JOSÉ ELOI OTTONI
(1764-1851)
José ELOY OTTONI - Natural, da Villa do Principe, depois cidade do Serro, Minas, nascido a 1º de dezembro de 1764 e falecido na cidade do Rio de Janeiro a 3 de outubro de 1851. Professor de latim na cidade de Minas Novas, então Villa do Bom Sucesso, passando depois a oficial da secretaria de marinha na cidade do Rio de Janeiro. Deixou poesias avulsas, que figuram em várias seletas e coleções de poetas nacionais e portugueses.
MARÍLIA
Sonhei, Marília, que contigo estava,
Que o tenro Honório alegre me dizia :
Meu pai ! apenas este nome ouvia,
Suspenso nos meus braços o apertava.
Que a pequena Eduviges reparava
No meu semblante; como que sorria :
Que os braços amorosa me estendia
E que eu chorando as faces lhe beijava.
Antes, Marília, o sonho eu não tivera !
Nos braços da saudade despertara
Porém dor tão pungente não sofrera :
Sonhei, Marília, o que antes não sonhara,
Pois passando de um gozo ao que não era,
Sem filhos, sem Marília. não me achara.
Soneto
Portugueses! A nuvem tenebrosa
Qu’ofuscava a razão desaparece,
Desfez-se o caos que a discórdia tece:
Já se encara sem medo a luz formosa.
Dos erros a progênie maculosa
Baqueando em soluços estremece.
A justiça dos céus ao trono desce,
Marcando os faustos à nação briosa.
Lísia, berço de heróis, oh Lísia, alerta!
Cumpre que os ferros o Brasil arroje,
Seguindo o impulso que a razão desperta.
A expressão de terror desmaia e foge,
Graças à invicta mão que nos liberta,
Escravos ontem, sois Romanos hoje!
[Ó lágrimas, ó pérolgas!]
Ó lágrimas, ó pérolas1 A aurora
É menos pura do que vós sois belas,
Do sol do amor, ó úmidas estrelas,
Aljôfar da manhã, riso de Flora.
Ó faces de que Febo se namora
Quando meiga ternura acode a vê-las,
Se há graças devem ser somente aquelas
De uma alma ingênua que suspira e chora.
Nos olhos de Marília o pranto agrada,
Maviosa expressão de olhos serenos,
Dá glória aos numes, existência ao nada.
Ó lágrimas, ó pérolas, ao menos
Vós sois na mais serena madrugada
Intérpretes de amor, alma de Vênus!
O Livro de Jó (trechos)
Capítulo II
Contra Deus, contra Jô, de novo atenta
O inimigo da Luz, pseudo-profeta,
Que entre os coros dos Anjos se apresenta.
Pergunta-lhe o Senhor: - Não foi completa
A vitória de Jó? Consideraste
Como é firme a inocência, porque é reta?
-Em vão eu o afligi - : tu me incitaste.
As palavras de Deus Satã repele,
Dizendo: -Tu, Senhor, o excetuaste,
A mão eu pus em tudo, exceto nele;
Bem vês, que os homens por salvar a vida
Darão tudo o que têm, pele por pele.
Estende agora a mão, deixa que erguida
Toque-lhe a carne, aos ossos não perdoes,
Tu verás a inocência então perdida;
Inda espero, que Jó te amaldiçoe
Face a face. - Pois sofra, e não pereça;
Que o teu braço se estenda, e que magoe,
Eu to permito, vai. - Satã se apressa,
E a Jó ferindo, o deixa aberto em chaga
Desd’os pés até o alto da cabeça.
Jó no esterco raspando a imunda praga,
Depois que em podridão maligna escorre,
C’um pedaço de telha o corpo afaga.
Sua mulher, que o vê, mas não discorre,
-Perseveras, lhe diz, sem que te rales,
Louvando a mão de Deus? Pois louva, e morre.
Diz-lhe Jó: - Cumpre, ó louca, que te cales;
Se os bens da mão de Deus tu recebeste,
Porque não deve receber os males?
(...)
Capítulo VI
Oxalá, - disse Jó - que os meus pecados,
Objetos d’ira, e tudo que eu padeço,
Fossem como em balança bem pesados!
Ver-se-ia então pender com mais excesso,
Que as areias do mar, tormentos, dores,
Verdugo d’alma, da razão tropeço;
Tem os males na voz os condutores.
