POESIA ERÓTICA   
                    
                    LÍVIA TUCCI 
                     
                    Poeta e cantora mineira. Bela mulher, bela poesia.  Felina. "Desdobra o sangue e orgasmo" como escreveu Claudio Brahdão,  e arremata:" Erótica, doce, cruel," 
                    "O Avesso do Cristal é uma leitura criativa,  sensual, sob intensa emoção das metáforas do corpo a conspirar as tramas da  sedução da palavra. Nele, como vetores do êxtase, as epígrafes funcionam como  condicionantes temáticos, sobre os quais Lívia Tucci imprime seu ritmo próprio,  marcante como a sístole - diástole do amor se fazendo na física das  palavras."  MÁRCIO ALMEIDA  
                    
                    De 
                          Lívia Tucci 
                      O AVESSO DO  CRISTAL 
                        Belo Horizonte: 1999. 
                    Streptease  
                    Anoiteço  árida,  
                    adormeço  úmida, 
                    no  emergir dos pêlos,  
                    no  arrepio dos passos, 
                    quando a  noite tece em nós 
                    a opala  túrgida. 
                      
                    E no dia  seguinte, 
                    sanguínea  e dilatada, 
                    outra  vez, anoiteço. 
                    E atenta  a essa festa, recomeço. 
                    Mostro,  cubro, 
                    desnudo  a curva casta, 
                    minhas  partes mais pudendas, 
                    as mais  brancas, 
                    ao som  de um blue. 
                    E entre  véus 
                    e a fina  blusa, entreaberta, 
                    o lado  claro do cenário 
                    é a luz  de um abajur. 
                      
                    Enquanto  tento despir estrelas,  
                    te dar  um amor imenso,  
                    dentro  de minha blusa, entreaberta,  
                    constróis  a Via Láctea em silêncio. 
                      
                      
                    Hermafrodita 
                      
                    Que eu  me envolva, 
                      que eu me em vulva, 
                    que eu  me em verve. 
                     
                    Do corpo  adormecido, 
                      a saliva acorda-nos em tempestades, 
                      lava-nos, em cântaros, a cidade. 
                     
                      Do animal desordeiro, 
                      as ancas trêmulas e góticas, 
                      cavalga-nos, o potro em soluços, os cheiros. 
                      
                     
                      Que eu me envolva 
                      na verve de tua vulva, 
                      que eu me inflame 
                      no fluído de teu falo, 
                      que silente calo, calo, calo. 
   
                      Da boca, 
                      que a reparto em duas, 
                      em desmedida e assexuada gula, 
                      sugo, de uma só vez, ambíguos lagos. 
   
 
                      
                    Marí(n)tima 
                      
                    Teu  corpo alagado 
                    é  um porto selvagem e inconstante,  
                    quando  tudo fora é sequidão e estio.  
                    Eu,  enchente de rios, matas, peixes,  
                    que  teimas represar em mim. 
                      
                    Na  incessante busca e entrega,  
                    por  sobre a pele alva e salina,  
                    voa-me,  albatroz, em doce agonia,  
                    flecha-me  o alvo, o túnel, o arco. 
                      
                    Inunda,  finalmente, em espumas gotejantes, 
                    a  branca praia, deserta e encantada, 
                    e  ávidos ao mastro, redescobrindo terras, 
                    a  posse será lenta, a invasão armada. 
                    Serei  em teu corpo a mulher que insisto, 
                    serás  em minha mão 
                    meu  pássaro em extinção. 
                      
                      
                    Posfácio 
                           
                    De todas as formas, 
                    a  que mais emana, 
                      a que mais lateja 
  é a brecha sumarenta, 
                      a que impele 
                      a secreção da trama, 
                      nau de placenta. 
                     
                           
  Úmida urdidura, 
                      ninho de lagos, 
                      em vão, 
                      a esperar no porto 
                    mil  caravelas de náufragos. 
                           
  Ávida tessitura, 
                      nauta sideral, 
                      a implodir 
                      estrelas, 
                    pelo  avesso do cristal. 
                      
                      
                     
   
   
                     
                    
                    MELLO, Regina.  Entre o Samba e o Tango.  Organização: Regina Mello e  Olga Valeska.     Belo Horizonte, MG: Munap e Arquimedes, 2018.   160 p.    15 x 21 cm.  Diagramação e arte  final: Eugênio Daniel Venâncio. Fotos: Israrel Ferreira. Produção Museu  Nacional de Poesia.    ISBN  978-85-89667-57-9    
                    Ex.  bibl. Antonio Miranda, enviado por Regina Mello. 
                      
                      
                    
                        
                      Verdes guiriris 
                         
                        O  que guardo em minha voz, 
                          Vou cantar-te em dias, em noites calmas. 
                          Vou cantar-te agora, sempre, nestes versos, 
                          Linhares tantas que acalentam almas. 
                          Versos que acordam o corpo, a bailarina, 
                          A gruta, a orquídea, a minha foz infinda. 
                          O que guardo nesta voz, 
                          Vou cantar-te, lírica e insana 
                          Vou abrir-te a porta, outra vez, 
                          Da minha casa, casta e profana. 
                          Adentra esta alma, tão minha, tão nua, 
                          Que muito visitastes, quando sol 
                          E quando lua. 
                          O que guardo em meu coração de gueixa, amor, 
                          Vou soprar-te ao ouvido, no arrepio dos pelos, 
                          Vou deixar-te cicatrizes por todos os sentidos. 
                          Lamber, em fontes, o teu templo samurai. 
                          Te ofertar um jarro de porcelana com haicais. 
                          Vem, acolhe tua branca libélula que adeja, 
                          Represa minhas águas em tua boca de cereja. 
                          Que eu seja o rio que te busca, permanente... 
                          Que sejas o mar que me recebe, afluente... 
                          Rio doce, mar de sal em corpos-de-leite, 
                          Poços de caldas, bambus e licores, 
                          Ventos uivantes, serra de amores. 
                        
                        
                        
                      Simbioses 
                         
                       
                      Beijo  teu dedo anular 
                        Teu anular da mão esquerda 
                        Em íntima e cúmplice comunhão 
                        Porque compartilho contigo as cicatrizes. 
                        Beijo teus olhos 
                        Pois que és minha íris 
                        Meu cajado cristalino 
                        Que me guias e me abres veredas 
                        Onde ainda estou vendada. 
                        Sorvo a singular metáfora 
                        De tua boca amada 
                        E devolvo-a, sôfrega, 
                        Líquida, adrenalina 
                        Em língua inquietante 
                        Traduzida em falo úmido 
                        No encontro de outras águas. 
                        Sorvo teu cheiro de homem 
                        Poros, peles, feromônios 
                        Teu perfume de nômade 
                        Pois que és meu cavalheiro andante, 
                        Pois que sou tua dama infante, 
                        Tu, meu quixote errante. 
                        Sou a mulher, aquela que procuras? 
                        Sou a platônica fêmea que atiça 
                        Tua mente, teu espírito, teu corpo. 
                        És o homem, aquele que garimpo? 
                        És meu guerreiro complacente 
                        O doce ouvidor dos meus cantares 
                        Consumando a fusão ímpar 
                        Dos nossos universos indecentes. 
                        
                        
                        
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                      POESIA  ERÓTICA  
                     
                      
                      
                    Página publicada em fevereiro de 2021 
  
                    Página publicada em julho de 2010                      |