MARCOS FABRÍCIO LOPES DA SILVA
Sou Marcos para além da marcação. Sou Fabrício para além da fabricação. Sou Lopes para além do lapso. Sou Silva para além da selva. Nascido em Brasília - DF (16/09/1979), criado no Cruzeiro Novo - DF e recriado em Belo Horizonte-MG, onde resido atualmente. Minha obra poética se encontra disponível no blog da República do Pensamento: www.republicadopensamento.blogspot.com
Além de poeta afrobrasileiro, sou jornalista formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e mestre em Estudos Literários/Literatura Brasileira pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (FALE/UFMG), onde defendi, em 2005, a dissertação Machado de Assis, crítico da imprensa: o jornal entre palmas e piparotes. Atualmente, na condição de bolsista de doutorado do CNPq, desenvolvo a tese intitulada Mil e uma utilidades: a contribuição da literatura brasileira para a crítica da publicidade, pela FALE/UFMG.
Marcos Farbrício lançou "Deslokado" em 2010, trabalho com o projeto gráfico de Gustavo Footloose, editado pela Árvore dos Poemas, de Diovvani Mendonça, turma criativa de Belô. Peça de coleção, vale a pena conferir. Comecemos pela figura criada a partir do nome do poeta brasiliense (vivendo em Belo Horizonte) que lembra o famoso cruzamento no Cerrado, onde começou a obra de Lucio Costa na construção de Brasília:
E mais dois exemplos, a seguir, que falam (ou melhor, se mostram) por si só(s):
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BRASA ILHA EM MIM
Meu lado brasa
joga conversa dentro
com meu lado ilha
Como brasa
preciso de asas
Como ilha
preciso de eixos
Como brasa
esquento-me na realidade
como ilha
sou da fantasia
Como brasa
como ilha
sou o torto do cerrado
que saiu da prancheta
de Niemeyer
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PRETO NO BRANCO
Chicote e cacetete falam a mesma língua,
seguros pelo cabo dos que estão por cima,
apagando com a mancha branca que assassina.
A Pátria dos Quilombos não se dá por vencida.
Zumbi dos Palmares e Xica da Silva
são lições de corpo e alma da mais linda rebeldia.
Todo mundo se lembra da princesa Alisabel,
a mamãe noel da liberdade doada.
Todo o favor quer um troco:
manter a pátria amada deitada em berço esplêndido.
Fantasia custa caro.
Sem saída vive o beco.
O camburão é a gaiola do lixo humano.
A limosine é a casa do luxo desumano.
Linha de cor, código de barra.
Quanto mais escuro for, o estigma vem e mata.
Na flor da pele o espinho do racismo
que alimenta o espelho do cinismo.
Casa grande e senzala.
Mansão e favela.
Feira e shopping.
Cozinha e sala.
Elevador social e elevador de serviço.
O Brasil entre a Ilha de Caras e o Cemitério dos Vivos.
Quem inventou essa hierarquia quer a língua do canhão.
Mama África excluída não precisa de patrão.
Foi o branco, de coroa e de cruz na mão,
que criou o pecado e a punição,
e de língua travada,
ainda ensaia um perdão.
A cabeça da gente está cheia de história
de branco no preto, de falsas glórias.
Nosso povo quer saber do outro lado:
preto no branco, sem esquecer do passado.
"Escurecendo a questão", como diz o poeta,
saberemos a razão do acrobata da dor
no picadeiro das bestas feras.
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O verdadeiro zero à esquerda é aquele que só pensa em zero à direita.
