MARCELO DE SENA
SENA, Marcelo de. Elegia de abril. Belo Horizonte, MG: 1939. 151 p. 13x18,5 cm. Impresso na Imprensa Oficial de Minas Gerais, sendo 10 exemplares em papel especial, marcados de A a J e 200 em papel bouffant, numerados de 1 a 200. “ Marcelo de Sena” Ex. bibl. Antonio Miranda
Os passos cegos
MATIZES misteriosos tonalidades sutis
olhos claros olhos serenos olhos remotos ou próximos
refletindo
sob as arcadas onde adormecem e acordam prestígios
obscuros e obscuros desígnios
na lúcida transparência
os passos cegos.
Infinitos caminhos como o voo dos sonhos —
sem nascer apagados ante a longa expectativa
que reproduz a estranha música
medita o segredo dos lábios cerrados.
Vida o simples instante
que os separa dos irmãos desconhecidos.
Ausência eterna
ausência do olhar
e a ronda desfalecida dos olhos inexpertos.
Nem mesmo a saudade. Oh o transparente
marulhar
dos olhos perdidos na ausência.
Sons vibrando estrangulados na garganta
mas oh, sim, os passos cegos se apagarão.
Rua lenta na tarde
RUA lenta na tarde, longas paralelas em que as
horas deslizam igualmente;
vais, por ela, em silêncio; enquanto nas páginas
do folhetim interior
reflete-se, apagada ou colorida, a história dos
portais.
Na calçada, muita vez, a evocação de dolorosos
momentos,
mas há vegetais que se levantam das pedras
e contêm
para o olhar cansado do velho espetáculo
um motivo de fuga.
Largas copas verdes, em sucessão confundida pelo
âmbito da tarde,
verdes ilhas nos largos oceanos, verdes ilhas nas
costas batidas pelo vento ríspido.
Uma por urna as habitaste, insular solitário,
que trazes na boca e no peito
o esquisito sabor dos minúsculos desertos.
A hora sombria assim te surpreendeu, rente à
alta parede
onde já retângulos de luz apareciam.
Alguma coisa, na sombra quase densa, apartava-se
levemente da origem do ritmo obscuro;
e conduzia, passo a passo, os transeuntes que
adiante deixava
distraída
com amável toque no ombro.
As copas das árvores, porém, agitavam-se ao vento
do anoitecer,
nem mais o próprio passado que há pouco circulava
pela calçada.
Enfim! Marulhar das vagas mortas a teus pés!
Doce ilha! Rocha deserta na doce música das vagas!
Pátria desconhecida, beleza distante
OH pátria desconhecida, em cujas praias morrem
brancas areias !
Velada pelo vapor que emana do jogo das vagas
e baila, vaporoso bailado, sobre a líquida esteira,
o vaporoso azul...
Pátria desconhecida! Oh distante beleza
que apaga o seu gesto na bruma distante!
Pressentimentos, vãos anseios visitando o peito
de quem dela se parte desterrado...
O que, então, cerrou assim as mais íntimas fronteiras,
os contornos das almas,
e os olhos passavam impenetráveis aspectos
e ao ouvido se construía a música estranha
de remotas alegorias?
Beleza distante: compreendeste-a quando te cercaram
tenebrosos abismos;
quando
já nenhum porto se abriria
às velas erradias,
nenhum refúgio no mar.
Página publicada em julho de 2014
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