MARTINS DE OLIVEIRA
(1896-1975)
Cândido Martins de Oliveira Júnior nasceu em Furtado de Campos, Rio Novo, Minas Gerais, em 21 de junho de 1896. Cursou odontologia em Ouro Preto, bacharelou-se em direito na Universidade do Rio de Janeiro. Foi promotor de justiça em Rio Branco –MG, juiz em Ubá e Viçosa. Foi membro da Academia Mineira de Letras.
CAPELINHA BRANCA
Mão piedosa te ergueu no cimo da montanha,
E não te deu sequer a esmola
De um sininho...
Que triste esquecimento!
Em teu altar de flores de papel de seda cor-de-rosa
O santo está sorrindo um
Sorriso divino de perdão
Há silêncio em teu segredo, silêncio das promessas
e renúncias...
És tão pobre, tão ditosamente pobre, é capelinha branca,
Que todas as manhãs te escondes
Na garoa a tiritar de frio...
FUNÇÃO
ROYALINO é o sapo humano.
Salta, espantado, galga á mesa.
A multidão do vasto circo está silenciosa,
Mastigando apenas.
Espanto num momento.
O bombo explode surdo em surdo som.
ROYALINO rola, e se desloca em movimentos rápidos.
(As pernas estão voltadas para o ar.
E as mãos curvadas para baixo).
Depois, muda de posição, e vira finalmente
Num montão de membros tortos, sobre o peito.
A multidão, como se fosse um olho só, move-se contente.
Vem o palhaço, dá uma gargalhada, e leva
aquilo tudo para a barraquinha.
A música rebenta num dobrado chula, e o povo
diz que tudo é velho, sim, senhor.
(De Pátria Morena, 1928)
OLIVEIRA, Martins de. A Retirada da Laguna (poema). Belo Horizonte: Imprensa Oficial?, 1968. 227 p. 15x23 cm. 16x23,5 cm. “ Martins de Oliveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
INVOCAÇÃO
DE
CAMÕES
3. Se perde, porventura, a estrofe todo o encanto
do modelo famoso, haja recurso nobre
que supra a pequenhez deste rimário pobre.
Lusa do vate luso a poderosa rima
que vale todo um poema e em tudo se sublima:
"Da gente brasileira, em rudo esforço de arte,
cantando, espalharei a glória em toda parte."
4. Se, acaso, não vingar a perfeição no verso,
venha a cadência pura e, entre canções imerso,
à forma livre corra o poeta e ao mundo cante
de seu país natal o lábaro flamante:
MUSA
BRASILEIRA
"Dá-me, Pátria Imortal, a força dos motivos
que escondidos estão nestes teus dons nativos l
Impere no meu canto a bárbara grandeza,
o fascínio sem par de tua natureza:
o lento flabelar dos leques das palmeiras,
o contínuo troar de tuas cachoeiras;
a doce orquestração dos pássaros cantores,
o mistério que encanta o génio dos pintores;
os amplos arrebóis que descrever não ouso
da imensa tela azul de um céu maravilhoso;
as planuras sem fim, os vales e as montanhas,
tempestades de luz tão altas e tamanhas
que iguais em força e cor no mundo jamais houve.
Inda que, à larga, os teus encantos puros louve,
outros motivos mais, altíssimos, reclama
a brasileira Musa. Em ti, fulgure a fama
da perene Beleza. Em tua glória, ufano,
repila sempre o poeta o refalsado engano
dos que renegam, Pátria, o teu passado ilustre.
Acaso, não terão fulgor, eterno lustre
as lutas contra a Holanda? E as fúlgidas bandeiras
que ao divino Bilac, em rimas altaneiras,
deram motivo eterno? Eternamente mudos,
ante a Tróia sombria e humilde de Canudos,
os poetas ficarão? E as páginas pungentes
da tragédia em que o génio audaz de Tiradentes
protagonista foi? Não merecem lembradas
em portentoso metro? Hão de vir, em pedradas
e riso torpe e alvar, os botes da maldade,
sempre cevada no ódio e na mediocridade,
pela infâmia tenaz de uma palavra chula,
ferir o intento nobre. Inteiramente nula,
a vesga incompetência, em negregada insídia,
que se espoja na lama escura da perfídia,
no culto depravado e imundo da torpeza,
jamais compreenderá o reino da Beleza.
Mas eu repetirei do fulgurante vate,
em sagrado protesto, o célebre remate:
Para cantar-te, mente às musas dada, luto,
abrasado de amor, sem medo, resoluto.
Embora seja pobre o verso em que te exalto,
quero erguê-lo, feliz, entre efusões, bem alto,
como se erguesse. Pátria, em minha própria crença,
minha taça de fé à tua glória imensa.
Página publicada em dezembro de 2014. Ampliada e republicada em agosto de 2015.
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