longitude

águas que me atravessam ruindo o corpo

mar de meu barco minhas mãos remos

um náufrago e a maré de calafrios

neste lugar é lucidez a réstia que me fita

no afamado modo figurado de navegar

não de gregos ou romanos

mas sim de lusitanos

 

 

Extraído da obra O ACHAMENTO DE PORTUGAL. Wilmar Silva, org. Belo Horizonte: Anome Livros, 2005.  112 p.

 

 

[eu laivo marginal na mpb no bater

dos lábios simbiose o ser temporais quebram

ossos de minhaalma sou avesso chá de limão

ladeira alameda da concórdia pinheiros

araucários nós em meu berço peço

deixe a garoa cair eu durmo entre nuvens

sonho piorras peões espectro meus

ultra seven vila césamo eu garibaldi

tuche au ê el cabong gritos do polvo

hebreu clamor de tentáculos palestinos

massacres sempre em nome da paz

de repente cacos de vitrais nas retinas

espelhos entre riscas de guernica]

 

* *

PONTES, Milton César.  Sabra.  Belo Horizonte, MG: Anome Livros, 2007.   48 p. 14,5x20 cm.  “ Milton César Pontes “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

sossega e desassossega / construo você sem disfarce / cuidadosamente / é frágil o metal como fortes as minhas mãos / meus dedos de ourives / as unhas em aço / torrente de lavas / esmalte de magma / antes arredia agora lavradia / fui eu quem a inventou / moldou seus detalhes / dentes seus dardos como pentes ao dorso / mistério que gravei / no cerne mineral dos desejos / nas serras de minhas hidrovias / a ferro e bruto a matéria-prima assim / obra-prima sim / e pronta / acabada / pintada e folheada a ouro / como ninguém jamais viu / eu esculpi você como me banham o rumor dos ossos / me banham os rumos de quem ensandece / em torno de si um torno para o mundo 

* *

oculto guardo um céu / o toldo de luz / e converso com as nuvens / seu mar avesso / onde estrelas me revelam / passo horas a decifrar suas imagens / vôo / aéreo ao chão / ao rés do mundo / tudo o que há em mim e a minha volta / há em você / se correntes as tempestades / e ventos os penhascos / correm os sonhos como correm os nossos pés / arredios ventam os cabelos como ventam as nossas pernas / voa quando vôo / vôo quando voa / esfumaça e enche de aromas minhas águas / se nuvens também chovem / me apaziguo quando me dissipa e diz amar os mesmos germens / amar os mesmos polens / a contemplar o mesmo azul / contemplo as portas que me levam ao sul / e abro as janelas a todos os cantos

 * *

onde nos deitamos / nus em concha os corpos / a concha / antes e sempre a cama melhor é a sua / é dela onde fitamos o teto / as paredes / o chão súbito / flor devassada / flora devastada / faunos em sua ostra / a fruta o seu ventre / cálice esse pêssego virgem  em minha boca /eu me demoro / é assim que sei viajá-la /  e falo morfeu / e sente pesar as pálpebras / me calo e dorme / seu sono fosse esse poema / eu o escreveria em meu corpo / porque viemos antes da origem / juntos deciframos a noite / quando ainda não havia luminares / talvez antes ou depois do banho / quente / ao clímax / o que sinto / não se dissipa em sua virilha / diz sim / e vem / umbigo / boca / suor absinto 

 

Página publicada em dezembro de 2008



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