Foto da década de 1950
LAIS CORRÊA DE ARAUJO
(1929-2006)
Ela nasceu em 3 de março de 1929, em Campo Belo, Minas Gerais, e foi casada com o poeta Affonso Ávila. Laís Corrêa de Araújo foi editora do Suplemento Literário de Minas Gerais e titular da coluna Roda Gigante, publicada regularmente durante muitos anos no jornal Estado de Minas. Publicou um livro de ensaios sobre o poeta Murilo Mendes, com quem manteve correspondência.
“Independentemente do tema, Lais submete tudo à precisão do que quer dizer e do como quer dizer. Até mesmo quando assume um “eu” mais biográfico” (...) Maria Esther Maciel
“Esta pequena reconstituição do percurso da poetisa se faz necessária para que se possa dizer da índole de sua poesia, que procurou repensar, dentro dos limites locais e com suas limitações terceiro mundistas, o legado das vanguardas brasileiras ( Semana de Arte Moderna de 1922 e Antropofagia) e de certas vanguardas européias do início do Século XX. Sim, muito mais do que uma escritora voltada para o gênero, que tem se mostrado empobrecedor, como método poético ou crítico, Laís Corrêa de Araújo é uma autora voltada para os processos e movimentos de invenção, na arte.” Regis Bonvicino
De
Laís Corrêa de Araújo
DECURSO DE PRAZO
Ouro Preto, MG: Tipografia do Fundo de Ouro Preto, 1928
Edição de 300 exs. impressos em tipos móveis
Imput
Do leque de dedos
escolher um
ou dois
ou três
Romper o zelo
do selo
onde ele
não há
Vocabulário
Gosto das palavras
infecto e nauseabundo
— palavras que silabam
em rude contraponto
a avaria do mundo.
De umas palavras quentes
— casa, cama, mesa —
que escapam pretéritos
e futuros presentes
em sua reta clareza.
Certas partes do corpo
que bem que sonorizam:
— púbis, hímen, vagina —
palavras que batizam
a encoberta mina.
E gosto de orgasmo
palavra atravessada
como um espinho agudo
que rascante lateja
um momento de pasmo.
Também gosto de enfarte
— palavra lancinante
que quando se presenta
nem se diz — e parte
a vida num instante.
Versículo 100
em verdade, em verdade vos digo:
nem todo aquele que sobe ao Templo
e bate no peito, dizendo
Poesia, Poesia,
entrará no Reino da
Mìdia
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De
INVENTÁRIO
1951-2002
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003
Silogismos
A língua sibilina
em quando falo
— fala?
O dedo viperino
em quando levita
— manuscrita?
A boca fescenina
em quando suga
— conjuga?
A pele colubrina
em quando chama
— diagrama?
O seio horizontino
em quando iguaria
— alegoria?
A coxa serpentina
em quando possessa
— expressa?
A anca messalina
em quando sodomia
— ritmia?
A gruta diamantina
em quando sumarenta
— argumenta?
O sexo saturnino
em quando estertora
— elabora?
A carne guilhotina
em quando estala
— cala.
Adeus
É assim que eu te digo adeus:
como uma menina que mora na beira
da estrada e abana a mão para o trem>
Apenas te vi.
E te digo adeus porque não
apanho rosas.
Footing
Quem dá mais
por um corpo valendo
15 16 17 18 19
20 anos?
Quem dá mais
por uma carne intacta
com todos os seus pertences?
Nesse pregão
ninguém paga o preço
de uma aliança.
Ritos de passagem
Minúscula coisa vacilante
Ocioso incêndio de hormônios
Esperna DNA genes efervescentes
Nostalgia da menstrução
Pobre coisa vacilante
à beira de
Marca
Uma ferida é
e me causa nojo
espalha um soro acre
em minha face
de vergonha
Eu me envergonho pois,
sempre há a ferida
embora não doa nada
não doa mais a cicatriz
antiga e invisível
sob o pó do tempo —
é uma ferida sempre
e exala ocre cheiro
do desgosto e desgaste.
Auto-retrato
O que eu era fui
fluída fugidia fumaça
fui e era
não ao perfeito ser
Vislumbro o que fui
ou só vislumbre o outro é
ostensiva fragmentação
de bem moldada forma
no barro adâmico
de sonho e sono fui
derrapante à erosão
era fui ser não sei
a chuva corre em mim
esta que era, fui
brasa evaporada
sob as gotas do medo
Acerto final
De que valeu ter sido mudo
escudo baço crispado
e agora surdo surdir
esconso em berço de seios
deposta a sereia sem volteios
surdo e quem sabe cego
do inútil resfolego a busca
do sumo absoluto do acaso
ser dois em um ou vulto
de papier machê no esforço
de sobrenadar o poço o açude
à descoberta do fundo
palha de milho ou alcatifa
De que valeu dizer ou não dizer
ouvir não entender
enxergar e não crer?
A medida é o dedal
onde brindar a fala o ouvido
a vista
e cair na real.
De
Laís Corrêa de Araújo
CANTOCHÃO
Belo Horizonte: Governo do Estado de Minas Gerais", 1966.
"Prêmio de poesia "Cidade de Belo Horizonte" - 1965
"Eis então o meu resumo,
fácil é constatá-lo.
Da vidas somos só
o talo. "
RETRATO DE HOMEM
A paisagem estrita
ao apuro do muro
feito vértebra a vértebra
e escuro.
A geração dos pêlos
sobre a casca e os rostos
em seus diques de sombra
repostos.
Os poços com seu lodo
de ira e de tensão:
entre cimento e fronte
— um vão.
As setas se atiram
às margens de ninguém,
ilesas a si mesmas
retêm.
Compassos de evasão
entre falange e rua
sondando a solitude
nua.
E na armadura de coisa
salobra, um só segredo:
a polpa toda é fruição
de medo.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Ano 18. 2012. Número 36. Edição dedicada a Minas Gerais. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional, 2012. Editor Afonso Henriques Neto.
Silogismos
A língua sibilina
em quando falo
— fala?
O dedo viperino
em quando levita
— manuscrita?
A boca fescenina
em quando suga
— conjuga?
A pele colubrina
em quando chama
— diagrama?
O seio horizontino
em quando iguaria
— alegoria?
A coxa serpentina
em quando possessa
— expressa?
A anca messalina
em quando sodomia
— ritmia?
A gruta diamantina
em quando sumarenta
— argumenta?
O sexo saturnino
em quando estertora
— elabora?
A carne guilhotina
em quando estala
— cala.
Página ampliada e republicada em agostode 2018 |