JOÃO GUIMARÃES ROSA
(1908-1967)
Grande renovador da prosa de ficção, João Guimarães Rosa marcou profundamente a literatura brasileira. Nascido na cidade de Cordisburgo (MG), formou-se em Medicina na cidade de Belo Horizonte (1930). Após clinicar algum tempo nos confins do Estado mineiro, onde aprendeu os segredos e as falas do sertão que marcariam sua obra, entrou para a carreira diplomática (1934), indo servir em Hamburgo, Baden-Baden, Lisboa, Bogotá e Paris. Dividido entre a literatura e a carreira diplomática, fez longas viagens pelo interior de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Bahia, anotando os maneirismos de fala de jagunços, vaqueiros, prostitutas e beatas colhidos em conversas. Assim revolucionou a prosa brasileira e foi aclamado pelo público e pelos críticos ao escrever seu primeiro livro de contos: Sagarana (1946).
Combinando o erudito com o arcaico e com as expressões populares, transformou a semântica, subverteu a sintaxe e apresentou ao leitor quase um novo idioma para contar as histórias da gente do sertão. Mais tarde publicou Corpo de Baile (1956), um conjunto de sete novelas, e o livro mais polêmico da literatura brasileira do século XX – Grande Sertão: Veredas (1956). Na construção da personagem principal (Riobaldo), fundiu o cotidiano com o requintado, o regional com o erudito, o folclore com a cultura livresca, o real com o fantástico e superou o regionalimo ao compor, numa narrativa épica/mítica, a própria condição humana. Ainda vieram Primeiras Histórias (1962), reunindo 21 contos curtos, e Tutaméia (1967), conjunto de 40 contos. Faleceu no Rio de Janeiro, três dias depois de tomar posse na Academia Brasileira de Letras. Posse esta que sempre adiara, temendo a emoção de vestir o fardão da Academia. Fonte: http://biografias.netsaber.com.br
Os poemas foram selecionados do primeiro livro do autor – Magma –, escrito em 1936 e editado em 1997, pela Ed. Nova Fronteira, no Rio de Janeiro.
EM ALEMÃO – DEUTSCHLAND
TEXT IN ENGLISH
ROSA, João Guimarães. Magma. Desenhos de Poty. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 146 p. 13x19 cm dobradas “ João Guimarães Rosa “ Ex. bibl. Antonio Miranda
MADRIGAL
No tronco do jequitibá,
que estavas abraçando,
colando-lhe o corpo, do rostinho aos pés,
vejo os arranhões fundo,
onde o canguçu, quase de pé,
afia as garras,
e, mais embaixo, a casca estraçalhada,
onde os caititus vêm acerar os dentes...
ALARANJADO
No campo seco, a crepitar em brasas,
dançar as últimas chamas da queimada,
tão quente que o sol pende no ocaso,
bicado,
pelos sanhaços das nuvens,
para cair, redondo e pesado,
como uma tengerina temporã madura...
HAI-KAIS
Foto> caminhosderosa.com.br
IMENSIDÃO
Cheiro salgado
de um cavalo suado.
Quem galopa no mar?...
ROMANCE-I
No cinzeiro cheio
de cigarros fumados,
os restos de uma carta...
ROMANCE II
Bem na frente
de um retrato empoeirado,
uma aliança esquecida...
EGOÍSMO
Se fosse só eu
a chorar de amor,
sorriria...
MUNDO PEQUENO
O albatroz prepara
breve passeio
de Pólo a Pólo...
INFINITO
Ó múmia longa,
ante os teus séculos,
eu durmo ainda...
EVOCAÇÃO
Lagosta púrpura:
uma galera a remos
conduzindo um César...
TURISMO SENTIMENTAL
Viajei toda a Ásia
ao alisar o dorso
da minha gata angorá...
TURBULÊNCIA
O vento experimenta
o que irá fazer
com sua liberdade...
Foto> caminhosderosa.com.br
GARGALHADA
Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias...
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo...
CONSCIÊNCIA CÓSMICA
Já não é preciso de rir.
Os dedos longos do medo
largaram minha fronte.
E as vagas do sofrimento me arrastaram
para o centro remoinho da grande força,
que agora flui, feroz, dentro e fora de mim...
Já não tenho medo de escalar os cimos
onde o ar limpo e fino pesa para fora,
e nem de deixar escorrer a força dos meus músculos,
e deitar-me na lama, o pensamento opiado...
Deixo que o inevitável dance, ao meu redor,
a dança das espadas de todos os momentos.
E deveria rir, se me restasse o riso,
das tormentas que pouparam as furnas da minha alma,
dos desastres que erraram o alvo de meu corpo...
ROSA, João Guimarães. Zoo. Sel. e org. Luiz Raul Machado, ilus. Roger Mello. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. capa e folhas dobradas “ João Guimarães Rosa “ Ex. bibl. Antonio Miranda
EM ALEMÃO – DEUTSCHLAND
Der Garten
("O Jardim")
Wenn ein Menschen-Schatten naht,
fliehen Vögel und Schmetterlinge;
und die sich öffnende Blume
und das verwelke Blatt
warten beide besorgt ab,
bis sich im Sandstaub des Wegs
der Nachhall seiner Schritte verliert.
Übertragen von Tobias Burghardt
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A CIGARRA – Revista Literária. ANO 16 – No. 33 – agosto 1998. Santo André, SP. p. 20:
Imagem extraída de
DIAS-PINO, Wlademir. A lisa escolha do carinho (Rio de Janeiro: Edição Europa, s.d.
20,5x20,5 cm. 33 f. ilustradas (Coleção Enciclopédia Visual). Inclui versos de
poetas brasileiros
TEXTO EM PORTUGUÊS - TEXT IN ENGLISH
ROSA, João Guimarães. O burro e o boi no presépio. – The ass and the ox in the nativity scene. Rio de Janeiro: Salamandra Consultoria Editorial S/A, 1983. 71 p. 21 x 28 cm. Editor Geraldo Jordão Pereira. Projeto gráfico: João de Souza Leite. Versão do poema pra o inglês: Englidh version of the poema: Aila de Oliveira Gomes. Apoio: Andrade Guitierrez. Capa dura. Ex. bibl. Antonio Miranda
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X
Gaudet asinus et bos...
Boi que atende e começa a esperar,
de sua sombra,
do espesso que terá
de ser iluminado.
Ao plano e inefável
o Burrinho se curva,
numa inocência de forma.
Multitudo militiae coelestis.
Revoavam através do nada invulneráveis anjos.
*
Gaudet asinus et bos...
Ox watching to wait,
from his shadow,
from the opacity that will surely
be brightened.
The little Ass bows
to the plain na innocence or form...
Multitudo militiae coelestis.
Invulnerable angels soaring about through nothingness.
XIX
De longe,
o que é menos primitivo animal
e nobre e tristonho:
os rostos,
os cenhos.
Buscam
o bebê
nenê
o
em nós
mais menininho.
*
By far
that which is the least primitive animal
and is noble and pensive:
the faces,
the brows.
They are in quest
of the
Infant
the Babe —
of that something
in ourselves
most like a little child.
Página ampliada e republicada em março de 2015. Ampliada em dezembro de 2017; página ampliada em junho de 2018. Ampliada em setembro de 2019
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