JOSÉ SALLES NETO
Poeta inédito (em 1972, na época de publicação do livro sobre a Transamazônica), nasceu em Araxá, Minas Gerais, em 12 de setembro de 1948. Estudava Engenharia Elétrica, na Universidade de Brasília.
TEMPO DE ESTRADA – 20 POEMAS DA TRANSAMAZÔNICA. Rio de Janeiro: S.D.M.T em co-edição com Instituto Nacional do Livro e Grupo de Planejamento Gráfico, editores, 1972. 208 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
DE UMA ESTRADA, UMA TERRA E UM HOMEM
esta é a estrada
esta é a terra
esta estrada, nesta terra
é feita de sangue e suor
o sangue não é de guerra
mas, a luta talvez maior
esta estrada, nesta terra
é algo forte e humano
é como a mão que enterra
o corpo em furor insano
esta estrada, nesta terra
foi gerada com paciência e amor
paciência que o ideal encerra
em corações de ardente calor
esta estrada, nesta terra
dias e dias sonhada
agora por mão que não erra
estende-se real projetada
esta é a terra esta
é a estrada
esta terra, nesta estrada
é terra ingrata, terra dura
e traz em seu seio guardada
fria e cruel sepultura
esta terra, nesta estrada
é terra escura, sem brilho
é terra que apesar de amada
corrói o pai e consome o filho
esta terra, nesta estrada
faz nascer, alimenta e envolve
e depois, sem aviso, calada
destrói a cria e a si mesmo a devolve
esta terra, nesta estrada
constrói um sonho, um mundo novo
não é terra prometida, mas abraçada
nos braços famintos de um povo
esta é a estrada
este é o espaço
esta estrada, neste espaço
é em cada metro moldada
com carinho e por firme braço
que da máquina passa à enxada
esta estrada, neste espaço
avança em cada árvore que cai
tem fome no alimento escasso
que rápido na fome se esvai
esta estrada, neste espaço
é a distância transformada em união
é como um sólido laço
ou cálido aperto de mão
esta é a estrada
este é o homem
este homem, nesta estrada
é mais que homem, uma força oculta
do sol nascente à madrugada
transforma o tempo em trabalho e luta
este homem, nesta estrada
não pode um futuro prever
mas, faz das pedras uma escada
que sobe, sem nunca descer
este homem, nesta estrada
que suga, aperta e destrói
sofre, mas, na carne conturbada
repousa um grito: HERÓI
esta é a estrada
esta é a terra
este é o homem
este homem, esta estrada, esta terra
não são três, mas um só
a estrada se integra no homem
e o homem se integra no pó
em cada mente, de problemas repleta
em cada dor que o amor suaviza
a estrada no homem se completa
o homem na estrada se realiza
esta é a estrada no homem
este é o homem na estrada
na noite, a rude faina acabada
ruídos e máquinas somem
fica o homem, que é a estrada
fica a estrada, que é o homem
Página publicada em novembro de 2020
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