O Senhor ergue o braço, e me asseteia,
Combatem contra mim do Céu terrores.
Devoro a indignação, devoro a idéia
De meus males. No monte orneja o bruto,
Muge o boi, quando o pasto lhe escasseia.
Faltando o sal, é insípido o conduto;
Quem bebe, ou come, o que desgosta, e mata?
Eu fugia ao trovão, que agora escuto.
A amargura, se outrora me era ingrata,
Hoje a aflição é todo o meu sustento:
Que ansioso desejo me arrebata!
Quem me dera, Senhor, que o meu tormento,
Já que origem lhe deste, se acabasse,
Reduzindo-me ao pó, que espalha o vento!
Ou quem a meus rogos de furor se armasse
A mão qu’imploro, a mão, de quem o espero,
Como pela raiz me decepasse!
Aflige-me, Senhor, sê mais severo,
Que eu sem opor-me ao Santo por essência,
Que me acabes de dor, aspiro e quero;
Eis meus votos, Senhor. Que resistência,
Posso eu ter se não tenho fortaleza!
(...)
Capítulo XXXVII
Inquieto o coração no peito bate!...
De seu poder a idéia me horroriza!
Escuta o som terrível do combate!...
Eis a voz do trovão, que se desliza,
Sai da boca de Deus. Grandes da terra,
Ouvi, tremei... Se o eco atemoriza,
Que horror não vem do raio, que ele encerra!
Tubo abaixo do Céu, ele examina,
Do relâmpago a luza desfaz, desterra
As sombras do Universo. Ele domina
Sobre a voz da grandeza; trovejando
Após Ele o terror, e o eco ensina
O ruído da voz. De quando em quando
Ele soa e ninguém a compreende.
O ribombo das serras atroando,
Maravilhas de Deus o eco aprende,
Que Ele é grande, insondável, reconhece.
Manda a neve que tombe, ela se estende
Sobre os campos; a chuva lhe obedece;
Desprende aluviões, põe selo a tudo;
E o malvado a si mesmo se envilece;
Tudo à voz da tormenta é quedo, e mudo.
Sopra o vento do Arcturo enregelado;
Busca ao frio o calor, ao medo escudo
A fera no covil. É gelo o prado,
A um assopro de Deus a fonte é gelo;
Que de frio em torrentes derramado
Se derrete e desfaz. Na espiga o grelo
Da seara co’as nuvens alegrando
Reparte ao camponês co’a luz desvelo.
As nuvens tudo em torno alumiando
A vontade lh’espreitam e obedecem.
Um leve aceno seu aproveitando,
Sobre a terra, que é sua, as nuvens descem.
Seja tribo estrangeira, em qualquer parte
De seu gosto e vontade, se esclarecem.
Ouve, Jó, maravilhas, que reparte
A mão do Onipotente, considera
Contigo mesmo... E pode tu dest’arte
Sabe o que em si mesmo Ele pondera,
Quando à chuva mandou que descobrisse
De seus raios a luz que aparecera?
Porventura houve mão que dirigisse
Das nuvens a vereda? Ou regulando
A sua inteligência ao menos visse
O grau da perfeição? Calor mais brando
Ou mais forte o vestido não te aquece,
Do meio-dia os ventos assoprando?
Provérbios de Salomão (trechos)
12.
Eu sou a sabedoria
Que delibero em conselho;
Assisto aos judiciosos,
Tanto ao moço como ao velho.
15
É por mim que os reis imperam
Nos corações por amor;
As minhas leis é que formam
O sábio legislador.
18
Os tesouros da abundância
Pelo meu braço se entornam,
Riquezas, glória, justiça,
Magnificência me adornam.
21
Nos caminhos da eqüidade,
Nas veredas da prudência.
Com quem me ama eu reparto
Além do amor, opulência.
22
Na mente eterna incriada
O Senhor me possuía;
Antes de haver criatura
Eu já coeterna existia.
26
No globo o caos ainda
Não mostrava o que ele encerra,
Nem dos rios a corrente,
Nem os dois pólos da terra.
27
Quando ao autor do firmamento
Aos abismos prescrevia
Certas leis, a tudo estava
Presente a sabedoria.
Página publicada em junho de 2009 |