MARCANTONIO GUIMARÃES
GUIMARÃES, Marcantonio. Espaços: no jardim. Poesia. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973. 83 p. 15x23 cm. Capa: Márcio Sampaio. Col. Bibl. Antonio Miranda
“Marcantonio Guimarães não o diz, no entanto, de modo que o desvendamos e lhe apreendemos a significação total. Há muito em suas poesias impregnadas de mistério e é com a substância deste que o poeta manipula a melhor e maior parte de seu mundo poético.” EMÍLIO MOURA
REFLEXÃO NO TREM
Cada porta se interroga: até quando
darei passagem?
Interpreto o vazio delas
o sorriso do moço
a ignorância dos meninos.
A esperança é larga para os que guardam frutos.
A paz da madrugada guarda em si um caminho.
Tortuoso, mas caminho.
PRIMEIRA MARCA
Tua figura anima
as formas que me rodeiam.
Confinam-me esses braços
perdidos mastros
rumor de folhas dessa
madeira que és
retido nas entranhas
louco em sua verdura.
Não és só imagem: carne
sinto ao ver-te esguio.
Por tal beleza toco
puro e velho instrumento
mas não a verdade toda
do calor consumido.
E dentro da noite', ainda
absorvo tua ânsia
e és pão e rio
nunca julgamento.
Tua figura anima
as formas que me rodeiam.
Já não és retraio. És
desmembramento.
TRÊS DESDOBRAMENTOS
1 Das horas esquecidas
o poema a folha
o fruto a pedra.
O passo desdobrado
um vento puro
a palavra.
A vontade
o branco suíço
o vago salto.
2 Do canto vago
sabendo esguio
fiz-me na pedra.
Assim estátua
o voo quebra.
3 Assim no canto
entrego-me e pouso.
Só no silêncio
do canto, voo.
DOIS DESENHOS: NARCISO
Narciso à beira d'água soma tempos
no futuro dos olhos que já não vêem.
Narciso da memória: ao primo dia
pruma-se à ave' combatendo ninhos.
Bem vês: a hora mágica
rubra cavalos com cavaleiros dias.
Há um sinal na boca e túmulo no ouvido.
II
Narciso: ao sono da memória
floresce em morno amor do quanto há sido.
Do quanto, em mil memórias, a água pura
transpira mil metades enquanto dura.
Nesse longo habitar habitas lírico.
Mas fere a ti mesmo a duração
do tudo quê nasceu da iluminação.
Página publicada em abril de 2014
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