FRANCISCO MARCELO CABRAL
(1930-2014)
Cataguases, Minas Gerais, 1930.
Obra poética: O Centauro (1949); Inexílio (1979); Baile de Câmara (1992); Poema em Três Cantos (2000); Pedra de Sal (2003); Livro dos Poemas (antologia, 2003) e Cidade Interior (2007.
“O livro é grande. Sincero o digo, olha: até do “Poema da Identidade” estou gostando... Não é engraçado? Poesia é coisa-causa, difícil e fácil; é uma espécie de contágio.” Guimarães Rosa, 1954.
“Rigoroso, inventivo, impecável.” José Lino Grünewald, 1993
“Se toda viagem é a bus de um regresso — primordialmente um regresso à infância —, Francisco Marcelo Cabral, como não poderia deixar de ser, assim regressa, sem cessar, à sua ítaca-mundominias.” André Seffrin
De
CAMPO MARCADO
Rio de Janeiro: Bookink, 2010.
100 p. ISBN 978-85-7729-096-3
Água-forte
Sigo trilhas do nenhum-destino.
Pegadas folhas avisam houve alguém.
O sol o chão cobre de ouro e ocre.
Escorrego na lama de caulim,
esmago musgos e besouros.
Flechas de chuva nuvêm
lavarbrunir as pedras
onde lagaros pregiásperos
verdormitam
no horizontempo
a que perdidoporto voo
cativo pelas penas, bico adentro
da aguarosa da luz que tardescai
Romance em setembro
Ao todo são sete portas
E ao todo sete sacadas
Sete navalhas e aortas
Sete mortes despejadas
— às sete — em sete calçadas
Sete paixões funerárias
E sete os amores findos
E sete fundos abismos
Ou sete camas de terra
Sete saias de ouro e couro
Sete rosas-rosa a pino
Sete repiques de sino
E sete luas de luto
Sete coroas de cardos
Sete tardes de domingo
Sete jornais matutinos
Sete ais sete suspiros
Sete noites mal dormidas
Sete mulheres baldias.
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INSTABILIDADE
Pêndulo indeterminado,
inextinguível e liberto,
vacilo entre o duplo fim.
Anseio por horizontes
do começado caminho:
vejo a luz e quero ir.
Que me rouba o ser estável?
Abro os olhos, nada vejo,
sinto a ausência do meu corpo,
rubro poente de mim.
As idas de longe acenam.
Ai, me perco nas veredas,
Quero as vindas, dai-me as vindas.
Quê me perturba a beleza?
Oh, não cantará as musas
o que a si próprio se oculta
nas dobras do não-dizer.
Minhas vestes já rasgadas
minhas mãos desencarnadas
minha presença ocultaram.
Quê me liberta o inefável?
Anjo de asas caídas,
os olhos não volverei
para contemplar os despojos.
Meu vôo cortei bem rente.
Não satisfeito, amputei-me
e apenas amanheci.
Quê me detém na pureza?
SONETINO
Não eu, que a tenho em pedaços
e apenas procuro recompô-la
como a um arlequim desfeito, exposto
a só se perder, malbaratado.
Eu não! Outros que a vão buscar, úmidos
do próprio suor reminerado.
A mim me cabe mais: a vida é um
Respirar esperançado.
Sou o pássaro e me lanço
a toda a liberdade, o olho contra o sol
e contra o vento as penas, como
quem se afasta só sem mais ruído
que um ligeiro adejar de asa acesa
e vai, lá em Minas, repousar.
PEDRA
Escrevemos
Porque sabemos
que vamos morrer.
Escrevemos
porque não sabemos
por quê.
DOCA
Para Alberto da Costa e Silva
Necessário dar ao poema
endereço e compromisso
e não deixar à solta
— nave de papel e tinta
que a água do tempo dissolve.
A uma inspeção de minúcias
deve ser submetido
para que em cada atracagem
uma laboriosa estiva
libere a apreciada carga.
Necessário armar o poema
com rigorosa treliça:
que não pareça destroços
de naufrágios reunidos.
O poeta habite o poema
ou dele se distancie
que o que segue transportado
no convés e nos porões
como o ar em nossos foles
se esvazia e se repõe.
Se não lhe dá uma rota
ao poema, largado à sorte
das coisas que só flutuam
sem a nitidez das naus,
o poeta voga à matroca,
e o poema atraca no caos.
CIDADE INTERIOR
É onde à noite os medos
convocam as fantasias das sombras
cortam as luzes das ruas
e ao fraco luar se tropeça
em cães ressoando
e mal se ouve a suave respiração dos sonhos
as pisadas no tambor dos pesadelos
e os silvos remordidos do gozo
(e onde mortos rumorejam pelas grotas)
uma cidade para sempre estacionada
no poema
- falsa e inesquecível.