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RETRATO DO BRASIL
verde de dólar
amarelo de medo
azul de fome
e branco de esquecimento
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PITBULL DE MICROFONE
Pitbull de microfone
Cabelo engomado
Com terno sem ternura
Todo engravatado
Late e morde sangue mesmo
Não é mertiolate
Bandido na cadeia
Grita logo o carrasco
Sem direito à defesa
O suspeito é culpado
Deve morrer atrás das grades
Proclama o enviado
Da alta idade mídia
Que cobre tudo ao vivo
Como é emocionante
Um acidente de verdade
Vale a pena o sacrifício
Pra alegria do covarde
Rir da desgraça alheia
Faz parte do ofício
Com o sucesso do desastre
Audiência lá no pico
O povo rói o osso
Carne nova no pedaço
Oferece o açougueiro
No noticiário
Ele mesmo mete o pau
Em nome da justiça
O maior dos irados
Quer combater à ira
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FELICIANA
acaricio teus cachos d'água
em sinal de meu amor à natureza
experimento frescor sem igual
ao mergulhar em tuas profundezas
alcanço paz de espírito
na sintonia de tua beleza
lugar abençoado
onde me encontro cristalino
jóia rara da serra do cabral
encantamento à vista
fundamento que amolece minhas pedras
no embalo de tuas correntezas
sou levado a experimentar o céu
e de volta à terra
sei que ali se encontra o paraíso
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HAPPY END
amor platônico
termina
em transa homérica
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AURORA
Oh! que saudades que tenho
da Aurora da minha vida
da minha paixão querida
que não volta nunca mais
Ontem amor, hoje tantos ais
Naquelas noites acesas
à sombra dos coqueirais
a gente colecionava "selinhos" e muito mais
Como são eternas as noites
do despertar da chama
Transpira o corpo ardência
Como perfume a dama da noite
O mar fica até doce
O céu não é mais o limite
O mundo abraça o luar
A vida - um chorinho de amor
Que Aurora, que mulher menina
Que pele, textura fina
Naquele sorriso carismático
nosso amor saía do armário
e fantasiava até os infelizes
O céu abarrotado de estrelas
brilhava menos que os olhos dela
Quando fazia onda com a minha cara
espantava sempre a maré brava
Oh! noites encantadas
Hoje noites de terror
Aurora é a música que se repete
na vitrola do meu coração
Suas lindas mãos não mais tocam
as cordas do meu violão
Sou um canário aposentado
na gaiola da solidão
Aurora era o meu chão
Hoje ela é o meu céu
Oh! que saudades que tenho
da Aurora da minha vida
da minha paixão querida
que não volta nunca mais
Ontem amor, hoje tantos ais
Naquelas noites acesas
à sombra dos coqueirais
a gente colecionava "selinhos" e muito mais
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NÓS
União: a menor distância entre duas mãos.
Amor: a menor distância entre dois corações.
Compreensão: a menor distância entre duas vontades.
Respeito: a menor distância entre duas diferenças.
Amizade: a menor distância entre dois mundos.
Felicidade: a menor distância entre dois sorrisos.
Admiração: a menor distância entre dois olhares.
Carinho: a menor distância entre dois toques.
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SILVA, Marcos Fabricio Lopes da. Zumbi dos Ipês. Brasília:Avá Editora Artesanal, 2018. 62 p.ilus. Capa:Marcelo Rodrigues & Manu Montenegro. Prefácio:Ana Flávia Magalhães Pinto. Posfácio: Jorge Amancio & Gustavo de Oliveira Bicalho. Ilustração: Demétrius Cota. Edição revestida por uma sobrecapa de tecido. ISBN 978-85-92872-27-4 Ex. bibl. Antonio Miranda
Marcos Fabrício Lopes da Silva nasceu em Brasília, no dia 16 de setembro de 1979. Lá, formou-se em jornalismo pelo UniCeub. Cursou mestrado e doutorado em Literatura Brasileira na UFMG, onde integra o Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade, da Faculdade de Letras. Participa do coletivo de escritores “República do Pensamento” (www.republicadopensamento.blogspot.com). Como crítico, Marcos Fabrício tem publicado ensaios e artigos em livros e em periódicos especializados.
(...)
A identidade étnica merece destaque especial na poesia de Marcos Fabrício. Faz parte de seu projeto literário combater a discriminação e refutar os estereótipos atribuídos aos afrodescendentes. Não seria demasiado afirmar que os versos do escritor convidam à reflexão um determinado coletivo populacional. Em “Bom brio”, o eu lírico indaga: “de que vale seu cabelo enrolado/ com ideias alisadas/ dentro de sua cabeça?”. Já em “Mona Crespa”, o poeta se coloca ao lado da mulher negra: “prefiro Mona Crespa/ com seu sorriso carismático/ à Mona Lisa/ com seu sorriso enigmático”. Fica o convite, portanto, à descoberta deste talentoso escritor de nosso tempo e de nosso país.
quero xangolizar no teu bemquerer
quero exúmorar no teu cafuné
quero iemanjá no teu florescer
quero ogun toque de ileaê
quero oxumaré de tantas alegrias
quero omulu vitória da conquista
quero iansã vento ventania
quero brisa de oyá no meu oriki
BRAZIL
Eu me chamo Brazil.
