LUIZ WALTER FURTADO
Luiz Walter Furtado Sousa nasceu em 28 de janeiro de 1957. Médico pediatra na cidade de Ouro Preto, começou a escrever poesias há cerca de dois anos e não parou mais. Tem poemas publicados no número 12 do Caderno-revista 7faces e no site Mallarmargens.
FURTADO, Luiz Walter. Assédio das águas. Belo Horizonte, MG: Páginas Editora, 2017. 108 p. 15x21,5 cm. ilus. Capa, ilustrações e projeto gráfico: Nelson Flores. ISBN 978-85-93572-13-5 Ex. bibl. Antonio Miranda
Crenças ancestrais
Engana-se
quem pensa ter se perdido
na mata
sem adentrar
a si mesmo
Só na profundidade do corpo
algumas raízes
encontram
aos habitantes do medo
e ossos
de crenças ancestrais.
Febres e memórias
Esquecida nos lábios
a última palavra
perdida
Naquela maca de hospital,
a desmanchar-se,
o dia
E contorcido nesse dia:
todos os dias, todos os dias
Infância, febres, fadigas,
memórias, memórias e memórias
Mar, mãe, morte.
Tempo-lugar
O tempo ali
não era quando,
era lugar e movimento
A rapidez eram segundos
e o vagar:
os anos
Mesmo compreendendo o fluxo,
jamais ousavam correr
nem parar
Assim,
num movimento em câmara lenta,
o que vinha de nascer
já era velho.
FURTADO, Luiz Walter. Revelações. Guaratinguetá, SP: Penalux, 2016. 142 p. 14x21 cm. Capa e diagramação: Ricardo A. O. Paixão. ISBN 978-85-58330-80-0 Ex. bibl. Antonio Miranda
Café na mesa
Começo estes versos
Com algo singelo
Um par de chinelos
Debaixo da cama
E sinto o cheiro melado
Meio adocicado
Do café coado
Do pão com manteiga
Do queijo mineiro
Em cima da mesa
Mas penso que não vale a pena
Que a vida é pequena
Que tudo está feito
Que a preguiça é humana
E me viro no leito
Que é fim de semana.
Primeiras vivências
Só a primeira garfada
acha vestígios da fome
Outras apenas repetem
um movimento sem nome
Só primeira lufada
do vento me encontra insone
Outras apenas arejam
e alimentam meu sono
Só a primeira estiagem
resseca, mata, consome
Outras apenas dissecam
o que já é abandono
O novo sempre desperta
sobressaltos ou magia
Os instrumentos que cortam
fios intensos do dia.
Molho de chaves
Chaves deveriam ter condições
de dizer das portas que abrem
Trazerem na forma, cor ou odor,
vestígios das suas funções
A chave do inferno ter sombras do eterno
A chave do céu, perfumes do tédio
A chave da vida estar sempre perdida
A chave do amor, espinhos de flor
A chave da morte, as marcas da sorte,
sinais do destino
Qualquer outro indício
do longo caminho
que leva ao início..
Amor e látex
Hevea brasiliensis:
árvore sangrada por hábeis mão mesquinhas,
em branco visco de látex
Transmutado em pneus e camisinhas
Planta exangue e mutilada
Musa raramente relembrada
Mártir protetora dos amores aflitos,
itinerantes, devassos, interditos.
Página publicada em fevereiro de 2018 |