HÉLIO PELLEGRINO
(1924-1988)
Hélio Pellegrino (Belo Horizonte, 5 de janeiro de 1924 — Rio de Janeiro, 23 de março de 1988) foi um psicanalista, escritor e poeta brasileiro, célebre por sua militância de esquerda e por sua amizade com os também escritores Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Nélson Rodrigues. Foi o segundo marido da escritora Lya Luft.
Nasceu em Belo Horizonte, no dia 5 de janeiro de 1924, filho de Brás Pellegrino, médico, e Assunta Magaldi, nascida no Sul da Itália. (Mais informação na wikipedia.)
VIAGEM ÀS MINAS
Cicatrizes. Matrizes. Hemoptises. O sol posto,
no rosto lavrado. Escalavrado. A lavra lágrima
decorre, colorada. O escopro cáustico,
amarrado e amargo em punho cego,
prossegue seu trabalho. Em vão me pego
na vertente da areia que me sabe. Eu sou, tu és,
o amplo oceano do céu é uma amplidão parada,
o eterno
roreja tempo na pedra. Ó tempo eterno
da pedra, fundado e decifrado,
mais que a barca de Pedro, pedra viva
vivendo o seu silencio — água murmura.
A luz da tarde
verte seus ecos e mistérios,
nas montanhas tamanhas. Arde a tarde,
e a tarde arde. E tarde, é noite, é foice, é antemanhã.
O arco-íris,
suscitado em sua cova, ressuscita. Lua nova e sol posto
nascem do mesmo estojo. Pojo. Bojo. Sangradouro
de minérios domados. Esses gados.
AULA DE MÚSICA
O violino principiante
arranha a pele do dia.
Ô dura, lenta porfia
da mão, soletrando o arco.
Ó marinheiro hesitante
— difícil carpintaria —
na construção do teu barco.
PAI TRINITÁRIO
Pai trinitário que me salvaste
Do descaminho, da treva escura,
Perdoa! o filho que ainda perdura
Na sua confusa perversidade.
Perdoa o filho, a sua loucura,
Manchado de barro, de luz impura,
Perdoa o filho, de humanidade
Manchado, aflito, na sua cidade
Feita de asfalto, de aço e guindaste.
Todo pecado, levando-o em rubro
Sangue perene, no qual descubro
Meu nome e origem, minha futura
Rede onde, à noite, submerso em sono,
Hei de encontrar-me de novo, dono
Da eternidade, da eternidade.
PELLEGRINO, Hélio. Minérios domados. Poesia reunida. Seleção e edição de Humberto Werneck. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. 248 p. 14x21 cm. “ Hélio Pellegrino “ Ex. bibl. Antonio Miranda
AS SAMAMBAIAS
As samambaias
debruçadas no espaço
esplendem seu silêncio.
Que farta verdade
em seu verde farfalha!
Rio, 2/10/80
A MORADA
Este vigor da palavra
— leve, levíssima asa —
é o teto do corpo, espaço
aberto às estrelas — casa.
Rio, 7/3/80
OS TORMENTOS
Dois tormentos vejo,
grandes por extremo.
Se vos olho, temo.
E, se não, desejo.
Por vosso despejo
vivo atarantado,
trêmulo, assustado:
perdição que ensejo.
Se tento safar-me,
fujo ao vosso encalço.
Crendo libertar-me,
mais aperto o laço.
Se vos tenho — corro.
Se não tenho — morro.
Rio, 4/3/80.
QUADRILÁTERO FERRÍFERO
Em tuas colinas rasas
não há vinhedos nem olivais.
Há — púrpura difícil — a hematita,
uva das Minas Gerais.
Uva sáfara, mineral,
fermentando uma pinga de poeira
cujo álcool — lâmina de rochas e cal —
torna triste a embriaguez mineira.
Embriaguez vertical, contida,
cujas cores explodem dentro
do peito: ocre violento, lacre
e prata, sol — e lua ferida.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Ano 18. 2012. Número 36. Edição dedicada a Minas Gerais. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional, 2012. Editor Afonso Henriques Neto.
Viagem às Minas
Cicatrizes. Matrizes. Hemoptises. O sol posto,
no rosto lavrado. Escalavrado. A lavra lágrima
decorre, colorada. O escopro cáustico,
amarrado e amargo em punho cego,
prossegue seu trabalho. Em vão me pego
na vertente da areia que me sabe. Eu sou, tu és,
o amplo oceano do céu é uma amplidão parada,
o eterno
roreja tempo na pedra. Ó tempo eterno
da pedra, fundado e decifrado,
mais que a barca de Pedro, pedra viva
vivendo o seu silêncio — água múrmura.
À luz da tarde
verte seus ecos e mistérios,
nas montanhas tamanhas. Arde a tarde,
e a tarde arde. É tarde, é noite, é foice, é antemanhã.
O arco-íris,
suscitado em sua cova, ressuscita. Lua nova e sol posto
nascem do mesmo estojos. Pojo. Bojo. Sangradouro
de mistérios domados. Esses gados.
Aula de música
O violino principiante
arranha a pele do dia.
Ó dura, lenta porfia
da mão, soletrando o arco.
Ó marinheiro hesitante
— difícil carpintaria —
na construção do teu barco.
Pai trinitário
Pai trinitário que me salvaste
Do descaminho, da treva escura,
Perdoa o filho que ainda perdura
Na sua confusa perversidade.
Perdoa o filho, a sua brancura,
Feito de barro, de luz impura,
Perdoa o filho, de humanidade
Manchado, aflito, na sua cidade
Feita de asfalto, de aço e guindaste.
Todo pecado, levando-o em rubro
Sangue perene, no qual descubro
Meu nome e origem, minha futura
Rede onde, à noite, submerso em sono,
Hei de encontrar-me de novo, dono
Da eternidade, da eternidade.
Página publicada em agosto de 2015; ampliada e republicada em setembro de 2015 .Página ampliada em agosto de 2018.
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