VITAMORS
Para Ascendino Leite
O passado mal se equilibra, nos derruídos blocos
desunidos
da extinta harmonia.
O futuro demole todo o cristal
e dura como o barro — a perspectiva do pó.
Sonhos, amores, juventude
— o presente é o tempo que morre em você.
A CARNE DA PALAVRA
Há no teu nome tanto
de animal e alvorada, tanta vida,
que o amo também.
Pronunciá-lo é gozar,
sentir tua presença,
palpável cristal.
És insondável, és,
embora em superfície toda brilhe
tua estrela, tua fonte.
Tens derramado em tuas letras
um sangue algum, que te define e forma
e se comunica e vem
ou sou eu quem o extrai
e do aparente friúme da palavra
reacende a chama essencial.
Pode muito Eros:
de seu reino de asas cortadas
nunca escaparás.
Que a palavra em ti
pertence-me, e eu condeno-te a sofrer
a límpida maldade
do verso que te despe.
Confia, pois vai nisto, bem que rude,
um amargo travo de amor.
AI DE NÓS
Oh, um carvalho crescendo é tão sério
(e vem o lenhador com seu machado e fere-o).
A carne é mesmo triste? Um barco é triste?
Que nos cabe de tudo quando existe?
Eu em trânsito estou, vida é viagem
E não deflagrei auroras nem miragens.
Aquele que chegou, a terra quere-o
(ai de nós, se não fosse o mistério).
COSTA E SILVA, Alberto da, org. A Nova Poesia Brasileira. Lisboa: Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil, 1960.
287 p. 19x28 cm. autografado encadernado
Ex. bibl. Antonio Miranda
O CENTAURO
É esta a minha natureza,
é este o meu ser confuso
em que me contorso e estou.
Meu destino é procurar-me.
Onde a glória de encontrar-me,
se tão por dentro persisto?
Pratico esta indecisão
como um ritual vermelho
onde o sangue e o erro assistem.
Eu não nasci glorioso,
sou apenas tenebroso,
sou pecador, me confesso.
Ontem moro pelos campos
e entre flores pontifico,
a minha essência retorno.
Hoje rolava nos mares,
denso como as tempestades,
sem rumo, prevendo a sorte.
Mistura correia e mística,
não venha a forma tolher
minha arte que não revelo.
Chovo se a chuva é de outro,
conservo o gasto tesouro
não há razão e há razão.
Paralizada inquietude.
Se fundem raios na terra,
anjos se fundem no inferno;
só eu não tenho fusão.
Homem, cavalo, centauro,
esta é a minha natureza,
e é este o meu ser confuso:
por isso me morrerão.
Caem-me pedaços de braços,
Pressentida liberdade.
Possa a poesia evolar-se,
livre, alada, sem palavra.
Mudez das coisas não ditas,
paragens mais infinitas.
donde o meu pranto se escorre.
Onde o vaso que guardá-las?
Tudo é nada, tudo é nada,
só eu sou tudo, só eu.
Cruzam-se as minhas estradas
e neste cruzar epilético
eternizo o meu cansaço.
Homem, cavalo, centauro,
trindade do ser eclético,
esta, a minha natureza.
Morrerei quando nascer,
este é o meu padecer,
esta, a minha liberdade.
Possa a poesia evolar-se,
homem, cavalo, centauro,
do meu poder confuso.
Homem e cavalo, prossigo,
centauro em busca de ser,
para comigo ficar.
Esta é a minha liberdade,
esta é a minha natureza,
minha aparência serena,
provém do meu ser confuso.
Tudo uso, estes meus versos,
feitos de uso e abuso,
com nascerem muitos vivos,
nem por isso morrerão.
Outros lábios me repitam,
}meus versos, os fiz para dar.
Buscando incerto infinito misto,
centauro, aqui fico.
(O Centauro)
POEMAS INÉDITOS
POEMA
A palavra nasce de onde morre
breve fulguração da fala
na voz e na página.
Necessário atá-la a outra palavra
igualmente fugaz
— corrente de brilhos longos e curtos
nave passando iluminada.
O silêncio gera a palavra e consome
sua espessa matriz
No universo sem som e sem tempo
haver a palavra é inútil
rede para a luz e o vento.
O visgo e o ferrão da palavra
impõem cuidados ao toque:
faca afiada ,
empunhada pela lâmina.
A agulha da palavra crava
na mão e na boca que arrisca
comunhão impossível
do visível
e do imaginado.
HORA NENHUMA
Pelas frestas do soalho coa-se a luz
— crinas oblíquas do cavalo dos ventos
Tremem as velas e as roupas finas
aos sopros e assovios dessa luz sem sombra
que tanto medo me dá
A mãe sussurra não olhes o piso nem as telhas
nas paredes nuas o sono nos aguarda
entre as manchas de mofo e seus desenhos
de limo verde.
