JOAQUIM PALMEIRA
Quem é Joaquim Palmeira? Um pseudônimo? Um heterônimo? O responsável pelo mistério é o poeta e performer Wilmar Silva, que nos entregou um exemplar da 2ª edição de ”Estilhaços no Lago de Púrpura” (Belo Horizonte: Anome Livros, 2007), em edição primorosa (ver a capa que ilustra esta página, acima). É apresentado como tendo nascido a 30 de abril de 1965, nos cerrados do Rio Paranaíba... E com uma obra poética que já invadiu livrarias e sites na internete. Seguem os três primeiros poemas do livro citado (escritos em estado de êxtase, conforme confessa o autor em dedicatória).
1.
eu quebrado por você sou estilhaços no lago de púrpura/
lá entre nós e calos, sou esta enxurrada que invade
eu/ aquele que vem com faunos de flautas e flechas
sou o mesmo wilmar silva de mil diamantes nos olhos
e mesmo que haja asas de arribação na mira da boca:
o que faço com esta língua na mina de sangue/
vem agora um ouriço com vestígio de godiva,
e/sou este cavalo com escamas nas crinas
e cascalho para cavalgar um corpo distante/
mais que esta noite com centelhas de semens
que nascem entre meus dedos de sonhos/ eu
2.
/ eu que venho com um ramalhete de espinhos na carne
derramo lâminas e facas nos olhos dos pés.
ainda sim/ serro um pássaro/ de asas nos braços
coiote eu/ eu hiena nascer de um rio sem margem.
piscoso envenenado de tanto mergulhar na terra
eu perdido no escuro da madrugada atrás de você
um ermo eu: uma ave ferida no ermo eu:
apenas um caçador alcança a lontra no dorso
sou eu este que vem armado de flechas e dardos/
para uma flecha presa no umbigo a minha língua
para um dardo derretido na virilha a boca de beijos
3.
esta boca de onde nascem feros e falos/ e lábios
que cortam os rumos da cintura, púbis, pênis,
mais que lançar minhas coxas e meu pescoço/ sonho
caçar as mulas que habitam pântanos nas orelhas
para dizer um potro de pedra mais que medra
é todo campo que rumina nos campos do abandono:
longe um lobo eu no escuro/ um lobo eu faminto
distante, mais distante que a distância de nós,
mesmo com um rio com mil poços e mil peixes
sou este que brame no desespero de cigarra
um grito com aquele cricri e depois/ pára
ATO – REVISTA DE LITERATURA. NO. 6. Belo Horizonte: Gráfica e Editora O Lutador, janeiro de 2009. Editores: Camilo Lara, Rogério Barbosa da Silva e Wagner Moreira. 21,5 X 52 cm. 52 p.
No. 10 767. Exemplar na biblioteca de Antonio Miranda
4.
é meu este lago onde seu todo emaranhado/
aí meu dimas de onde vem este animal felino
que contém púrpura nos olhos da boca/
mais que uma boca de arames e passarinhos
é minha esta boca que nunca hei de beijar
mais que aromas nos cabelos/ eu gambá
sou este almíscar que fenece nos poemas
que jamais direi romãs no meio da noite/ eu
que herdei cercas e preciso de arados/
sou este ardil de saberes e lontras: eu
todo nu tenho um sabre na lontra que sou eu
12.
visgo letal esta chama que exaure meu caule
eu com vinte marimbondo ávidos nos dedos
e mais um marimbondo de azinhavre no pênis
e mais mil e um marimbondos presos no meu umbigo,
sou esta vespa que transpassa tuas costas
com uma listra de zebra para ferir os liames
mais aziagos que meu rastro de jacu atinge/
mas como entorpecer as raízes de suas palavras
e dizer que você é este fogo que me entranha/
coágulo entre paus e pic-paus na vargem de mim
27.
e que ópio terrível é este que me entorpece/
sou torpe como ramagens que fenecem na aridez
dos cerrados onde as árvores foram arrancadas
e sobram galhos, folhas, ninhos, piar, juritis,
passarinhos de sabre com asas aziagas, eu sou
esta terra com toda a fome e toda a sede/ eu
um silvo, um piar, um passarinho, um nada, só
eu sei que sou este wilmar silva com os campos
e suas margens em estado virgem para as roças/
vem você agora com este canto de ema arisca
e faz cantigas que me alucinam nesta noite/
30.
quem é você que diz lançar meu corpo sem alma
neste lago de púrpura onde sou esta imitação
de um deus, um xamã, um poeta mais desesperado
que o desespero que espera por você e diz seu
nome no meio da noite que me atravessa inteiro
e sou este que apavorado é mais que um abandono/
sou este verde que hei de queimar seu corpo/ eu
com você preso em meu ser hei de fazer um bosque
que apazigue meu amor e mesmo que você diga rubis
sou esta fonte d´água com as íris, retinas e olhos
sempre ávidos/ eu wilmar silva, ávido por você/
Joaquim Palmeira
In Estilhaços no lago de púrpura.
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ATO – REVISTA DE LITERATURA. NO. 6. Belo Horizonte: Gráfica e Editora O Lutador, janeiro de 2009. Editores: Camilo Lara, Rogério Barbosa da Silva e Wagner Moreira. 21,5 X 52 cm. 52 p.
No. 10 767. Exemplar na biblioteca de Antonio Miranda
4.
é meu este lago onde seu todo emaranhado/
aí meu dimas de onde vem este animal felino
que contém púrpura nos olhos da boca/
mais que uma boca de arames e passarinhos
é minha esta boca que nunca hei de beijar
mais que aromas nos cabelos/ eu gambá
sou este almíscar que fenece nos poemas
que jamais direi romãs no meio da noite/ eu
que herdei cercas e preciso de arados/
sou este ardil de saberes e lontras: eu
todo nu tenho um sabre na lontra que sou eu
12.
visgo letal esta chama que exaure meu caule
eu com vinte marimbondo ávidos nos dedos
e mais um marimbondo de azinhavre no pênis
e mais mil e um marimbondos presos no meu umbigo,
sou esta vespa que transpassa tuas costas
com uma listra de zebra para ferir os liames
mais aziagos que meu rastro de jacu atinge/
mas como entorpecer as raízes de suas palavras
e dizer que você é este fogo que me entranha/
coágulo entre paus e pic-paus na vargem de mim
27.
e que ópio terrível é este que me entorpece/
sou torpe como ramagens que fenecem na aridez
dos cerrados onde as árvores foram arrancadas
e sobram galhos, folhas, ninhos, piar, juritis,
passarinhos de sabre com asas aziagas, eu sou
esta terra com toda a fome e toda a sede/ eu
um silvo, um piar, um passarinho, um nada, só
eu sei que sou este wilmar silva com os campos
e suas margens em estado virgem para as roças/
vem você agora com este canto de ema arisca
e faz cantigas que me alucinam nesta noite/
30.
quem é você que diz lançar meu corpo sem alma
neste lago de púrpura onde sou esta imitação
de um deus, um xamã, um poeta mais desesperado
que o desespero que espera por você e diz seu
nome no meio da noite que me atravessa inteiro
e sou este que apavorado é mais que um abandono/
sou este verde que hei de queimar seu corpo/ eu
com você preso em meu ser hei de fazer um bosque
que apazigue meu amor e mesmo que você diga rubis
sou esta fonte d´água com as íris, retinas e olhos
sempre ávidos/ eu wilmar silva, ávido por você/
Joaquim Palmeira
In Estilhaços no lago de púrpura.
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Página ampliada em julho de 2024.
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Página ampliada em julho de 2024.
Página publicada em janeiro de 2009
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