MARCOS PEDROSO
Poeta atuante em Minas Gerais, Marcos Pedroso havia publicado dois livros até 1991: Recorte dos Olhos e Estivais, este último pela Mazza Edições, de Belo Horizonte, de onde extraímos os poemas a seguir. Não sabemos de sua produção poética posterior.
Estivais
Viés do tempo. Cinza em profusão.
Tranças ao céu que não pertence a meu Deus nem
ao seu.
Tranças às traças.
O amolador de facas na esquina,
o atol perdido na infância,
o destino bastardo da palavra proa.
Oh céus! viés do tempo vadio,
deserto encapuzado de ninguém.
Tardes de verão. Estivais.
concha
um objeto pequeno
que não faça barulho
encha o bolso de tostões
se perca facilmente
se deixe levar por um grito de mar
role por ruas vazias de outubro
procure o colo materno de u'a estátua qualquer
traga um grande amor para a paixão
se emocione com um tropel de burros
roube as pérolas da palavra estalactite
tenha mais o que fazer no domingo
e não faça marulho
um objeto pequeno
u'a concha
a dor de viver numa concha
a dor de viver
intimidade
movimento na porta,
parte proibida do teu ser
provando o quase-sonho
no colo da tua luz.
Silêncio, teu corpo instante
Poemas extraídos do SUPLEMENTO LITERÁRIO DE MINAS GERAIS, Edição 1357 (2016), Secretaria de Estado da Cultura:
MULHER ESTRANHA
um anjo me visita
logo eu que estendo vais pelo chão?
logo eu que só consigo me ver nas vitrines?
logo eu que sopro algum verso nos vidros?
logo eu que faço questão do silêncio que vem das multidões?
perdoe-me doce anjo que se aproxima
não fui feita no paraíso
desconheço a lucidez do céu de maio
não corrijo o vivido na vida paralela das palavras
sirvo-lhe se quiser um olhar um beijo na face
e peço-lhe que se vá
e se encontre em alguém mais interessante
um novo anjo talvez?
ali na esquina repetindo a dor que aflige o nosso temo
ninguém fala comigo
ninguém me escuta
MULHER ESPELHO
não queira me entender
deslindar as teias ciganas
em minhas mãos de sempre moça
sou pedaço partido da razão
entre as marés que desconheço
livrai-me da escravisão do espelho
esse medo que me apronta para a festa
onde o tempo fere a palavra bela
dai-me o amor só concedido à nudez
dai-me o que não sei em mim
não me lembre da falta que me faço
guarda-me em silêncio
dentro dos seus olhos
proteja-me da fera maquiada
no espelho cansado de batom
MULHER INCOMPLETA
o tempo come minhas certezas
carrego sem pedir o dever da espécie
nos humores que não sei saem do meu corpo
flutuo ente esparta e atenas
peço vinho e alguma paz em tebas
depois não me sei mais
volto a girar
até o sol na mesa ao lado
Página publicada em agosto de 2010; ampliada em fevereiro de 2016 |