Aqui mora a noite
Seu cheiro de roupa guardada
Suas lãs descoradas e ásperas
Como peles selvagens mal curtidas
Essas coisas velhas rescendem a calor suado
Debaixo da cama arfa um cachorro cego
E um jarro de miosótis tinge com sua morte azul a penumbra e o silêncio.
O medo não abre os olhos do menino
Que apenas pressente o universo no quarto
E embarca no bote de espumas
Sabendo tudo em volta irreal.
O sono se abate sobre o peito
como um par de asas sem ave
uma rajada de brisa adocicada e morna
uma persiana que desce nos fios.
A mãe já não diz mais nada que se ouça
apenas nela vibra o sopro que ressoa
na delicada respiração do menino
—fonte e sinal da vida que prossegue.
AINDA MAIS
Escrevo a língua do meu avô
e tenho a sua cara
no espelho fugidio onde busco
as marcas do que sou.
Vejo o rio passar
Os peixes das palavras boquejam espuma e água suja
no sulcado perau dos versos
o poema flui arrastando em sua calda
a mudez dos afogados e os gritos
dos pescadores de areia.
Um passo atrás, que eu possa ver
essa procissão que se arrasta
desde muito antes do ano de mil
novecentos e trinta, quando eu mesmo
vazei num jato de sangue e soro
e gritei pela primeira vez: eu
— e não, e nunca na verdade, fui ouvido.
Um passo atrás
que o sol está secando as chuvas do poente
um corpo vai-se atirar na direção do naufrágio
e a chama de uma vela
será enviada a procurá-lo
Escrevo a língua do meu avô
sem sua permissão,
por isso apenas busco seduzir
os fantasmas que me visitam
por isso venho até o rio
para olhá-lo nos olhos
e numa canção inaudível
berçar os seres amáveis que o habitam
e se coçam nas facas dos peixes
Vejo o rio passar e mal me vejo
enquanto envelheço à sua beira
A luz e o silêncio em mim sabem a vida
e enquanto respiro
tudo o que não entendo faz sentido
FRANCISCO MARCELO CABRAL:
a emoção é de quem lê
Ronaldo Werneck
O poeta mineiro Francisco Marcelo Cabral (Cataguases, 1930 – Rio, 2014) residiu no Rio de Janeiro desde os anos 1950. Bacharel em Direito, não chegou a atuar como advogado. Trabalhou a maior parte de sua vida como redator publicitário e redator de projetos econômicos financeiros, no escritório Leone e Associados, onde era um dos sócios. Ainda no Rio, foi Diretor de Comunicação da Eletrobrás e também Diretor da Petrofértil.
Em 1949, editou em Cataguases a Revista Meia-Pataca, junto com a poeta Lina Tâmega Peixoto (Cataguases, 1931 – Brasília, 2020). Livros publicados: O Centauro (1949); Inexílio (1979); Livro dos Poemas (2003) englobando, além dos dois livros anteriores, Baile de Câmara, Poema em 3 Cantos e Pedra de Sal. Em 2007, publica Cidade Interior e, em 2010, seu último livro, Campo Marcado.
Palavras portas de saída
“Sou cataguasense, safra 1930” – escreveu um dia poeta Francisco Marcelo Cabral. “Aprendi a ler sozinho, me ensinaram a escrever. Primeiro minhas professoras primárias, depois o professor Gradim... e muitos outros professores, cada qual interessado em me afastar das ‘trevas’ da ignorância, porque certamente eu era mais ignorante do que eles. E isso parece que os incomodava, porque todos estiveram muito envolvidos nesse processo de treinamento, pelo qual, talvez sem o perceber, tentaram me passar uma concepção de mundo, sacralizada por sua expressão em palavras escritas, que eu deveria reverenciar como definitivas marcas concretas de realidade.”
“Acho que eu não aprendi bem essas sábias lições e a primeira questão fundamental com que me deparei (e quase parei) foi descobrir que as palavras são portas de saída mas não de entrada, e que a emoção ou conceito, presentes num texto, são de quem o lê e não mais apenas de quem o escreveu”.
Fora o grande poeta, Francisco Marcelo Cabral era também um intelectual de peso, dono de um humor a toda prova, antenado com o mundo à sua volta. Sabia tudo e mais um pouco. Amigo de muitos amigos, de Guimarães Rosa a Mário Faustino, saudado por críticos e poetas de várias linhagens, inclusive os concretos como José Lino Grünewald e Augusto de Campos, ele foi para mim um guia para toda a vida, “meu guru” como eu brincava em chamá-lo. Meu Virgílio, sem querer ser (pe)Dante.
