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Sobre Antonio Miranda
 
 


 



MARIA JOSÉ DE QUEIROZ

 

Maria José de Queiroz (Belo Horizonte, 29 de maio de 1934) é uma escritora brasileira. Aos 26 anos, tornou-se a mais jovem catedrática do país e, por concurso, sucedeu o professor Eduardo Frieiro na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, onde lecionou Literatura Hispano-Americana. Doutorou-se em Letras Neolatinas pela mesma instituição.

Como convidada, tem uma longa carreira em importantes universidades na Europa e nos Estados Unidos: Sorbonne, Lille, Bordeaux, Aix-en-Provence, Bonn, Colônia, Indiana, Harvard e Berkeley.

Em 1953 começou a colaborar em jornais de Minas Gerais e escreve para mais de uma dúzia de periódicos, inclusive o francês Le Monde. Em 1961, publicou o primeiro de seus onze ensaios sobre literatura e, em 1973 estreou como ficcionista. É Membro da Academia Mineira de Letras (Cadeira 40, Patrono: Visconde de Caeté (1766-1838)).

 .Obra poéticaExercício de levitação. Coimbra: Atlântida, 1971; Exercício de gravitação. Coimbra: Atlântida, 1972; Exercício de fiandeira. Coimbra: Coimbra, 1974; Resgate do real, amor e morte. Coimbra: Coimbra, 1978; Para que serve um arco-íris? Belo Horizonte: Imprensa da UFMG, 1982; Desde longe. Rio de Janeiro: Gramma, 2016. 104p.      Fonte: wikipedia

 

POETAS DOS ANOS 30. Organizador: Joanyr de Oliveira. Brasília, DF: Thesaurus Editora, 2016.  380 p.  ISBN 978-85-409-0409-5   Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

CORPO MEU, SÁBIO PEDESTRE

 

Instrument vivant de l avie, vous étes à

chacun de nous l´unique objet qui se compare
á l´univers
Paul Valéry

        
Réu a revelia,
testemunha e vítima,
condenado a meu juízo,
algemado aos meus conflitos,
tu, penitente,
tu, paciente,
resignado me sofres,
e me assistes.

Corpo meu, sábio pedestre,
liberta-me!
Ensina-me humildade,
terra, musgo, verme.
Livra-me da nuvem,
do sonho lírico
e da vã metafísica.
Guarda-me dos desvarios da ideia,
do platonismo, das utopias,
do quia absurdum e do mito.
Defenda-me da palavra inútil,
da torre de marfim
das figuras de estilo.
Alonga de mim a oratória e o púlpito,
os gênios de a cultura,
o pedagogo e o pedantismo.
De ti me venha,
no sangue, em tumulto,
o alarme e o grito,
a convulsão e o gemido.
Dá-me lição de vida
que sobe pelos pés e nervos,
entra pelos olhos e ouvidos;
alheia-me dos desatinos do espírito!
Ouve-me! Atende-me!
Não me deixes cair
na tentação do vício
impune;
afasta-me da página escrita
— imagem e reflexo do mundo
à qual me entrego,
alienada e distraída.
Leva-me, conduz-me
por caminhos de real realidade,
úmidos de seiva e suor,
rasgados na pele e nos músculos.

Cansa-me o ilusório,
atormenta-me a ficção
de falsos e bonitos enredos.
Aborreço o ócio com dignidade,
artinhas e gramáticas
e mais exercícios vãos
de acdóticas e análises de texto.
Afugenta, peço-te, os fantasmas
que habitam hoje a tua morada
e aí pontificam, ilesos,
tão seguros de si da sua casta.
Desatenta aos teus reclamos,
urgências e anseios,
abri-lhes portas, dei-lhes abrigo,
rendi culto, gratuito,
à funesta fantasia.
Põe ordem na tua casa:
expulsa, degreda, exila!
Recorda-me equilíbrio, proporção, medida.
Comunica-me solo e raízes.

         Modera a minha sede,
farta-me com água líquida,
limpa de metáforas e símbolos.
Tu que és a medida do mundo,
o meu ponto de referência,
a minha âncora e único porto,
ensina-me a vida.

 

ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA,
ENFIM LIBERTO

Tudo claro, calado.
Nenhuma surpresa na via sacra:
Cristo, os apóstolos, a morte,
dois ladrões, muitos soldados.
Mas no azul largo do horizonte
braços e mãos nos alertam:
no alto do Matosinhos
assiste douta assembleia.
Oh profetas, nobres profetas!
Palavras encarceradas
nas letras mudas, eternas,
no gesto feito de pedra.
A voz desatada em verbo
ameaça partir no gesto.

E como saber que dizem?
Como entender-lhes a fala?
Que vozeio o seu, tão secreto?
O silêncio apenas repete
na insistência de pedra
o sonho frustrado na terra:
na tarde longa dos séculos,
prodígio de mãos e braços
de Antônio Francisco Lisboa,
enfim liberto.

 

 

QUEIROZ, Maria José de.  Desde longe.  Rio de Janeiro: Gramma, 2016.    104 p.  13x18 cm.   Prefácio por Mário da Silva Brito. ISBN 978-85-5968-028-7    Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

         Três à mesa

 

        Dos escombros da idade
ainda emerges
— sal da terra,
minha terra,
— luz do mundo,
pequeno, estreito.

         Entre tanta matéria calcinada
na ganga do passado,
brusco teatro de sombras
finge formas,
impalpáveis.

         Surdo murmúrio indistinto
anuncia presença tímida
à mesa do aniversário.

         Falamos, falamos...
como se nos ouvisses,
e tudo escutasses,
calado.

         Teu olhar, resposta clara,
desafia a moenda estéril
e a morbidez espessa
que insiste em separar-nos.
Teu riso, presságio insone
de eternidade constelada,
vence a frieza da pedra,
ignora a inclemência do acaso,
a efusão do egoísmo
dos pronomes pessoais.

         Num temerário combate
contra a vida, contra a morte,
amorosamente ressurges,
salvo do esquecimento
e das reticências da carne. 

 

 

                   Belo Horizonte, dia do aniversário de meu pai.
31 de agosto de 1979.

 

 

 

        Vim p´ra ficar

 

        Um dia na terra
um dia no mar:
andava tão triste, 
tão só, tão sozinho,
sem paz, sem caminho,
raízes no ar.

         Um dia na terra,
um dia no mar:
buscava no mundo
roteiros de ir
e nunca voltar...

         De longe, bem longe,
a voz da sereia:
andei em derrota,
perdi-me no mar,
deixei minha terra,
vim pra ficar...

 

 

 

                   Belo Horizonte, junho de 1983; Página publicada em janeiro de 2017; ampliada em abril de 2018



 

 

 

 
 
 
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