JOSÉ GUIMARÃES ALVES
Nasceu em Belo Horizonte no dia 24 de janeiro de 1910. Jornalista militante e poeta. Incluído na Antologia da Poesia Mineira – Fase Modernista, organizada por Alphonsus de Guimarães Filho, 1946. Ex. da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, doação de Aricy Curvello.
BALADA INCOMENSURÁVEL
Na noite gelada
Perdi meu irmão.
Olhei para a terra,
Para o céu e o vento:
Perdi meu irmão.
Estrelas luziam,
E as nuvens passavam,
E só, nessa noite,
Ninguém respondia
Perdi meu irmão.
Na noite gelada
Queria um abraço,
Um aperto de mão,
Um riso, um olhar,
Uma sombra que fosse
Pedaço ou lembrança
Da sombra excluída.
E muda era a terra
E calmo era o céu
E o vento cruel
Nem vozes levava
Nem vozes trazia
Não coube na noite
Tão grande, tão grande,
Sentença tão curta:
Perdi meu irmão.
(1934)
POEMA
Seremos formados em boiões de vidro cem por cento neutro
Que nos protegerão como úteros científicos
E assim flutuaremos em soluções a 37 graus centígrados
Até serem abertas as comportas da vida.
Receberemos números e letras de séries,
Revivescência inevitável de nomes e sobrenomes.
As raízes de nossa carne e de nossa mente
Serão fáceis de achar como um frio logarítimo.
Aprenderemos a vida com imperturbáveis olhos de célula
fotoelétrica
E com precisos ouvidos de afinação eletrônica.
Comeremos rações balanceadas em restaurantes padronizados.
Não teremos medo, não teremos ódio,
Seremos exatos e pontuais.
A multiplicação não será mais nenhum mistério
E nossos filhos, subcompostos e calculados sem tristezas
nem alegrias.
Morreremos quando o Ministério da Energia Social
Resolver que foi atingido o limite de nossa utilidade funcional.
Mas não duvido que na caixa onde guardarem nossas
cinzas de mortos
Mãos tímidas poderão ainda colocar flores de vidro asséptico
Num gesto cujo sentido ficou perdido nas eras.
(1945)
Página publicada em agosto de 2015
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