JOÃO JULIO DOS SANTOS
(1844-1872)
Poeta romântico. Mulato e pobre, nasceu em Diamantina, em 1844. Além de poemas românticos, escreveu obras de crítica social de inspiração socialista dirigidas principalmente contra as autoridades públicas e os costumes da sua época. Alcoólatra, faleceu em Diamantina em 1872 com apenas 28 anos.
OLIVEIRA, Alberto de. Página de ouro da poesia brasileira. Rio de Janeiro: Livrria Garnier, 1929? 419 p. 11,5x18 cm. capa dura. Impresso em Paris por Imp. P. Dupont. “ Alberto de Oliveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
(com atualização ortográfica:)
AS ESTRELAS
As estrelas são urnas diamantinas,
Vertendo à noite borbotões de luz,
Facha de perlas no cerúleo manto
Que fulgido reluz.
São conchas de ouro desse mar de nuvens
Que se perde nas orlas do infinito;
— Letras de fogo de um poema ignoto
No firmamento escrito.
Epitáfio de túmulo, onde dorme
O segredo da vida, oculto em véus,
Lema sombrio burilado em chamas
Pelo dedo de Deus.
Talvez são turmas de anjos sobre nuvens,
O infortúnio dos homens pranteando
Em lágrimas de orvalho, que dos ares
Vai frio gotejando.
Ou talvez um colar de imensas pérolas
Dos dois polos atado nos extremos,
Prendendo o manto azul brilhante em chamas,
De um céu que nós não vemos.
E quem sabe? Talvez são gotas límpidas
De cataratas puras, cristalinas,
Rolando em mar de luz entre montanhas
De nuvens argentinas.
Oh! quem dissera um dia a nota aérea
De incessante harmonia dos planetas,
Decifrar o mistério do infinito,
Transpondo as suas metas?
Por mais que o home seu olhar afunde
Na imensidão do céu, no ermo espaço,
Nunca pode a razão mesquinha e fraca
Quebrar seu férreo laço.
Apenas seu olhar, cansado e trêmulo,
Pode insano fitar a terra e os céus,
E ler nesse poema de mistérios
O nome de seu Deus.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Revista semestral de poesia. Ano 8 Numero 13 Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional. Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 2000. Editor executivo: Ivan Junqueira.
À morte de um amigo
Conviva apenas de um dia
No festim da mocidade,
Prostrou-o na campa fria
Treda morte sem piedade.
Ah! ver, súbito, apagar-se
Da aurora o arrebol ardente,
E no céu azul mudar-se
A luz em treva silente;
Ver a flor, cheia de seiva,
Da primavera no meio,
Pender murcha sobre a leiva,
Morto o fruto no seu seio;
Ver, de um golpe, mocidade,
Sonhos, crenças no futuro,
Desfolhados sem piedade
Da campa no fundo escuro,
É dor atroz, que nos leva
De tormento após tormento;
Da descrença a espessa treva
Desce então ao pensamento.
Porém, não! À noite escura
Desta existência de dores
Sucede a aurora mais pura
De um sol de eternos fulgores!
Página publicada em julho de 2015. ampliada e republicada em junho de 2018.
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