Quando de sua morte, em 2014, escrevi o texto que republico aqui, seis anos depois, como mais uma de minhas homenagens, junto com alguns de seus poemas que selecionei e de dois poemas dedicados a ele por Guimarães Rosa. Citada em meu texto, sua/nossa grande amiga, a poeta cataguasense Lina Tâmega Peixoto, que residiu ao longo de quase toda a vida em Brasília, também partiu recentemente (2020) e me deixa uma saudade daquelas, ao lado de Francisco Marcelo Cabral.
Prosa-elegia pro Chico Cabral
Escrevemos
porque sabemos
que vamos morrer.
Escrevemos
porque não sabemos
por quê.
Domingo, 24.08.14
“Cabruxa partiu há meia hora”. Vindo do Rio, o telefonema da última quarta-feira, 20 de agosto, era da poeta Lina Tâmega Peixoto, e a notícia – embora esperada, mas não tão cedo – me deixou a nocaute. Cabruxa era como Lina denominava o seu, o nosso grande amigo, o poeta Francisco Marcelo Cabral, que eu aprendi desde a juventude a chamar de Chico-Chiquinho Cabral. Eu estivera no Rio até a véspera, gravando uma entrevista para TV e, naquele momento, já estava em Cataguases, envolvido com um projeto que precisava enviar para Belo Horizonte até a próxima sexta-feira. Parei tudo. Minha mulher, a Patrícia, encontrava-se em uma audiência no Fórum. Esperei que ela voltasse, ainda meio sem saber o que fazer. Já era final de tarde, eu ainda meio a nocaute. Patrícia sugeriu que seguíssemos logo para o Rio.
Noite alta – e, por ironia, “céu risonho”–, fomos estrada afora, eu me lembrando de meu amigo maior. E veio o fragmento de um de seus primeiros poemas: É hora de sol/ lá fora/ e noite, no coração./ Milhares de estrelas,/ borrões/ que as nuvens carregarão. E outro, de seu mais que admirável livro “Inexílio”: Amar menos/ é morrer/ como o rio sendo freado pela areia/ como tirar os óculos, desligar o telefone,/ guardar a máquina de escrever e sair de casa/ para nada. E logo outro, vindo lá de 1949, de seu primeiro livro, “O Centauro”: Me matei de sombra/ Me pintei de roxo/ Fiz um metro, um canto// Para o meu amor./ Que lucrei?/ Um verso./ Que fazer? cantar./ Mas se há dor? que importa!/ A dor é só instrumento.
O carro corria na noite e me lembrei de um bilhete que mandei pro Chiquinho, quando ele lançou “Cidade Interior”: “O seu despojamento, essa sua dicção absolutamente particular – que não consigo identificar em nenhum dos poetas que conheço – esses seus ´poemeus´ de antitergi/versar que me comovem, que me locomovem a cada vez que os releio, meu caro Chico Marcelo, e que pro seu universo (re)torno – mesmo “que” com todos esses “quês” –, ao início desta Cidade Interior. E confesso ser cada vez mais tomado pela alta tensão de sua “escritura” (merci bien et voilà, M´sieu Derrida), esses poemas que tanto me tocavam a cada releitura, e que hoje guardo e guardarei sempre: é onde às noites os medos / .../ cortam as luzes das ruas / .../ as pisadas no tambor dos pesadelos / .../ (e onde os mortos rumorejam pelas grotas) / .../ uma cidade para sempre estacionada/ no poema/ – falsa e inesquecível”.
Esses poemas – escrevia eu naquela ocasião — sobre os quais não sei ainda o que dizer agora, numa primeira e rápida e mais que prazerosa leitura. A não ser o óbvio, aquilo que sempre digo: além de tudo, do grande poeta, você é também "il miglior fabbro da Dr. Sobral" (a rua de Cataguases onde nascemos) e de muitas outras ruas do mundo (Não à toa eu disse um dia que nem o melhor poeta de minha rua consegui ser, já que lá também nascera Francisco Marcelo Cabral). E aquele poema então, aquele insight, coisa de poeta maior:
Todo poema é celebração
mesmo não lido.
Todo poema é de amor
mesmo perdido.
Todo poema fica por aí
mesmo esquecido.
Não, não ficam. Não os desta “Cidade Interior”, não se poemas como aqui, nesta em si clari/cidade: antes que o sol mergulhe e se apague no mar”. Daqui, poema nenhum, nenhum sol será apagado.
Em abril de 2008, abri com um pequeno poema de Manuel Bandeira o texto de apresentação de seu livro “Campo Marcado”:
Ao poeta de Cataguases,
Autor do belo Centauro,
O Poeta Manuel Bandeira
Envia um ramo de lauro,
Saudando-o desta maneira
Ás futuro entre outros ases!
O poemeto de Bandeira é de 1949, ano da publicação de “O Centauro”, o livro de estreia do jovem poeta Francisco Marcelo Cabral, então com 19 anos. São na verdade “antenados” os poetas, mesmo aqueles que se dizem “menores”, enquanto grafam na maior, e com maiúscula, o seu epíteto.
