Fotógrafo: Marco Carvalho
LUIZ EDMUNDO ALVES
Nasceu em Vitória da Conquista, Bahia, em 21 de julho de 1959. Vive em Belo Horizonte desde 1974, onde formou-se em Psicologia. Publicou os livros de poesia: Entre outras coisas, 1981; Metropolitano aloucado, 1983; Sopro, 1990; Na contra luz, Anone Livros, 2OO2 e, pela mesma editora, Fotogramas de Agosto, sem data de publicação, de onde extraímos os seguintes poemas (fragmentos).
Trabalha como videomaker e é editor do site de literatura Tanto www.tanto.com.br
(...)
congado, samba. maracatu.
Brasil auriverdianil.
eu lhe reconheço único e insolúvel
desde minha infância azul.
eu, lutador, quis ser macunaíma, e
banhar-me em 16 milhões de cores.
bebo o caldo grosso da cultura,
aprendo a estetização da violência,
lambo com os olhos a
carnavalização da estética,
a apologia do nada, e leio em minha
pele a poesia da dor desmesurada.
***
lá vem ele
o herói da nação:
sorriso perolado
vitórias e patriotadas
moedas de ouro e
namoradas.
lá vem ele,
na capa
no pôster
na esquina
no rótulo
a bordo do bólido
no rolar da bola
no direto de esquerda.
ele
o cintilante
menino suburbano
maravilha da raça.
rei. ei ei ei.
ei nosso rei!
***
muita coisa que interessa
está nas origens da nação:
petulâncias, revoltas
movimentos sensuais
medos vindos d´áfrica
condimentos picantes
feitiço, fetiche,
molejo, moléstias
dengo,
dendê,
mucama,
munguzá.
êêhhh êêhh
nação de xangô.
***
canonizemos
canonizemos glauber cássia eller cazuza
ana cristina césar paulo leminsky tim maia
Renato russo Torquato neto raul seixas cacaso
mamonas assassinas elis regina gonzaguinha
todos santos seres rebeldes no altar iluminado
da santa transgressão. rezemos por eles.
rezemos também por nós, por nossa vontade
de pecar andar amar beijar cantar falar viajar
lutar namorar sonhar
criar como ar, o ar rarefeito da existência.
anseio e memória: ar, arte.
o destino não tem senhor. e desconfiemos...
minha saudade já não me afasta
de minha alegria,
não me infecciona mais
a válvula mitral,
e balança embalada pela
brisa mansa de agosto.
não amarga,
não está paginada nem dividida
é saudade adquirida.
minha saudade já consegue ser meu poema,
meu rosto calmo, ser capítulo de minha história.
estou sozificado, falta meu sofrimento.
sobram sua falta e minha memória.
***
minha saudade vive suspensa,
orbita pelo céu dos afetos
apagou apego, medo, solidão.
tem motivos pra ser só saudade e
é saudade até na extremidade.
saudade do s ao e,
e esclarece-se quando
comigo não se aprece,
quando me esquece.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Número 35 – Ano 17 – 2010. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, 2010. Editor Marco Lucchesi. Ex. bibl. Antonio Miranda
I
quando estou aqui tão só e percebo
que aqui é um lugar de solidão,
quando os bem-te-vis cantam e
me sinto prisioneiro,
quando aqui tantas vezes desejei
algum corpo, alguma voz e
muitas vezes me servi do silêncio e
da imaginação. meu pulmão aqui.
meu castelo, minhas costela aqui.
aqui meu desterro, minha questões,
eu aqui, bem longe de mim.
II
tenho uma
memória nos olhos,
que às vezes ativa-se
com uma cor, agora
estou ativado pela amarelo,
um pouco alternativo entre o
verde e o vermelho,
um vento de outono sopra e
amarela-me com o passado.
associo o amarelo a um
estado de medo. ou a uma flora,
todas as flores amarelas,
amarelas, todas as recordações.
agora estou amarelo
duvidoso
esquecido
inexistente
III
tateio, tento entender o mundo
pelas pontas dos dedos, quero
agarrar coisas com meus dedos,
reter ou acelerar as horas e,
mais que entender o mundo,
copiar a estampa de sua pele
memorizar a estampa de sua pele
pra depois compor
minha fantasia
meu poema
meu amor
Página publicada em março de 2008. Ampliada em setembro de 2018 |