Foto e biografia: http://www.letras.ufmg.br/
JAMU MINKA
(pseudônimo de JOSÉ CARLOS DE ANDRADE)
natural de Varginha - MG, desde jovem reside em São Paulo. Jornalista, formado pela ECA-USP, conquistou uma consciência positiva de sua ancestralidade africana ao se interessar pelas idéias e mobilizações que fortaleciam populações negras do mundo, como as guerras de libertação africanas e o Movimento Black Power.
A partir de então, participou de projetos político-culturais que agitavam a juventude afro-paulistana na década de 1970. Escreveu nos jornais Árvore das Palavras, Versus, Afro-Latino-América e Jornegro. Militou no CECAN - Centro de Cultura e Arte Negra - e no Quilombhoje. Integrou o grupo que traz a público em 1978 o primeiro número da série Cadernos Negros.
De: Cadernos negros 15, 1992.
Papel de preto
Eu me pretendo inteiro
não papel carbono da branquice imposta
na entrada, no meio, na saída
sou traço
letra, sílaba, verso
vírgula, título e talento
pingando pretume vivo
no papel de branco
dos livros-latifúndios dò Brasil
De: Cadernos negros 19, 1996.
Racismo cordial
A negromestiça que não se gosta
se gasta em ânsias
alisamentos
talvez na infância
só boneca branca
Negros que se negam
anestesia nos nervos
Brasil banal
Mestiço que se mente
disfarça a tez
desfaçatez com o escuro primordial.
De: Cadernos negros: os melhores poemas, 1998.
Raça &c classe
Nossa pele teve maldição de raça
e exploração de classe
duas faces da mesma diáspora e desgraça
Nossa dor fez pacto antigo com todas as estradas do mundo
e cobre o corpo fechado e sem medo do sol
Nossa raça traz o selo dos sóis e luas dos séculos
a pele é mapa de pesadelos oceânicos
e orgulhosa moldura de cicatrizes quilombolas.
In: Cadernos Negros 25, 2002.
Escurecendo
Corre-corre de quase noite
o burrinho do metrô envolve tudo
e não impede sensual balé de dedos
na barbicha do namorado negro
a bela mulata esquece o dia vira Oxum cheia de dengos
meus pensamentos fotografam um Brasil
real tão fora de nossas telas que parece filme
from USA
sob peles pretas,
identidades e vidas se multiplicam
é nosso amor sendo guerrilha
contrariando ficções e mídias da dominação
daqui
que vende a mistura conveniente aos negócios
da brancura.
CADERNOS NEGROS. Volume 23. Poemas Afro-Brasileiros. Organizadores: Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. Capa: Foto J.C. Santos. São Paulo: Quilombhoje, 2000. 120 p. 14 x 21 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
Adiantamos aqui três poemas:
I M P O S T U R A
O Brasil do invasor que nos pariu
não é página virgem
o domínio inquestionável da brancura
nosso história, foda
não contos de fada
dedos de trapaça desenham opressão
e seus disfarces
Brancura tatuada em nós pode ser
berço de loucura
que se cura
na crioulação escrita
da vida em luta
com as foices da impostura.
L U Z P R Ó P R I A
Incapacidade nossa é engodo
não engulo
reinvento-me
ferro a ferro que nos ferrava
no espelho, agora, talento e tranças
Minha bíblia tem mestres de pele escura
Biko inspira e dá luz própria
não nos serve a servidão
Ei, Nzinga; ei, Nzambi, abençoai mandinga
se há miséria, haja quilombo
e quizomba pra saudar Mandela
lembrar Martin, Malcolm, Machel, Marley,.
Barreto,
Gama, Gandhi,
Neto,
Tambo
e todas as letras do alfabeto
de nossas libertações.
E S P I C H A I M
Desejo ardente, a cara
a coroa, inveja
a gestação do trauma
o extremo oposto de detestar-se
branquificar-se
o alvo absoluto daquela ânsia negromestiça
mesmo agora, tempo de intensas tranças
e belezas afro
Vale tudo
posturas postiças
e o vício compulsivo de cabelos henecrescidos.
Página publicada em fevereiro de 2020; Página ampliadas em setembro de 2020
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