Ás futuro entre outros ases! – saúda um muito do exclamante Bandeira, antecipando a rica trajetória de FMC nas próximas seis décadas. Poucos livros publicou o poeta desde então, mas todos definitivos. E eles o colocaram ombro a ombro com os melhores poetas desta e de outras praças e, claro, no pódio dos ases de Cataguases, aqueles rapazes que fizeram a Revista Verde e projetaram a cidade na história do modernismo.
O “ramo de lauro” de Bandeira foi devidamente assentado na cabeça de Francisco Marcelo Cabral, que o ostenta com toda a dignidade do poeta singular, poeta maior que é. Poucas vezes – nenhuma! – vi gente tão culta, de tão grande sensibilidade e inteligência como Francisco Marcelo Cabral. Brinco de chamar o poeta de brilhante, mas brilhante é pouco quando se trata dele.
Brinco também de chamá-lo de “meu guru” (e não é?) desde que – lá se vão quantos anos? – ele me levou, no Rio, à casa de Alexandre Eulálio, então leitor oficial da Biblioteca de Veneza, para que eu conhecesse “uma das pessoas mais cultas do Brasil”. Pois é, Alexandre e eu ficamos arrebatados por aquela noite inteira a ouvir o poeta que sabia de tudo um muito mais que tudo.
Francisco Marcelo Cabral é um poeta-perguntador e por isso mesmo capaz de articular respostas essenciais, de nos propor descobertas: “as palavras são portas de saída mas não de entrada. A emoção ou conceito, presentes num texto, são de quem o lê e não mais apenas de quem o escreveu”.
Que o diga agora este “Campo Marcado”. Melhor, que nele possamos (re)ler e (re)assumir a emoção que ressurge a cada poema:
A luz e o silêncio em mim sabem a vida
e quando respiro
tudo o que não entendo faz sentido.
Com seus metapoemas mais que luminosos, com sua grande intensidade, Chico Cabral faz de “Campo Marcado” pedra de grande quilate, que há de rolar sempre entre seus (muitos) fiéis leitores. Escrevo a língua do meu avô /sem permissão. Ora, por quem sois, meu poeta! Vosmicê tem mais que toda permissão!
No Rio de meados da década de 1960, Chiquinho Cabral e eu erámos redatores de um escritório de planejamento econômico. Um dia, chegou um projeto de cemitério vertical e ele, como numa premonição, foi seu maior defensor. No Rio, na manhã da última quarta-feira, o corpo do poeta foi colocado – ao lado de seus irmãos, Edvar e Pedrinho – numa das gavetas do Memorial do Carmo, aquele mesmo cemitério cuja verticalidade tanto defendia o redator Francisco Marcelo Cabral.
O leitor se assenta.
O poeta puxa a cadeira
a poesia é o tombo.
O leitor se enleva
o poeta o empurra no abismo
a poesia é o voo.
Logo depois, Patrícia e eu voltamos para Cataguases. Um dia belíssimo, de sol e céu azul, que me fez lembrar de um mês de maio de não sei quando em que eu e Chiquinho Cabral viajávamos por essa mesma estrada. Estava contente e alegre como sempre o meu poeta, que dizia preferir, entre todas, as manhãs de maio e céu azul. Tinha razão: mesmo de sol e céu azul, costumam ser traiçoeiras as manhãs de agosto.
Quando essa respiração vem
com renovada força de vida
não perguntes nada
simplesmente a recebe e aceita
e gratidão seja a música de tua alegria.
Já em Cataguases, debrucei-me sobre o famigerado projeto, que consegui enviar a tempo para Belo Horizonte. Mas todo por o tempo em que escrevia, a presença de Chiquinho Cabral permanecia em mim – e os poemas de Francisco Marcelo Cabral assomavam, saltavam de meu ser, como se voassem:
Temo jamais ter merecido
as asas dos meus versos.
Às vezes eu as desprendo – é noite, é Minas –
E como quem espreguiça
num largo espasmo
alço-as e me vou, ou sou levado
voando, me vou.
Ronaldo Werneck
domingo, 24 de agosto de 2014
FRANCISCO MARCELO CABRAL & GUIMARÃES ROSA
Nos anos 1950, Francisco Marcelo Cabral trabalhou no Serviço de Imprensa do Ministério das Relações Exteriores, onde conheceu Guimarães Rosa e se tornou seu amigo. Foi um dos primeiros leitores de Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile, em fase final de elaboração, tendo acompanhado de perto a datilografia dos manuscritos. Daquele período, tem guardado até hoje os originais de seu livro Pedra de Sal, repleto de notas e comentários do autor de Sagarana:
“Este Sagarana para o Marcel Francisco Marcelo Cabral que, na ocasião (1946), eu ainda não sabia que conhecia; – e que, mesmo por isso, depois vim a conhecer demais; isto é – Amigo – e, em meu entendimento de amizade, o Guimarães Rosa. Rio, 1956”.
