Laura Erber, por Marcelo Tabach/divulgação
em http://cultura.estadao.com.br
LAURA ERBER
Laura Erber (Rio de Janeiro, 1979) é uma escritora e artista visual brasileira.
Escritora, artista visual e professora. Sua prática artística se caracteriza pelo constante trânsito entre linguagens. Realizou o filme Diário do Sertão (2003) em que o sertão de Guimarães Rosa é reativado, transbordando as noções convencionais de território e geografia. Recebeu bolsas do Le Fresnoy (França) e Akademie Schloss Solitude (Alemanha). Suas obras foram exibidas em diversos museus e centros de arte no Brasil e na Europa (Fondació Miró, Le Plateau, Jeu de Paume, Grand Palais, Casa Européia da Fotografia, CIAP Vassivière, Museu de Arte Contemporânea de Moscou, Skyve Ny Kunstmuseum, Palais de Beaux Arts de Paris, Centro Cultural Banco do Brasil, MAM-Rio). Em 2015, com o crítico Karl Erik Schøllhammer fundou a editora digital Zazie Edições, voltada para livros de arte, teoria e crítica. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Laura_Erber
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ERBER, Laura. A Retornada. Belo Horizonte, MG: Relicário Edições, 2017.. 60 p. 12,5x21 cm. ISBN 978-85-66786-56-9 "Orelha" do livro por Lu Menezes. Ex. bibl. Antonio Miranda.
Um céu pálido, sobre o mundo se acabando em
decrepitude, talvez vá embora com as nuvens.
Mallarmé
Talvez vá embora com a nuvem a luz que estoura a forma da cidade. Antes existia um aviário, a graça dos tecidos, um céu azul-de-céu, a palavra sublime. Hoje há uma lei para o refúgio à beira rio, o que o olho evita. E mais um corpo retorna à superfície. Penso nos acampados, nos aflitos, no lixo funerário, nas mortes por água, nas entregas loucas, nas moedas, na mão ferida do escafandrista. Penso em anéis de fumo, nos cometas frios, na pupila do cosmonauta, em Ghérasim Luca. Que me dá tantas provas de sua respiração e outras mais difíceis marcas de sua passagem mas não consigo ler. O que o lobo estabelece com o trenó, o apaixonado com o açougueiro, o espadachim com o muro, mas penso em você. Em você mesmo.
E como se, com cada uma de minhas cartas, eu entrasse cada vez menos em contato contigo
Ghérasim Luca
Não são meros exemplos: ratos mortos subindo escadas um dia ocuparão o quarto inteiro comerão o pouco de oxigénio desta casa todos os livros sem orelhas uma luz de fim de mundo espera que o dia termine que tudo se afaste que o pensamento desmaie sobre as dúvidas e nós também num sono sem sonhos enquanto o silêncio cresce como uma placenta em torno de tudo o que é falível e tudo é falível um gracejo um gesto nossos textos o foco da imagem as barbas do diabo saindo pela janela se o real fosse também o verdadeiro (o diabo abrindo janelas) haveria uma chuva diferente para cada corpo na hora do desmaio como nos cartoons morreríamos murtas vezes sem espasmo cobertos por sudários por palmeiras toneladas de explosivos sem terrores sem leito sem suores isto também vai terminar sem deixar rastros.
ERBER, Laura. Insones. Rio de Janeiro: 7Letras, 2001. 48 p. 13x20 xm. ISBN 85-7577-006-3 Ex. bibl. Antonio Miranda
sequência
d´aprés Ana Cristina César
nenhuma teoria obscura do desejo
nenhuma teoria
tudo tão simples como isto
tiros na noite
cochilo entre um pensamento e outro
atravesso pontes
o ônibus vermelho e o coração repete
a mesma velha estória te
persegue
perco o gran finale
passeio com dois olhos sobre teus ombros
recorto a cidade por todos os lados
desfaço o trato ou finjo que esqueço?
esmerilho o corpo
anoto a palavra que congela
esqueço o caderno no passeio público
tento acompanhar a sequência sem perder o pique
diga que neste calor
diga que estes olhos
nesta falta de luz
diga-me agora mesmo
diga-me que nunca mais
a trama é simples
tão simples que
adormeço
ainda não aconteceu
apenas se estende
no ar
na intimidade visual do sol
por trás de um céu silencioso
também se dissolvem
na sombra destes pensamentos
quando um lábio começa a se abrir
"a sombra é o sangue da luz"
há luzes claras demais
e conselhos nada obscuros
a expansão lenta de uma nuvem
inflexão mais tensa nas perguntas
poeira
em sinais cotidianos
da destruição
prosa recomeçada
nas pequenas estradas intensas
o olho do motorista
no real
atento
é inútil desenhar
a silhueta dos perigos que circulam
como nos filmes mudos
há pessoas que caminham apressadas
um olho simples que pisca entrecortando tempo
sem deixar vestígios
Página publicada em janeiro de 2018
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