José Joaquim CORREA DE ALMEIDA
Nascido na então villa de Barbacena, Minas, a 4 de setembro de 1820 e ali fallecido a 6 de abril de 1905. Presbyíero secular, ordenado na cidade do Rio de Janeiro. Poeta, satyrico.
BIBLIOGRAFIA — Satyras, epigrammas, etc., Rio, 1854: Sonetos e sonetinhos. Rio, 1884 ; ídem, 2.° vol., Rio, 1887; Semsaborias métricas, 2 vols., Decrepitude metromaniaca, Rio, 1894; Produções da caducidade, Rio, 1896.
DEGENERAÇÂO
Dos homens de civismo a pura raça
No torrão brasileiro degenera ;
A uberdade tornou-se tão escassa,
Que o terreno parece que não gera.
Por mais irrigação que se lhe faça,
Os fructos já não ha, como os houvera ;
A lavoura de outr'ora hoje é fumaça,
Cultivada fazenda hoje é tapera.
A industria nacional é quasi nulla,
E é só de cavalheiro a que regula,
Consistindo nas trocas e baldrocas.
A terra, emfim, não é como era d'antes :
Depois de produzir muitos gigantes,
Produz agora lesmas e minhocas.
Extraído de SONETOS BRASILEIROS Século XVII – XX. Colletanea organisada por Laudelino Freire. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cie., 1913
ALMEIDA, José Joaquim Corrêa de. Satyras, epigramas e outras poesias pelo padre José Joaquim Corrêa de Almeida natural da cidade de Barbacena, provincia de Minas Gerais, oferecidas a seu mano a amigo Mariano Carlos deSouz Corrêa. Rio de Janeiro: Casa de Eduardo & Henrique Laemmert, 1858. 67 p. (Poesias do Padre Corrêa, Segundo Volume) 13x21 cm. Col. A.M. (OR)
EPIGRAMMA
Até no leito da morte
Está deitada a mentira;
Da cama do moribundo
Não se afasta, não se tira.
Perguntando-se ao doente
Então como tem passado ?
Suspende o gemido e falia:
Passo bem; muito obrigado.
MÁXIMAS E PENSAMENTOS.
— A mentira não é vicio,
Pois que outros vícios encobre;
Eis a máxima que segue
Hoje muita gente nobre.
A mentira é o galanteio
Da polida sociedade;
Por injuriosa alcunha
E' que a chamao falsidade.
E' um habito a mentira
Entre nós muito arraigado ;
Mente-se, não por mentir ,
Mas por 'star acostumado.
EPIGRAMMAS
As condecorações, títulos nobres,
Não produzem, apenas significão
O mérito daquelles que as recebem.
Se estás baldo em serviços e virtudes,
Nem da malacaxeta o brilho ou lustre,
Nem as variadas cores das missangas
Poderão dar-te aquillo que te falta.
*
Percorria um glotão certo jardim;
Vio flôres odoríferas, mimosas,
Não-me-deixes, anemolas e rosas,
Saudade, amor-perfeito e alvo jasmim.
Sabes o que elle achou melhor de tudo?
(Contestação não soÏÏra,
Porque fallo sisudo)
Foi a gorda alcachofra.
EPIGRAMMA
Quando enferma um potentado,
Quando enferma um estadista,
Seja o medico chamado,
E ao nobre doente assista.
Fique porém na certeza
Do conceito que o espera,
Se a força da natureza
Sobre_ a medicina impera.
Apenas fallece ou morre
A distincta creatura,
Logo e logo a fama corre
Proclamando o erro da cura.
EPIGRAMMA
Aprendião arithmetíca
O pródigo e o avarento;
Nas operações ou contas
Era diverso o talento.
Em repartir o primeiro
Muito habilitado fica;
Pelo contrario o segundo
Habilmente multiplica.
EPIGRAMMA
Onde estão esses homens eminentes
No saber, na virtude, e nos costumes ?
Esses varões sadios d'alma e corpo
Sumirão se do mundo!
E o que vemos? Rachiticos laponios,
Anões de pensamento e de estatura,
Enfermos d'alma e corpo.
Vai tudo a aniquilar-se e corromper-se!
Parece que definha a natureza;
Que o elephante degenera em rato,
E em sardinha a balêa volumosa!
Se a terra d'antes
Parlo gigantes,
Nestas épocas
Produz minhocas.
EPIGRAMMA
Não tem nada de notável,
Nada tem de cousa rara
Trazer o juiz por symb'lo
uma retorcida vara.
Se esta bem merece o epilheto
De flexível, dobradiça,
Pôde-se dizer o mesmo
A respeito da justiça.
PARABOLA
A CAPIVARA.
Faz residência na terra
E no rio a capivara;
Posição mais vantajosa
Certamente não achara.
Sobe a ribanceira e evita
As redes do pescador,
Ligeira mergulha e foge
Dos tiros do caçador.
. . . . .
Assim procede o político
Que os princípios não extrema;
Calculadamente segue
Da capivara o systema.
PARABOLA.
A TRANSFORMAÇÃO.
Conheço certo bichinho
De inconstância exemplo e norma,
E que sem razão plausível
Muda de figura e forma.
Quando reptil delicado,
Mimoso qual filagrana,
É de áurea cor brilhantíssima
E se chama taturana.
Quando volátil insecto
¿ Que pincel ou que palheta
De hábil pintor desenhara
O matiz da borboleta?
A tuturana dourada
É como ortiga que inflamma;
A garbosa borboleta
Vai pousar na immunda lama.
A politica desova
Muito bicho desta espécie;
— Tuturana ou borboleta —
Eis o nome que merece.
Se o tuturana político
É como ortiga que inflamma ,
Transformado em borboleta
Onde se assenta é na lama.
A política tem cores
Mui brilhantes todas ellas;
Tuturana ou borboleta
É bicho de cores bellas.
0 CAMALEÃO.
Um animal que os zoologistas chamão
Camaleão—tem a virtude physica
De apresentar cores diversas, varias
Cores conforme as emoções que soffre.
Agora azul, ou verde, ou pardo logo,
— Verde e amarello — ás vezes tem-se visto.
Dizem que o tal quadrúpede alimenta-se
De vento, e nada mais. Oh como é parco!
O camaleão
Quando desbota,
Faz como faz
O patriota,
Que quando muda
De opinião
Faz como faz
O camaleão.
O camaleão
É o patriota
Sem ambição.
Se de amor pátrio
Engorda e nutre,
É camaleão,
E não abutre.
Tanto é verdade ser o patriotismo
De nossos patriotas o alimento,
Quão certo sem auxilio de algarismo
Que o camaleão, não come senão: vento.
Página publicada em junho de 2009; ampliada e republicada em julho de 2012.
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