Cabral guarda ainda um telegrama sem data recebido de Rosa: “Dr. Marcel Ovate Cabral – Praia de Botafogo – Cataguases ponto exclamação Nossa Vitória etcetera e glória ponto Cantado o peixe vivo Exultarei séculos Guimarães Rosa”.
E também alguns poemas enviados por ele:
Ódiamarcel
Guimarães Rosa
Quando as luzes e o azul se converterem
em sincera distância, mais que ausência,
e, à paz de frios céus de nova infância,
no suar, floresta e fogo se ajuntarem.
Então, Marcel, poeta, vate insano,
desirmanado e escasso producente,
traduzindo epistáxis e troiano
docemente das lágrimas da gente,
poderás. E, podendo, será mente
e matéria – veneno de serpente,
bagaço mineral incandescente.
Assim, dirão, convém Marcelo tente
acertar a emoção, atentamente,
para que sua musa de alabastros cante
o que na vida val: metal sonante!
Soneto
Guimarães Rosa
Quando tudo acabar e ficar sendo
nossa ternura apenas a lembrança
de um amor que, passado, ficou sendo
a mais morna e romântica lembrança;
quando o amor acabar, já não havendo
carne para queimar, que o corpo cansa,
e o que é melhor em nós brotar, havendo
uma calma paixão que descansa
a provocar no peito o mesmo fluxo
– mas manso agora, apenas um reflexo
das altas ondas em que navegamos –
saberemos que o laço não se quebra
o que tudo ficou, e tudo lembra
o que não se acabou, que abandonamos.
I
Quando o fim se fizer novo roteiro
e a ternura que é nossa for diversa:
passado trespassado de esperança,
temperada ilusão, violência mansa,
minha vida na tua se dispersa
e a poesia dá uivos no tinteiro.
II
Marcel – que sejas sempre bom mineiro
navegando mancebo em ondas baixas
e calada a paixão que porventura
te instigue a queimar de uma criatura
o corpo (tarado não és, se achas:
carvão: amor em estado verdadeiro).
Francisco Marcelo Cabral: alguns poemas
Seleção Ronaldo Werneck
HOMEM, CAVALO, CENTAURO
Homem, cavalo, centauro
trindade do ser incerto
esta a minha natureza.
Possa a poesia evolar-se
homem, cavalo, centauro,
do meu pobre ser confuso
Outros lábios me repitam.
Meus versos fiz para dar.
Buscando incerto infinito,
Misto, centauro, aqui fico.
“SUERTE SUPREMA”
Para Lina Tâmega Peixoto
Picar o poema
até que
– exausto –
estaque.
“Cuadrar” o poema
para o estoque
que o penetre
e libere
o jorro incruento da poesia.
ARS POÉTICA
Para Lélia Coelho Frota
O leitor se assenta
o poeta puxa a cadeira
a poesia é o tombo.
O leitor se enleva
o poeta o empurra no abismo
a poesia é o voo.
O leitor se esquece
o poeta o sacode aos berros
a poesia é o susto.
O leitor é a ninfa
o poeta, o fauno no cio
a poesia é o gozo.
JERÔNIMOS/Lisboa
Ante o Poeta e o Navegador,
bicho da terra tão pequeno,
o pigmeu mineiro
nem desconfia dos ossos trocados
ACADEMIA/Firenze
É preciso sobrepassar os testículos de Davi para ver o seu rosto zangado
e sua terrífica beleza.
Quatro metros sobre o pedestal, ele é o Golias No chão a mirá-lo, nós, o pequeno pastor
INEXÍLIO/Fragmento
NADA, Cataguases, em teu rio pobre
Pomba sem vida, mudo e sujo
Nada, nem Francisco Inácio
Peixoto se acostumando a perder
amores, amizades e ambições,
nem a morte de Rosário, ai de nós, ai de ti,
merda de morte igual a todas inesperada
colhedora do tigre e do joio
nada, nem a completa
destruição da paisagem da minha infância
NADA ME FAZ
lembrar um porto de diamantes
(que fossem topázios, ametistas,
crisólitas, opalas, turmalinas!)
nem mesmo saber – só agora – que no cascalho
do leito do Meia Pataca
ainda repousa o ouro não minerado
NADA ME FAZ
TE AMAR
Berço, seio, colo, braço, calor e umidade
é um ato simples
como nadar, anulando-se, na corrente limpa do rio
AMAR MENOS
é morrer
como o rio sendo freado pela areia
como tirar os óculos, desligar o telefone,
guardar a máquina de escrever e sair de casa
para nada
MENOS
que nada
é o pó do poema
que aqui sobrenada
sobre tudo
(que nada!)
