MARCUS LESSA
LESSA, Marcus. Anatomia do choro indígena e outros choros. BeloHorizonte: Edições Aparte, 1981. 75 p. 14,6x21 cm. Capa: Ziraldo. Ilustrações: Cid Horta.
Programação visual e capa: Wanderley Batista. Col. A.M.
A poética de Marcus estabelece a lírica como resistência, como tarefa de participação social e arrisca dizer o nunca dito, por entre metáforas que constroem o universo do novo; que se descortina diante dele. Não há rótulos para sua produção. Sua poesia é acompanhada de reflexões,interrogações sobre o homem, mais especificamente, é sua leitura do mundo, aquele que ele percebe através de textos variados — no papo do bar da esquina, nos jornais, nos livros, na TV e no tudo que se vê e se entende sob a censura ideológica de nossos dias: mulher, índio, negro. VERA LÚCIA CASA NOVA
CANÇÃO AFIRMATIVA DA DÚVIDA
Há em mim dois poetas
um arqueiro
outro a seta
N§o sei qual poeta
entre dois descobertos
derruba-me paredes
cimento e pena
tijolos ou redes
e faz em mim jogo e cena
ANATOMIA DO CHORO INDÍGENA
Trinta bordoadas de borduna
Engraxar-lhe o rosto em fiapos de jatobá
Adulterar os entalhes da tapuia a tacapes
Deglutir o canto da Jurema
Ensinar fome ...
Calado coveiro sepultando covardias
Curupira de peito marrom e mamas de lua triste
soca nos seus olhos o coaxar de cegos sapos
estufando a dor das pálpebras
numa construção lamentodiosa e inchada de terçol
Este é seu choro retido de índio
Lacrimejar do avesso cisterna, o intestino
Lágrima murada ao curso natural
transformando os áridos órgãos
em depósitos de sal
Mas esvaindo dos cílios olhos
uma lágrima seminal
NOITIBO
A floresta rancorosa de machados e serras elétricas
lança no invasor um tapa de palmeiras e acácias
As raízes lutam de romper a terra
e os homens brincam de Búfalo Bill dos vegetais
Algumas suicidam-se antes
com auxílio do vento que berra: Madeeeeiiiira!
e empurram os troncos nas armas do abate
Noitibó é silêncio de quem não gosta
é dança na plumagem mole do mocho
Bacurau é noitibó
bica zangado um charco de rio poluído
para derramar no acampamento dos madeireiros
quatiripu também ajuda
Cortadores são oitibós-mineiros
Compram guerra
Morre a mata
Página publicada em agosto de 1013
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