MARIA LÚCIA ALVIM
Nasceu a 4 de outubro de 1932 na cidade mineira de Araxá. Autodidata, abandona a escola para se dedicar exclusivamente a poesia e a pintaura. Realiza exposições de artes plásticas e publicou vários livros de poesia, 5 deles até a edição de Vivenda (1980).
ALVIM, Maria Lúcia. Vivenda (1959-1989). São Paulo: Claro Enigma, 1980. 324 p. 14x20,5 cm. Desebgi de Maria Lúcia Alvim. Projeto de capa: Moema Cavalcanti. “Da edição de 1.500 exemplares, 25 foram impressos em papel Suzano Classic – com a rubrica F.C. – (Fora de Comércio) -, numerados e assinados pelo autor”. ISB 85-235-0010-3 Col. A.M. (EA)
SALA DE VISITA
De braços abertos
O tempo fica parado
Forrado de branco.
SALA DE JANTAR
A mesa mastiga
Léguas de fome. Ponteia
A toalha, a mosca.
SALÃO
Fechado em si mesmo
Opacidade dos olhos
No espelho do assoalho.
BIBLIOTECA
Que importa os livros:
A curiosidade espia
Os bichos, ao vivo.
CORREDORES
As finas alcovas
Espreitam, de porta em porta
São almas penadas.
DESPENSA
Que servem as sílfides
Sobre a prata da bandeja ?
Broas de fubá.
DANÇA DOS ESPÍRITOS BEATOS
A navalha. O Verbo. O movimento
O Menino de barba crespa e basta.
O Cavalo-Marinho (aquele passe
de nunca ser tomada de surpresa!)
Grávido de mim. Quem ? Se não a Ti
faria ? Onde o Mal, em tal sacrário ?
A tua cabeleira negra e casta.
Os meus cabelos tesos e metálicos.
Chamamos pelo nome esse pecado:
Amor: - penetra fundo na palavra
e reboa no ar: Amaldiçoada!...
E quanto mais te ouço mais me encorpo,
cerzida ao teu Corpo, que é meu corpo,
que não vejo, não cheiro, que não toco.
ALVIM, Maria Lúcia. XX Sonetos de Maria Lúcia Alvim. Capa de Jean Guillaume. Gravura de Mário Carneiro. Desenho de Enrico Bianco. Sâo Paulo: Seção de Obras da Fundação Cásper Libero, 1959. s.p. 16x22,5 cm. Impressa sob a direção de Wison Boccato.Gravura colada em folha do miolo. Col. A.M. (LA)
O QÜE ANTES FÔRA ESPELHOS (ARREMESSO
NUM TEMPO SEM MEMÓRIA) FEZ-SE AGORA
ALHEIA RESSONÂNCIA EM QUE DEMORA
A VÉSPERA DO SONHO — SE ME ESQUEÇO
MAS AFEITA A ESTA AUSÊNCIA PERMANEÇO;
SOU FLANCO E INTERMÉDIO — E SE ME AFLORA
QUAL ROTEIRO EM MEU CORPO — E SE INCORPORA
AO MAIS CONTIDO CANTO SE ANOITEÇO.
ESTADO DE AMOR (CERCO) TALVEZ HORA
NENHUM CUIDADO GERAS DESCONHEÇO
TUA ÓRBITA DE ESPANTO TRANSITÓRIA.
ENQUANTO SÓ EM VESTÍGIOS TRANSPAREÇO
ALEM NOVO SENTIDO SE ELABORA:
ASSIM GRAVITAM COISAS SEM COMEÇO.
ALVIM, Maria Lúcia. Romanceiro de Dona Beja. Desenhos do escultor José Pedrosa. Poema de Sylvio da Cunha. Rio de Janeiro: Fontana; Brasília: INL, 1979. 190 p. 14x21 cm. Capa e diagramação da autora. Textros produzidos entre 1965 e 1975. Col. A.M.
LÚCIDA RENDIÇÃO
Sei que é amor, embora dura
seja a perfeição de sua face. Sei do
frio sândalo que exala a palma reluzente
do timbre de seu riso
da madura
solidão que o aperta entre os braços.
Sei que é amor. Nenhum disfarce
diante do claro labirinto —
a voz, o gesto escasso
a velatura cúmplice dos cílios
e o secreto crivo
a capitular
dúctil e vivo.
Sei que é amor, conheço o passo
do gnomo solerte
o sopro exausto
a lenta
curvatura do corpo, quando espreita a própria fome,
e a língua presa
pelas palavras pálidas e tristes.
Sei que é amor. Sei e consinto
em sua lícita usura
na severa parábola ds múltiplos equívocos
— enquanto a fluida escolta
desamor
deflagra minha sombra ao seu redor.
a q u a v ia
Como a fonte que jorra, ambivalente,
marejados de sono, navegamos —
que esse rio de amor e de abandono
seja leito comum para quem morre.
Impelidos à margem da corrente
sacudimos a tarja temporária -
e a alma se evapora: tarlatana
sobre a nossa nudez contraditória.
Na umidade do riso, no desejo
impreciso e profuso, pelo pranto
que no calor das órbitas poreja,
Ah, transidos de frio, patinamos
entre quiosques, domos e coretos
sem nada surpreender ou consumar.
ALVIM, Maria Lùcia. Batendo pasto. Belo Horizonte, MG: Relicário, 2020.
140 p. 13,5 x 2k0,5 cm. Apresentação por Guilherme Gontijo Flores.
Posfácio: Paulo Henrique Britto. Desenho da capa: David Schiesser.
ISBN 978 65 86279 10 7=8.
Exemplar bibl. Zenilton Gayoso
Figueira-brava
provei tua doçura
morácea
tuas flores invisíveis encerradas em
receptáculo carnoso
alvacentas
diáfanas
tua pele castanho-violácea
vermelho-carmesim
a tua polpa
*
Aquele que um dia fará o meu caixão
de antemão tem as medidas:
menina-carapina
surrupiando
Viu crescer, prometer, viu sazonar.
Quando o roxo do ipês configurou-se
no horizonte
aquele que fará o meu caixão
numa cestinha depôs amor
e morte
*
Sagrada rotina
a ti me arrocho
Desatinar é um solipsismo
tosco
Me empolga lembra no escuaro.
Página publicada em maio de 2012; ampliada e republicada em outubro de 2013.
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