NADA ME FAZ TE AMAR MENOS
O MENINO E EU
Disfarçado com meu rosto e roupas caseiras
caminho pela Avenida Atlântica enquanto cai a tarde.
Anda comigo um menino familiar, amistoso e alegre,
cruzando seus passos com os meus
num jogo que muito o diverte.
Pergunta coisas antigas e precisas:
a cor das chamas do sol,
os brilhos corais da areia
e esse barulho que não cessa
do grande pulmão do mar.
Não sei o que lhe dizer, agora que as descobertas repousam
em quieta contemplação,
agora que o toque das coisas eu posso sentir
latejando no meu pulso,
enquanto desfruto
— agora que não mais pergunto —
de tudo o que repercute em mim.
O menino não cresce enquanto caminhamos.
Vai-se confundindo comigo na humilde capacidade
de gozar do por-de-sol que nos envolve,
até que a luz extinta da noite
nos torne um só ser invisível
ENCHER DE VINHO A TARDE
Encher de vinho a tarde, como se faz com a vida.
Encher de tarde a vida, como se faz com o vinho.
Encher de vida o vinho, como se faz com a tarde.
Encher de vinho a vida, como se faz com a tarde.
Encher de vida a tarde, como se faz com o vinho.
Encher de tarde o vinho, como se faz com a vida.
ANOITECER EM SÃO JOÃO DEL REI
Há coisas que já não faço,
outras que ainda farei,
de umas perdi o compasso,
de outras mais nada sei
em tudo novo renasço
e retomo o que findei
do que é belo quero mais, sô,
e mais de tudo que amei.
Se meu coração de aço
vazar por onde o serrei,
esqueço todo o cansaço
e volto a São João del Rei.
Ficarei?
O GATO
Para Marcus Vinícius Quiroga
Na sala da Rua Duvivier
o cheiro de jasmins
colhidos em jardim público
e a presença do gato
sucumbem ao odor das bananas e peras
que esperam o poema
num canto da mesa
de Ferreira Gullar
BANDEIRA
Poesia,
quero-te assim
nuinha:
noiva na cama,
pedra, faca
fora da bainha.
CADA DIA
Pedro meu pai artesão padeiro
forneava manhã cedo
belos pães de puro trigo
fermentados “au levain”,
Confeiteiro também, fazia,
com sutilezas de açúcar
e sápidos toques de essências,
biscoitos, doces, suspiros.
Mestre de ofício, bom homem,
saciava alheia fome
com alimento concreto
POEMA
A palavra nasce de onde morre
breve fulguração da fala
na voz, na página.
Necessário atá-la a outra palavra
igualmente fugaz
– corrente de brilhos longos e curtos
nave passando iluminada.
O silêncio gera a palavra e consome
sua espessa matriz.
No universo sem som e sem tempo
haver a palavra é inútil
rede para a luz e o vento.
O visgo e o ferrão da palavra
impõem cuidados ao toque:
faca afiada,
empunhada pela lâmina.
A agulha da palavra se crava
na mão e na boca que arrisca
comunhão impossível
do visível
e do imaginado
TARDE QUALQUER DE OUTONO
Que acontece ao fim do poema,
que torna possível outro mais
numa corrente infinita?
Haverá sempre poemas
para abrigar palavras numeráveis:
brisa, calçada, solstício, porcelana?
palavras-guizos
numa festa alegre de espelhos e anéis.
ou tambores e tímpanos
num ritual de veludos e facas ?
De onde vem a música sem sustenidos
que não abole com silêncio de rocha
o som do gozo e da aflição?
Quantas vidas tem o poema
se cada vez que se acendem suas janelas
um sol se transfere
numa sorte de eternidade partilhada?
Pronta a carcaça
e fincados os mastros e pontes de abordagem,
quando soprará o vento da poesia
para enfunar as velas do poema
— atado à sorte?
Quanto dura o amor e seus lençóis de uvas rubras
se nunca se sabe como virá
nem quando irá
— serpente dourada cuja saliva inebriante
injeta os fogos da noite
na alma indefesa e na carne em êxtase ?
Quando a aragem úmida da tarde
súbito congelada
se estilhaça sobre os ipês,
onde nos abrigamos? onde
nos protegemos do lento mergulho
do dia ainda incompleto
na noite falsa do eclipse
entretanto real?
Que dardos ferem o corpo do poema
sem desfazer seus ninhos de vidro
nem deter a captura das palavras
que alimentam as águias da poesia
sempre famintas, sempre no cio?
Um mistério dilacera a tarde fria:
que é palavra?
poema?
Que é poesia?
ESTE MOMENTO TEM NOME
Este momento tem nome: êxtase.
