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                   JOSÉ OITICICA 
                    (1882-1957) 
                    
                  José Rodrigues Leite e Oiticica  (Oliveira, Minas Gerais em 22 de julho de 1882 — Rio de Janeiro, 30 de junho de  1957) foi um professor, dramaturgo, poeta parnasiano e filólogo e notável  anarquista brasileiro. Foi membro da Fraternitas Rosicruciana Antiqua, estudou  Direito e Medicina, não tendo concluído nenhum dos dois cursos em favor do  magistério e da pesquisa filológica. Foi vegetariano. No plano político foi um  dos grandes articuladores da Insurreição anarquista de 1918 que inspirada pela  Revolução Russa pretendia derrubar o governo central na capital do país. 
                    
                  ANARQUIA 
                  Para a anarquia vai a humanidade 
                  Que da anarquia a humanidade vem! 
                  Vide como esse ideal do acordo invade 
                  As classes todas pelo mundo além! 
                    
                  Que importa que a fração dos ricos  brade 
                  Vendo que a antiga lei não se mantém? 
                  Hão de ruir as muralhas da Cidade, 
                  Que não há fortalezas contra o bem 
                    
                  Façam da ação dos subversivos crime, 
                  Persigam, matem, zombem... tudo em  vão... 
                  A ideia, perseguida, é mais sublime, 
                    
                  Pois nos rude ataques à opressão, 
                  A cada herói que morra ou desanime 
                  Dezenas de outros bravos surgirão. 
                    
                  OS  SERINGAIS 
                   
                    Longe, na vastidão do  Amazonas enorme, 
                      Crescem, fartas de seiva, as héveas colossais! 
                  Terra grande e ignorada, onde a  guariba dorme 
                    E uma raça de heróis percorre os seringais. 
                   
                    Florestas, rios! Sempre o verdor uniforme 
                    De matas e o fulgor de águas plenas e iguais... 
                    E ninguém que proteja essa terra e a transfore, 
                    Fazendo-a, terra sã, produzir muito mais. 
                   
                    Escravo da savana, infernado da Hileia, 
                    sem destino, sem pão, sem leis, sem lar, sem trato, 
                    Trabalha o seringueiro, estranho ao seu país. 
                  É o drama silencioso, a remota epopeia 
                    Do povo do sertão que, no Brasil ingrato, 
                    Vive desamparado, oprimido e infeliz. 
                    
                    
                  A  VIGÍLIA 
                    
                  Eu vigio; eu observo a luz da Treva! 
                    Eu quero penetrar-te, ó Lei da lei! 
                    Sou a aranha da Teia real, primeva... 
                  Fios da teia, um dia os quebrarei. 
                   
                    Vivo como os caídos filhos de Eva, 
                    Sem saber quando me levantarei... 
                    Mas confio na Roda que me eleva, 
                    Nas sete vidas do meu Agnus Dei. 
                    
                  Viajo o teu Corcel e afio a espora, 
  Ó Pensamento, ó grande domador! 
                    Quem não vigia, não vê tudo e ignora. 
                    
                  Dormir é a tentação o pecador... 
  Ó Treva, enche os meus olhos como agora! 
                    Não poder ver é toda a minha dor. 
                    
                    
                    
                    
                  
                  REZENDE,  Edgar.  O  Brasil que os poetas cantam.  2ª ed. revista e comentada.  Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos,  1958.  460 p.  15 x 23 cm. Capa dura.   Ex. bibl. Antonio Miranda  
                    
                    
                          LEMBRANÇAS 
                  IV 
                    
                  Riachão! Remiro o engenho hoje  parado  
                    E a casa grande junto à capelinha, 
                    O alambique, o curral, a água, o cercado,  
                    Quase tudo o que outrora me entretinha. 
                  Quase tudo! Não vejo mais o gado,  
                    O bambuzal, a casa de farinha...  
                    Não sinto agora o cheiro do melado;  
                    A bica d'água em vão corre sozinha. 
                  Foram-se cambiteiros, formas,  cana...  
                    Cresce o capim na antiga bagaceira;  
                    O Gongo mal nas pedras espadana. 
                  Ouço o rumor soturno da banheira 
                  E sinto a minha vida, a vida  humana, 
                  A fugir-me, a fugir-me, sem que  eu queira. 
                    
                    
                  V 
                  Mundaú! Eis a ponte de madeira  
                    E os pés de canafístula na estrada,  
                    O rio tardo, os mulungus à beira;  
                    Sob a ponte, morcegos em revoada. 
                    
