L. RAFAEL NOLLI
É estudante de Letras já atuando como professor. É escritor e poeta, publicou Memórias à beira de um estopim- 2005.. Tem seis livros prontos pra lançar. É de tendência marxista. Escreve no blog: http://rafaelnolli.blogspot.com/
Ópera-rock sobre o Cárcere de Abaetetuba
1 – os fatos
Tinha quinze anos e subtraíra um Rolex made
in China ou um CD by Zona Franca de Manaus.
Por isso fora jogada
numa cela úmida de suor e porra.
Uma cela ocupada por homens exemplares,
educados na arte da pederastia e da extorsão
—onde trocava um copo d’água por uma chupada.
Tinha quinze anos e roubara pouco mais
de uns reais, que não lhe pagavam a fome.
Por isso fora jogada
numa cela feita de aço, músculo, testosterona.
Uma cela abarrotada de orações sinceras,
de sífilis, de gonorréia
— onde trocava fiapos de colchão por tapas na cara.
Tinha quinze anos e roubara um pedaço de pão
ou uma carteira de couro de avestruz.
Por isso fora jogada
numa cela fedendo a desinfetante de menta e cu.
Uma cela decorada com frases de ódio
e estelares bocetas globais
— onde trocava um prato de comida por uma trepada.
... nos ensinaram a rezar pelos céus,
mas enterramos nossos corpos no chão.
Deixem-me, quando morto,
Apodrecer apoiado em um muro.
Deixem, que as heras irão me abraçar
Até que eu não seja coisa senão hera...
Não é o petróleo negro o mais valioso líquido desse
Planeta, tão pouco a água – mas, sim, o suor!
Ele que se extrai do rosto e com o qual se constroem os mares onde navegarão baleias e Destroyers!
XXIV
28/05/03
ESPARSOS EM MAIO DE DOIS MIL E TRÊS
1
Vencendo barreiras e hímens,
Galgando distâncias e reentrâncias,
superando obstáculos, seios e vaginas,
plantando pênis, semeando porra:
o sexo de ontem faz os homens de amanhã.
2
Elaborando idéias e césio 137,
Construindo bases aéreas e área 51,
Demolindo pastos, homens e culturas,
Plantando urânio, napalm e tecidos bacteriológicos:
O imperialismo de ontem faz os revoltosos de amanhã.
XXXIX
24/01/04
Como pode ser bom esse nosso espetáculo que se inicia com um abrir de pernas e termina com um baixar de caixão?
FÓRCEPS. Araxá, MG: Coletivo Anfisbena, 2013. 15,5x25 cm. s.p. Inclui poemas de Cássio Amaral, Flávio Offer, Heleno Álvares e L. Rafael Nolli. Capa dura revestida com colagem de folhas de um dicionário pintadas. Edição artesanal. Col. A.M. (EA)
Poema # 2
Para Rafael Borges Martins
: impossível sem quebrar uns ossos
talvez alguns golpes de navalha na face
(como um imprudente zagueiro
ou um barbeiro louco)
: improvável sem queimar algumas casas
talvez algumas pessoas em praça pública
(como se fazia em nome de Deus
ou de homens alçados a)
: fora de cogitação sem pessoas
talvez algumas que não existam
(como aquelas dos romances antigos
ou dos sonhos razoáveis)
: impensável sem amor pela vida
talvez por uma mulher ou por um cão
(como se vê nos bares à noite
ou na rua aos sábados)
Poema # 3
Para Flávio Offer
Procurando muito há de se encontrar.
Entre os homens que por um segundo
se esquecem de sua natureza e se atracam
- por uma palavra mal acentuada
ou um gol anulado -
é o palpite mais razoável.
Talvez nem precise ir longe demais:
nada de chafurdar na lama -
onde o esgoto urbano descansa;
nada de vasculhar o sovaco da noite -
onde piolhos fugitivos da púbis se exilam;
por certo é ir longe demais,
não vale a viagem ou a sola de sapato gasta.
Talvez ela esteja por ai, na rua,
passando de chapéu a esconder o rosto,
maquiagem carregada mentindo a face.
NOLLI, L. Rafael. Memórias à beira de um estopim. Araxá, MG: Jar Editora, 2005. 107 p. 13,5x21 cm. Capa: Jayro Alves Ribeiro. Ilus. da capa: Hugo Martins. “ Rafael L. Nolli “ Ex. bibl. Antonio Miranda
VII
09/09/04
Por mim
tiras de minha casa tua mala e teus livros.
Por mim
tiras do teu quarto minha foto e meus gibis...
meus sonhos de luta e minhas derrotas vis.
(Fazia amor contigo, todas as noites,
para poder de ter de vez em quando.
Fazia amor contigo, todas as noites,
para poder te comer de vez em quano.)
Por mim
tiras do teu peito teu próprio coração,
eu sangue — teu sim quase não.
Tiras, por mim, as verdades provisórias
e troque tudo por mentiras, que eu volto —
sem armas em punho ou pedras na mão.
XXVI
11/02/04
Cantar não um bicho como casca que cobre a alma;
mas, sim, em profundidade de fome.
Esse que não é um bicho que se arrasta na terra, com várias
patas,
muito menos um que se esgueira entre planetas e plantas;
mas, sim, um bicho que atende por humano
e tem o sublime hábito
(culpa dele mesmo?)
de se alimentar com calafrios no estômago.
Pois é ele a minha matéria,
não o homem em unidade;
mas, sim, em estado de multidão.
Página publicada em janeiro de 2008. Preparada por Cássio (Marcos) Amaral.
Ampliada e republicada em agosto de 2013; ampliada e republicada em novembro de 2014. |