JACKSON DRUMMOND ZUIM
Jackson Drummond Zuim, ou simplesmente Zuim para os íntimos, nasceu em Caxambu, MG, em 1950. Mudou-se para Belo Horizonte em 1964, cursando o ginásio e o científico no Colégio Estadual Central. Na época, ganhou o concurso de contos deste colégio.
Em seguida, entrou para a Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sendo premiado na categoria contos pela Revista Literária da UFMG. Ao mesmo tempo, dedicou-se à música, tendo sido um dos pioneiros da flauta doce em Belo Horizonte. Também fez música coral, ressaltando uma passagem de três anos pelo Ars Nova. Cursou Comunicação Social, Publicidade e Propaganda na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Exerceu a profissão de publicitário, primeiro como redator e depois como diretor de criação, desde 1977 até o seu falecimento em 2011. Casou-se, em 1982, com Regina Maria Nardi Drummond. Tem dois filhos: Júlio Nardi Drummond e Fernando Nardi Drummond.
Sempre gostou de escrever, mas se considera um bissexto, não um poeta, uma vez que escreve apenas ocasionalmente, não se dedicando de alma inteira à poesia.
ZUIM, Jackson Drummond. Sentimento de Minas. Ilustrações de Fausto Prats. Seleção e organização de Laura Louise Richardson França. Projeto gráfico e capa: Sebastião Nunes. Sabará, MG: Dubolsinho, 2019. 164 p. ilus. 15 x 22 cm. ISBN 978-85-8109-136-5 Ex. bibl. Antonio Miranda. (Exemplar enviado por
"In the Country of the Houyhnhnms”
A João Cabral de Melo Neto
Não se fala dos Yahoos
com palavras de poesia.
Tampouco deles se fala
com a fala das esquinas,
nem se dão a conhecer
pelo metro ou pela rima.
Fala-se deles, somente c
om a boca ácida e os dentes
que escondem em sua caixa
o sono imóvel da língua.
Fala-se deles com a dura
inflexão das retinas
que desconhecem outra fala
senão aquela precisa
linguagem de gume e ponta
guardada no olhar-bainha.
Fala-se deles com o peso
da bala-dente, que inclina
aguda, de um lado o corpo
mordendo fundo sua vida.
Mais - deles se sabe, apenas,
pela colheita e plantio:
a lavra de cruzes brancas
ne a sementeira de cinzas.
Hai-kai
Folhas vadias de outono
O vento valsa com elas, douradas, amarelas.
No fim do baile, o longo sono.
Noturno dos becos
O dorso do morro recorta a noite
como um lobisomem cansado. Por detrás,
assoma a chaga imensa da lua
obesa feito cadela grávida.
De seu útero, ela derrama ouro e sangue
sobre o casario miserável da favela.
A prata líquida do esgoto escorre nas sarjetas
e uma triste martilha de cães magros
saúda com uivos sua noiva vadia.
Gatos disputam na esgrima das unhas
o amor de uma fêmea no cio.
A noite nem bem nasceu. Falta pouco.
No céu, a luz chega e arfa e range
os dentes em seu espantoso trabalho
de parto.
NÃO ESQUEÇAS
O tempo
é a matéria última de que extrais
seu canto.
O tempo é sua febre.
Lembra sempre:
a vida
tem o valor exato dessa flor
no campo.
E toda flor é breve.
CIVILIZAÇÃO
Para que servem os rios?
Para lavar minério.
Para que servem as matas?
Para fazer carvão.
Para que serve o carvão?
Para fabricar o aço..
Velhas montanhas de Minas,
vosso coração de ferro
virou produto de exportação.
MODINHA DE NATAL
Velho de dois séculos, o órgão ainda canta
na igreja ainda mais velha.
Os anjos cochilam na sombra do púlpito
e o sacristão prepara o altar para a Missa do Galo.
Quase nada perturba o descanso da tarde mineira,
nem a noite que chega, com sua batina escura.
Por distração ou nostalgia,
alguém dedilha um violão na varando do sobrado
enquanto não soa a música de bronze dos sinos.
Eco dos anos passados, os versos da modinha
vão crescendo sobre os telhados:
“É a ti, flor do céu, que eu me refiro...”
Nesta voz que canta e nem percebe
Minas inteira faz serenata pra Jesus.
FORMIGA
Que nem formiga. É assim que eu trabalho.
Do mesmo jeito que meu tataravô fez esta casa,
deste mesmo jeito, ainda hoje,
eu sustento a casa em pé.
A última letra da lei, testamento e confissão.
Cumpra-se, então.
Lavouras de milho e café,
os currais prenhes de gado,
as senzalas repletas de negros,
os muitos alqueires de pasto,
até mesmo as formigas, os cupins e o mato,
tudo é nosso. Inclusive a saudade,
agarrada na pele feito um carrapato.
Página publicada em agosto de 2019
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