JOÃO RABIÇO
RABISCOS DO RABIÇO
João Rabiço, o João da Fazendinha, poeta popular de Oliveira, MG, é aposentado da Rede Ferroviária Federal e produtor rural. Tem um jeito bíblico e paciente, sábio e catrumano, mineiríssimo, de ótimo caráter, prestativo e solidário ao extremo. Nascido em 1937, fez apenas o primário mas tem grandeza acadêmica. É um genuíno representante da estirpe popular da poesia crítica produzida no país.
Ao afrontar, de modo comedido, as convenções, Rabiço imprime à sua poesia o que Natália Correia detectou no serventes provençal – a livre manifestação das idéias, colaborando para a dessacralização da poesia, atividade que, além de lúdica, faz sentido enquanto põe em xeque e em choque a consciência fatigada do homem para restabelecê-lo em situação de lucidez perante o mundo.
“Busco no meu dia a dia, nos acontecimentos, nos casos que as pessoas contam, transformando-os em poemas”, destaca o poeta. “Sátira é uma forma discreta de se fazer crítica. Humor é a graça natural. Ironia é figura de estilo, e, às vezes, quer dizer zombaria, mordacidade”, conceitua de modo simples o seu simples versejar que toca profundamente as pessoas.
Para João Rabiço, “poesia popular é o que, escrito com a linguagem que fazemos uso no cotidiano, se identifica com o povo. A poesia popular focaliza bem os detalhes, e isso gera crítica ao errado, ao pitoresco, ao engraçado.”
É autor de “Rabiscos do Rabiço”, pelo Movimento de Resgate do Autor Inédito e Anônimo de Oliveira, e de “Poesias de João Rabiço”. Confira a seguir a lavra de Rabiço. Márcio Almeida
RABIÇO, João. Poesias de João Rabiço. Oliveira, MG: Edição do autor, 2008. 147 p. 15,5x23 cm. “ João Rabiço “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Último encontro
Marquei aquele encontro
numa arredia esquina.
Chegou a hora, pronto!
Esperei “aquela” mina.
Parei logo o carro,
o tempo passava,
eu só preocupado,
e ela não chegava.
Saí revoltado,
segui então em frente,
achei, deslumbrado,
um broto sorridente.
Quis lhe dar uma carona,
Ela aceitou,
abri logo a porta,
ela logo entrou.
O povo me olhando,
eu nem percebi
que estava enganado
por um travesti.
O paquerador
Eu sou bom paquerador,
não brinco mesmo em serviço.
Paquero só com amor
mulheres sem compromisso.
Considero o fofoqueiro
um safado, um bandido,
e por eu ser sigiloso
sempre fui o preferido.
Às vezes me aparece
u´a dama comprometida,
por ela eu subo, e ela desce,
pro serviço eu, e ela, servida.
Sou um cara aventureiro,
topo qualquer parada,
como manso ou ligeiro,
respeito mulher casada.
Se é mulher solteira,
pode deixar – sou diabo!
mas se é casamenteira,
salto fora, que é rabo!
Co´a chegada dos anos
então mudei de vida,
agora eu me assanho
só com mulher traída.
Os direitos são iguais,
faço a vez do marido,
do jeito que ele trai,
merece ser traído.
Beija-flor conquistador
Vou contar uma história
do famoso Beija-Flor,
toda ave depenava
e com ela fazia amor.
ele já estava manjado
e a revoada tramando
armadilha pro tarado
entre pios foi preparando.
Tudo tem seu dia certo,
Não foi preciso vingança.
As aves fizeram um cerco,
Beija-Flor entrou na dança.
Ele foi todo saliente
Pra cima de um tapume.
Pegou foi um cigarro quente
julgando ser vagalume.
Logo veio o seu fracasso,
foi por terra a valentia,
as aves deram um abraço
e o Beija-Flor só ardia.
Com a classe aventureira
Isso sempre acontece.
Quem vai sem eira nem beira
ganha só o que merece.
Caninana
Tem sogra que é daquelas,
só fala da vida alheia,
para si fecha a tramela,
pros outros faz cara feia.
O que passa com as pessoas,
ela fica pescoçando,
depois junta gente à toa
para ficar fofocando.
Seu negócio é pôr defeito,
seu veneno é uma festa,
nela tudo é perfeito,
mas todos sabem: não presta.
Quando um dia ela morrer
será uma grande lição:
na caixa o corpo a feder
e a língua no caminhão.
Filho de mãe solteira
Sou filho de mãe solteira,
Por um casal fui adotado.
A minha mãe verdadeira
me deixou abandonado.
Com sacrifício formei
na missão de medicina.
Para o interior me mudei,
Fui cumprir a minha sina.
A todos os meus clientes
dedico inteiro carinho.
Atendo ao afortunado
por igual ao pobrezinho.
Apareceu uma senhora
me pedindo a chorar,
um tratamento ela implora,
mas não podia pagar.
Cumprindo então meu dever
Atendi na mesma hora,
toda assistência fiz ter
aquela humilde senhora.
Perguntei quem era ela,
que respondeu comovida,
contou que tivera um filho,
e saiu pro mundo, perdida.
Ao mostrar o documento,
não contive e alegria,
soube então em tal momento:
era a mãe que tive um dia.
O Pantanal está chorando
e não são os crocodilos
O Pantanal está chorando,
o povo já tem a certeza:
há uma grande destruição
do ventre da mãe natureza.
Por isso sofre o mundo inteiro
conseqüência tão pavorosa.
Deserto onde era só canteiro,
progresso de mãos criminosas.
Deviam melhor pensar um pouco
essas pessoas vis e ingratas.
Destruir é coisa só de loucos,
o ar, os rios, a fauna e as matas.
Que Deus ilumine a cabeça
dos predadores brasileiros,
antes que mal pior aconteça,
pondo em risco o mundo inteiro.
Como se explica, Tião?
Sebastião me reclamou
que teve uma decepção:
ele e a mulher são brancos,
o filho – preto carvão.
A esposa então lhe contou,
acredite se quiser,
que na gravidez aguou:
- Você me negou café!
Sua mãe também falou:
- Você tem cabeça fraca!
Tá chifrado, nem notou!
- Não comi carne de vaca.
Os colegas lhe disseram:
- Não tenha preocupação.
Estamos entre mulheres
Na mesma situação.
Compadeço do casal,
nem vou chamá-lo de burro.
São tico-ticos de quintal
criando alheio curro-curro.
Saudosa tapera
Ainda existe uma tapera
lá na beira da estrada.
Foi lá que nasceu, deveras,
a primeira namorada.
Ela em busca de um emprego
tão jovem foi pra cidade,
para não pedir arrego
trabalhou com habilidade.
O patrão lhe fez proposta
pra chefiar o serviço:
- Quer sair logo da josta?
Vamos firmar compromisso,
para fazer hora extra
duas vezes por semana.
Você lucra e fica destra
Com o expediente de cama.
Mas Deus, que é sempre justo,
deu a ela Sua proteção.
Livrou-a do “extra” e do susto
de cair na perdição.
Ela percebeu a tirania,
Cascou fora da armadilha:
- O senhor que dê um dia
essa chance a sua filha.
Endereço: Caixa Postal 39 – 35540-000 – Oliveira/MG- rabicojoao@ig.bom.br
Página publicada em fevereiro de 2008
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