MARIA ÂNGELA ALVIM
Nascida a 1° de janeiro de 1926 na Fazenda do Pouso Alegre, Município de Volta Grande em Minas Gerais, veio a falecer no Rio de Janeiro a 19 de outubro de 1959. Publicou em vida um único livro "Superfície", impresso para as Edições João Calazans.
Publicou-se em 1962, sob orientação de Lélia Coelho Frota, a obra inédita da poetisa mineira, juntamente com o livro "Superfície", num volume intitulado "POEMAS". (Fonte: A NOVÍSSIMA POESIA BRASILEIRA: seleção de Walmir Ayala. Rio de Janeiro: 1962 / Série cadernos brasileiros, 2)
CARTA A MARIA CLEA
Embora faça sol, a dor oprime a altura.
Converso com você, mas sei que é conjetura.
E sendo aqui montanha, verdade aprofundo:
Por quê? Por que nos nutrirmos deste mundo?
Deste mundo, exilio, — porta de nossas perdas
onde o tempo nos soma pelas horas esquerdas.
Não sabemos talvez, ou em saber não bastamos
que o mundo é sedento e nós o desalteramos.
Secam rios de pranto onde a sede se apura
e desagua o labirinto de uma carne obscura.
É preciso nos nutrirmos deste mundo, — quantos
somos, sirvamos à sua fome, — fome de tantos.
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Só, — enquanto a vida
mais distante esmaecia
e prosseguir — tão só — era oriente
(o caminho é sem retorno, se não existe
nenhum instinto além que o reconheça,
e o passo gratuito pronto ignora
o outro passo)
só, eu prosseguia.
Num fim remoto, silêncio ensurdecera
— quem sabe a paz, memória resignada
que tantos sentidos deslembraram?
Quem sabe o adeus de um deus que se prepara?
E, sem saber,
num espaço meu
ou de loucura,
— só, estranha em mim,
eu regressava.
ESTOU E NÃO ME RESPONDO
Estou e não me respondo.
Assisto. Em mim se decide
um inútil afã e se some
a vida que me preside.
E passo, ainda... Meu nome
há muito não coincide
comigo se estar se consome
e tantas vezes me elide.
Me move o tempo mais frio
de tanto pranto afogado
num quase mito de mim.
Vou morando em desvario
quase em sonho inaugurado
para um começo, meu fim.
(De Superfície; Toda Poesia, 2002)
A VOLTA
Tão só em prosseguir busquei sentido
e o caminho é sem regresso a quem caminha
por nenhum instinto além reconhecido.
Espaço meu ou de loucura, era sozinha.
Vinha de não sei onde, lar perdido
de mim mesma, ou infância. Vinha
quando apenas vi que recobrara o ido
antigo estar em tal estância, minha.
E tudo que abandonei, o a que deu termo
muda solidão pairando em grito ermo,
largo deserto visto em falso medo,
tudo que abandonei, faz companhia.
Enquanto, indo, um ocaso brando me assistia
eis que amanheço em mim, volto a ser cedo!
(De Superfície; Toda Poesia, 2002)
ALVIM, Maria Ângela. Poemas seguidos de Carata a um Cortador de Linho. Apêndices: Notícias literárias – Carlos Drummond de Andrade: Um estudo – Alexandre Eulalio. 3ª ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1993. 152 p. (Coleção Matéria de Poesia). 20x21 cm. ISBN 85- 268-0283-6 Col. A.M. (EA)
Soneto ao amigo
Procure ao largo de alma o lenitivo
para este mal da vida, sem promessa.
O corpo vive alheio a se ter vivo
quando fome maior nos arremessa.
Temos todos, enfim, um amor cativo
que tudo pode e inflama e tudo cessa
quando liberto em si vê seu motivo
a este amor dê tudo e nada peça.
Cante em sua voz o rito e os dissabores
do tempo e acontecer mas abstraindo
aspecto transitório e fáceis cores.
Só amor, enquanto é, nos anistia:
sem ele, seres, coisas, verso vindo;
são refúgios do medo sem poesia.
Mar e Maria Lúcia
Um sonho fugaz
entre verde e absinto
outro sonho perfaz.
Num tempo — mas este
mais longo e sucinto
o instante prendeste.
Ah! sempre acordar
na face a neblina
de ver sobre o olhar
que em nós se obstina.
E o verso declina
das coisas do mar:
— apenas retina
de ser e pensar.
ALVIM, Maria Ângela. Superfície Toda Poesia. Apresentação de Max de Carvalho. Lisboa: Assírio & Alvim, 2002. 159 p. 14,5x20,5 cm. ISBN 972-37-0747-0 Col. A.M.
Inútil, inútil, inútil,
quem lê no ar brusco?
Capricho, a flor é fútil
num vaso etrusco.
Inútil, inútil, inútil
voltejo no asco.
Argila, és inconsútil
pouso de um frasco!
Nesse bojo profundo
há noites germinadas,
rosas do mundo.
Sorvo em treva o remédio
e cavo as esplanadas
do raso tédio.
ALVIM, Maria Lúcia. XX Sonetos de Maria Lúcia Alvim. Capa de Jean Guillaume. Gravura de Mário Carneiro. Desenho de Enrico Bianco. Sâo Paulo: Seção de Obras da Fundação Cásper Libero, 1959. s.p. 16x22,5 cm. Impressa sob a direção de Wison Boccato.Gravura colada em folha do miolo. Col. A.M. (LA)
NARCISO
I
EM SENDO MAIS DO QUE SOU
JÁ NÃO ALCANÇO MOMENTO
QUE SOBRELEVE PAIROU
SÓ NO QUE SOU-PENSAMENTO;
BUSCARA EM MIM PADECENDO
TUDO QUE NÃO ME CONSINTO
COISAS QUE NUNCA SABENDO
SOUBERAS! EM TUDO QUE SINTO;
ESBARRO TÃO TRANSPARENTE
NESTE FUNDO QUE FICOU
ONDE TUDO PASSA RENTE
QUANDO TÃO ALHEIA ESTOU
QUE PERCEBI DE REPENTE
VIDA POR M1M QUE PASSOU.
Página publicada em fevereiro de 2009; ampliada em março 2012. |