Nasci há muito tempo,
mas só fui registrado em 1500.
Sou filho dos portugas
que forçaram a barra
pelo caminho das índias
e nas tetas de mama áfrica
se faziam bezerros de ouro.
Falo chicotês fluentemente...
Quem tem dado as ordens no terreiro
tem sido Tio Insano.
Ele vive me enchendo de chiclete
para que eu fique sempre com a boca cheia.
Cheia de açúcar (cheia de formiga).
Sou belo e complexado,
país do futuro,
não passo a limpo o passado.
Fico esperando o presente cair do céu.
Meu corpo é um campo de concentração
de renda do tamanho do Maracanã.
Sou dez em cola. bom de bola,
mas alheio à mesa redonda.
Acho o empate o melhor resultado.
Seguidor de São Paulo,
amo zona.
Molho a palavra
na biblioteca das garrafas.
Prefiro urubuservar sociedades anónimas
a participar de comunidades assumidas.
Moro em cima do muro.
Sou PhD em teoria do medalhão.
Uso as pessoas e por isso sou abusado.
Amo as coisas e por isso só ando na etiqueta.
Apoio a república dos bananas.
Assim deixo os outros à vontade
para descascarem o abacaxi sozinhos.
AFRODITE
primavera do meu tamanho
verão contigo
florido
inverno sem ti
espinho
no outono
nossas folhas
chão do verde
solo capim
deitado em rede
e o sol a se espalhar
em sementes
semeamos
raízes-aprendizes
ribeirão do oceano
vão ganhando caule
matrizes e aquiles
como frutas
desafiando o não
das elites
em suco de mim
afro
dite
MELLO, Regina. Antologia de Ouro IV. Museu Nacional da Poesia / Organização Regina Mello. Belo Horizonte, Arquimedes Edições, 2016. 160 p. 15 x 21 cm. ISBN 978-85-89667-56-2
Ex. bibl. Antonio Miranda, enviado pela editora.
beijo na boca da madrugada de Brasília
faço amor concreto com a solidão oferecida
tuas pernas asas eixos e rodoviárias
a pé disputo com as rodas o verde do parque
junto com o ipê planto raízes do brasil
o diabo veste ternos de araque
deus matou o serviço pra curtir a água mineral
sinto-me um girassol humilde
movido pela marcha das margaridas
decreto uma ode à faixa de pedestre
por onde passa um monumental encanto
minha cidade é um tremendo avião
por mais que ela diga não
ela diz sim
ao escurinho do cine drive-in
Meritomorfina
a felicidade se pinta de branco
pra ficar debaixo dos panos
ditando ordem e progresso
com as mãos sujas de tédio
meritomorfina servida aos banquetes
aos que pensam
aos que clamam
aos que sentem
tudo tudo tudo para os meus
nada nada nada para os teus
brasil de tapete vermelho
pra casa grande eterno recreio
trabalha trabalha senzala
sossego se for no picadeiro
fazendo papel de palhaço
o ano inteiro
a tristeza vem de muitas tretas
armada com os mesmos caretas
que tem cara
tem vergonha na cara
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SILVA, Marcos Fabricio Lopes da. doelo. poemas. Apresentação: Dalmir Francisco. Apresentações na orelha do livro: Nicolas Behr, Antônio Araújo Jr. Belo Horizonte, MG: Rede Catitu Cultural, 2014. s. p. Edição espiralada. ISBN 978-85-63464-11-8
Ex. bibl. Antonio Miranda. Doação do livreiro Jose Jorge Leite de Brito, em 2021.
Minha vida é um livro
que precisa de leitor
aberto
*
espelho, espelho,
ô meu!
bonito não é você,
sou eu.
UM SENÃO A ZENÃO
atribui-se a zenão a frase:
"a natureza nos deu dois ouvidos
e apenas uma boca
para que ouvíssemos mais
e falássemos menos".
prefiro acreditar que:
a natureza nos deu dois ouvidos
e apenas uma boca
para que ouvíssemos bem
e falássemos melhor.
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VEJA e LEIA outros poetas do DISTRITO FEDERAL em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/distrito_federal/distrito_federal.html
Página ampliada em fevereiro de 2021
Página publicada em fevereiro de 2009; página ampliada e republicada em novembro de 2018.
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