A luz dura do sol no teu olho cerrado
o zumbido de insetos delicados,
o ácido sal da vida,
o pulso e o ritmo ofegante do ar que te penetra
Submerges nesta fresta do tempo
e sentes o universo tocando o teu ser,
tão íntimo que o podes separar em fruto e semente
tão sem limites em suas onze membranas
que nele tudo cabe inumeravelmente,
tão diversamente o mesmo que não te contém e contém.
Não estás morrendo, sossega.
Apenas navegas em estilhaços
como a estrela que explode na constelação do Centauro.
LOUVAÇÃO DAS DAMAS MAGNAS
As asas de cetim de Gilka, o ardor de Adélia,
o missal de Henriqueta, o céu verde de Astrid,
as dálias de Cecília, os meninos de Lélia
e de Olga os entes vegetais,
– nelas reside
poderosa matriz do poema e seus véus
que em Lina mais se exacerba – sombra no sol.
Mães fecundas das palavras feridas
no papel, nos olhos
e nas lentas auroras
que tiram pelas jubas verdes os felinos do mar
Deito-me nos nichos
de seus poemas, e estar ali é a razão de estar ali,
sorvendo o sal que as conchas diluem em sua linfa.
Ave, madonas donas dos ritmos e timbres
e da sutil textura do tecido inconcreto
em que bordam palavras como roupas de bodas
manchadas do suor amoroso da entrega.
Ave artesãs do poema
único senhor a que servem,
fêmeas arrebatadas
pelo cio do cisne celeste, pelo sêmen
da chuva de ouro,
e o vigor de touro do deus macho.
INEXÍLIO II
Todo poema é denúncia e celebração
mesmo não lido
Todo poema é de amor
mesmo traído
Todo poema fica por aí
mesmo esquecido
TWO LITTTLE BIRDS
Mom, o Mom,
I’ve shot
the two little birds
that sang so nice
that sang too much
Mom I keep on hearing
that two little singers
singing heir songs
o Mom on my fingers
(de uma canção yokum)
Sacco e Vanzetti pintariam o sete
in the United States
e tio Sam deixava:
Sacco sacana
arrombaria o cofre
enquanto que o Vanzetti
pegaria a grana.
Mas Sacco e Vanzetti
eram humanitários
correligionários
do pintor Pancetti
Por isso meteram o Vanzetti num saco
e o mataram, e ao Sacco,
por puro deleite
para exemplo dos pósteros
e paz na Terra aos homens de boa vontade.
VITAMORS
Para Ronaldo Werneck
O passado mal se equilibra, nos derruídos blocos de areia
antes unidos
por extinta harmonia.
O presente demole todo o cristal
e dura o que duram as pedras – a perspectiva do pó.
Sonhos, amores, juventude,
o futuro é o tempo que morre em você.
LISBOA II
Que é que nos falam
de modo tão familiar
mas na verdade
– estrangeiros aqui também –
não entendemos?
VENEZA
Alexandre Eulálio esteve por aqui
Grifo na città ducal soprado em cristal e chamas
E o solo por onde andou
Ressoa o bater de suas solas
Tal qual diamantinas capistranas
VENEZA II
Uma noitada de vinhos
Cada canalete mal iluminado é um beco mineiro
e desastrosas as consequências dessa nostalgia
ÍNDIA
Mil deuses, mestres, gurus, devotos, monumentos
com seus mil dedos de pedra, jade, ouro, barro e lapis-lazúli
apontam para cima
Meu mestre aponta para dentro
CATAGUASES
A cidade exporta
tecidos de algodão que não planta
e poemas que não lê
No varejo de algumas lojas
se pode até comprar livros
O jeito é agarrar a primeira palavra vazia
que esvoace gratuita na brisa do Pomba,
com todo cuidado, e devolvê-la intacta
aos ventos, insanos e surdos.
WERNECK, Ronaldo. Cataguases século XX antes & depois . São Paulo: Editora Tipografia Musical, 2021. Ilus. p&b. 310 p.
ISSN 978-85-87867-09-8 Ex. bi bl. Antonio Miranda
NADA, Cataguases, nem a tua indiferença ou desprezo
pelos teus poetas se teus loucos, únicos
que te conferem a glória de não seres
como outra qualquer um simples mercado
mas uma cidade, oh, uma cidade
NADA ME FAZ
lembrar um porto de diamantes
TE AMAR
berço, seio, colo, braço, calor e umidade
é um ato simples
AMAR MENOS
é morrer
como o rio sendo freado pela areia
MENOS
que nada
é o pó do poema
que aqui sobrenada
(de Inexílio, 1978)
Foto: https://g1.globo.com/mg/triangulo-mineiro/noticia
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http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/minas_gerais
Página publicada em agosto de 2021
Página publicada em janeiro, republicada em agosto de 2008; página ampliada e republicada em outrubro de 2010. Página ampliada e republicada em outubro de 2020 |