                  Toda a várzea, ao cair da tarde,  cheira...  
                    Chiam carros ao longe... A casa amada  
                    Espera-me, e a igrejinha, sobranceira,  
                    Surge, branca, na luz que se degrada. 
                    
                  O cavalo vai sôfrego e eu  sonhando:  
                    A arapuca, os sanhaços, a almanjarra,  
                    Coisas de um tempo de nem sei mais quando. 
                    
                  Agora o pé de oiti, meu velho  amigo, 
                    Chorando, junto à usina a que se agarra, 
                    As horas idas que viveu comigo. 
                    
                                (“Sonetos”, 2ª. Série) 
                    
                    
  
                    
                    
                  POESÍA  ANARQUISTA 
                  Coordinación  de OMAR ARDILA 
                    
                  TEXTO  EN ESPAÑOL- TEXTO EM PORTUGUÊS 
                    
                  
                  ANTOLOGÍA  ANARQUISTA ... siglo XXI.  Selección, prólogo & reseñas de Omar Ardila.  Bogotá: Un Gato Negro Editores, 2013.    191 p. ‘     ISBN 978-958-46-24-89-5  Ex. bibl.  Antonio Miranda 
                    
                  EL  MERECIMIENTO 
                    
                  Tengo  callos en las manos y campos de maíz en el alma 
                  Siembro  y cosecho para mis hermanos 
                  Mi  premio es merecer en mi mano 
                  Ver  a todos con menos dudas y más saludables 
                    
                  Feliz  quien aunque a tientas exalta  
                    Las llagas de otros con piadosas manos 
                  Y        sacando de sí da fuerza y calma 
                  A  la inercia y el malestar de los hombres vanos. 
                    
                  En  medio de la subida eterna y ruda  
                    Bendito quien tiene brazo para levantar  
                    Gloria al que me levante por virtud!  
                    
                  E  infeliz el que viendo a alguien sufrir  
                    Pudiendo socorrerlo no lo ayude 
                  Y  pase, indiferente a su deber. 
                    
                    
                  O MERECIMENTO 
                  Tenho  calos nas mãos e searas na alma. 
                  Semeio  e colho para os meus irmãos. 
                  Meu  prêmio é merecer e minha palma 
                  Ver  todos menos dúbios e mais sãos. 
                    
                  Feliz  de quem, tateando embora, enxalma 
                  Chagas  alheias com piedosas mãos 
                  E,  tirando de si, dá força e calma 
                  A  inércia e ao mal estar dos homens vãos. 
                    
                  No  meio da subida eterna e rude, 
                  Bendito  o que tem braço para erguer, 
                  Glória  ao que me levante por virtude! 
                    
                  E  infeliz do que, vendo alguém sofrer, 
                  Podendo  socorrê-lo, não o ajude 
                  E  passe, indiferente ao seu dever. 
                    
                    
                  LA RONDA  HEROICA 
                    
                  Por  la santa anarquía - ideal humano -,  
                    Una vez más la cárcel traspasé... 
                  Yaquí  en éste cubículo tirano 
                  A  los míos doy mi perdón, como Jesús 
                    
                  Sé  que a través de mucho desengaño  
                    Nosotros ensangrentamos nuestra cruz 
                  Y  solos debemos transformarla año tras año  
                    Del leño infame a la antorcha que conduce 
                    
                  En  España, heroico, el estandarte anarquista 
                  Veo  en cada trinchera delinear 
                  Señalando  al mundo el rumbo de conquista! 
                    
                  Con  los ojos en él me postro a rezar 
                  Y  poco a poco va surgiendo ante mi vista  
                    La ronda de sus muertos a cantar! 
                    
                    
                  A RONDA HERÓICA  
                    
                  Pela  santa Anarquia – ideal humano –, 
                  Mais  uma vez, o cárcere transpus... 
                  E  aqui, neste cubículo tirano, 
                  Aos  meus dou meu perdão, como Jesus. 
                    
                  Sei  que, através de muito desengano, 
                  Temos  de ensanguentar a nossa cruz 
                  E  transformá-la, sós, ano após ano, 
                  De  lenho infame em tocha que conduz. 
                    
                  Na  Espanha, heroico, o lábaro anarquista 
                  Vejo,  em cada trincheira, trapejar... 
                  Aponta  ao mundo o rumo da conquista! 
                    
                  De  olhos nele, prosterno-me a rezar... 
                  E,  aos poucos, vai surgindo, à minha vista, 
                  A  ronda dos seus mortos a cantar! 
                    
                    
  
                    
                  Página publicada em  agosto de 2015; amplida e republicada em out. 2018. Ampliada em dezembro de 2019 
                   
 
                  
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