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HELENICE MARIA REIS ROCHA
Possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (1997) e mestrado em LETRAS: ESTUDOS LITERÁRIOS pela Faculdade de Letras (2000), atuando principalmente no seguinte tema: Amazônia, Vida. Especialista em música, área de Concentração: Educação Musical.
Nasceu em 1955,Faleceu dia 31 de julho de 2019,
O GRITO DO NADA
Sobre o nada regateio os
meios dias
sapateando nos espinhos
das valas
Quando calas, me desvaneço
Tu, rosto sem face que
me espreita
Sou esse rosto sem rosto
que me observa
Indigno ser errante de
um erro sem nome
Batizo as estradas
com meus pé voantes
revolvendo terra
beijando o pó da
minha espera.
A RIMA
Joana não tem dentes
Maria espera um noivo
Clarinha está doente
Joaquina não tem parentes
Julinha baila nas avenidas
e João ficou demente
Entre tantos desatinos
o que mais me assombra
também me desafia
Entre tantos rumos só
um me desatina:
como atravessar o
trapézio equilibrando
a rima?
O ÓCIO
Despetalar o ócio
esse o ofício de
quem cria
informando o rumo de
um trabalho sem preço
Desmascarar o ofício
esse o rumo de quem
oferta sua cria no
altar da consumição
Desamarrar os rumos
esse o gosto de
quem sentencia o
doce exercício de
vaticinar as horas
Desarmar a verve
esse o dever de quem
arruma palavras em
verso
explicitando a vida.
A FUGA
De outro tanto a outrossim
escapei da lábia de Caim
Não caí no poço fundo
da amargura
Arquitetei bem a fuga
No lado obscuro
da armadilha finquei minha geração
plantei meus dias vazios
dormi sem preocupação.
Na cova do desenredo
enterrei as sementes do
medo e gritei por
precaução.
A PASSAGEM
O adro da igreja se desmancha
no ar
As reuniões de família
são trituradas no pó da
lembrança
Dança minha intacta intuição
do fim na garganta
A poesia toda me consome
Sem nome, perambulo pelas ruelas
do tempo.
Onde, os talheres do almoço
O passo miúdo de Belinha?
O canto da mãe?
No âmago do esquecimento
que tudo passa
Até as risadas dos colegiais.
AS FLORES E A PRAÇA
Flores silenciosas roçam as linhas do vento
rosas brancas na Praça de Santa Tereza
Belo Horizonte
Flores são seres que marcam o tempo
A indispensável primavera
e as flores
rosas,sempre vivas,tulipas,margaridas
em jardins,em bouquês,nas janelas
sempre silenciosas marcam as linhas do tempo
as flores,sempre flores,para sempre flores
a imortalidade do silêncio
AI-5. Belo Horizonte, MG: Baroni Edições, 2016. 72 p. 14 x 21 cm. Inclui poemas de Biláh Bernardes, Helenice Maria Reis Rocha, Irineu Baroni, Petrônio Souza Gonçalves, Rogério Salgado. 72 p.
Ex. bibl. Antonio Miranda
Sol
Eis que faliram os desígnios da morte
e a gota de sangue que batiza o cristal
fez-se flor
Naqueles tempos tudo era sombra
o sofrimento purifica
dizia meu pai
e Oscar Wilde também
não há prisões para o espírito
dizia meu pai
e ficávamos naquele escritório
docemente sombrio
fazendo Análise musical
Bach, Stravinsky, Khulau, Zanetovich
presos, de madrugada
e livres
ninguém nos alcançava
desprezávamos os exércitos de loucos
No meu ventre...
Nas noites silenciosas de minas
várias vezes sonhei comeu irmão Claudio
assistíamos a terríveis rituais incas
como inocentes e indefesas
testemunhas da história
algumas vezes beijávamos altares cristãos
no silêncio da noite
em velhas aldeias
e pequeninas igrejinhas locais, sempre
como indefesas testemunhas da história
assistimos as lutas das hordas germânicas
deixamos nossa carne no coliseu
e nosso perfume nas encruzilhadas de sangue
para consolo de almas aflitas
e oferecemos doçura para o gozo dos amantes
não fomos amados
como indefesas testemunhas da história
que nunca nos foi permitida
fundimo-nos no único silêncio possível
com toda a ternura necessária
inventamos amigos, inventamos amantes
eternos amigamantes que somos
da história e das gentes que passam
no silêncio destas minas
viajamos para as estrelas
anjos denegados
singelos pastores de territorialidades trágicas
sem nenhum interesse para nós
a esse Claudio que me sabe a Luís, Rocha
Manoel da Costa, Daufen
e minha sofrida homenagem
eu, também, inocente e indefesa
testemunha da história
inconfidente, nem tão ingênua
da nossa eterna e trágica
esperança
(Homenagem a Claudio Manoel da Costa, reencarnado como
Claudio Luís, meu irmão consanguíneo)
Página publicada em dezembro de 2019
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