FRANCISCO Soares ALVIM Neto nasceu em Araxá, em Minas Gerais. Diplomata. Seu primeiro livro — Sol dos cegos (ed. do autor) — é de 1968, seguindo-se Passatempo (Rio Frenesi, 1974) e O Corpo fora (São Paulo? Duas Cidades, 1988). Viveu um período em Brasília onde participou de movimentos de poesia marginal, tendo sido o organizador da célebre antologia Águas Emendadas (1977). Os poemas a seguir foram extraídos de Elefante (São Paulo? Companhia das Letras, 2000), poemas da época em que o poeta vivia em Roterdã, na Holanda.
“Francisco Alvim é mais oswaldiano do que o próprio Oswald de Andrade. Coloquial, radical, desconcertante... Humor e nonsense...” Antonio Miranda
“Francisco Alvim é o poeta da ironia implacável com o lado sombrio, tortuoso e patético da natureza humana. É como se ele fosse um Dalton Trevisan do Lago Norte ou um Freud de Araxá a rastrear as ridicularias, as perfídias, as mesquinharias e as infâmias nossas de cada dia. O método de captação é o de um repórter aparentemente distraído, mas armado de radares extremamente sensíveis para os desejos inconfessáveis, as dissimulações e o teatro da crueldade. // No poema intitulado Argumento, ele simplesmente escreve: “Mas se todos fazem.”. Parece algo de uma trivialidade inominável, mas o fato é que versinhos como esse ficam muito tempo depois da leitura. É o próprio Chico quem fornece a chave para entrar e decifrar a sua poesia: “Quer ver? Ouça”. O retrato que se depreende dos poemas não é dos mais lisonjeiros para a espécie humana.” (...)
SEVERINO FRANCISCO, in Crônica da Cidade. Correio Braziliense, 6 de abril de 2015, p. 24.
Fragmento da entrevista"Da margem ao centro da poesia" com Francisco Alvim – prêmios Jabuti 1981 e 1988 — na revista campusreporter, Ano II, N. 18, 2016, p. 16-21. Edição da Faculdade de Comunicação, Universidade de Brasília.
Foto: Bernardo Costa
Como são seus insights?
Veja, outro dia estava caminhando aqui pela rua no Lago Norte [de Brasília, onde o poeta reside ] e ouvi uma pessoa dizendo algo extraordinariamente banal, pelo telefone celular. Aquilo era casual, mas foi dito com uma violência que me reverberar. Se isso tem um sentido poético, eu anoto, inclusive, por isso, comecei a andar com um caderninho nessas caminhadas, para reparar nessas vozes e fazer anotações. Tanto as vozes dos anônimos como as minhas próprias.
ALVIM, Francisco. Passatempo. Rio de Janeiro: Coleção Frenesi, 1974. 82 p. ilus.
autogr. Ex. bibl. Antonio Miranda
U M - P O E T A - D E - M A N S A R D A
Alguém tenta inutilmente advertir gritando em azul
que nádegas irónicas se divertem em contemplá-lo
No mar de suplementos literários não lidos —
de onde vez por outra emerge longínqua e espaçada
a voz ou o espelho da voz do imenso poeta —
sobrenada o gesto prosaico do personagem de Arezzo
Os momentos aqui dentro
são bastante iguais aos de lá fora:
o mesmo feltro de angústia
que o escorregadio corredor do tempo
vai deixando na sola dos pés na palma das mãos
daqueles que, como ele, sérias restrições fazem à morte
mas sem ela perderiam certamente
o que todo mundo chama (à falta de algo melhor)
de o encanto da vida
Briga
Eu vou agüentar
Eu sou mais forte porque
sei que ele é mais fraco
Aí ele entrou no banheiro
tomou banho
e saiu de novo pra rua
Não se meta na minha vida
enquanto você falar pra eu não fazer
eu faço
Quanto mais você fala
mais eu faço
Saio daqui todo dia
às onze da noite
Não vou bater nele
se eu der um tapa
ele cai
Não é justo a gente viver
eternamente se sacrificando
tem uns três anos que estou nessa
dois empregos
já operei do coração
Devia ser um exemplo um estímulo
Já vi que não sou
sou a derrota
Um dos dois tem que ficar
Quem vai cuidar dos meninos?
Se ele ficar doente
eu fico boa
Deus vai me ajudar
vai me dar coragem
O povo já fala
o homem da casa sou eu
Não deixa ele saber
Ele vai virar bi
Eu não falei nada
As mãos de Deus
Morreu na explosão
Me deixou sozinha
Chovia fazia sol
a gente sempre em casa
As pessoas comentavam
Que vida mais gostosinha
a de vocês
Dei sim, dei tudo
só para ele
Hoje, por grana,
pra todos)
Não roubo, não mato
mesmo assim me pergunto
se não faço algo de
errado
Irani, manda Gilson embora
Eu mando
Mas êle não vai
Descartável
Vontade de me jogar fora
Argumento
Mas se todos fazem
Ventura
A Fernando Reis
Corro. No deserto
líquidos longes e pertos
Palavra do pó, limalha
ranhura do olhar cego
O sol com brilho de lua
apaga-se em desmemoria
Pedra sedenta o poente
da luz que tudo sente
Rasga o ar sua túnica
de seda e romã - este sangue
Aventura humana e dura:
a nenhuma aventura
De O SOL DOS CEGOS
Rio de Janeiro: 1968
O RITO
Na calçada o rito
se dispõe concreto:
respiro ou aspiro
o hálito discreto
que exalam os mortos
inconfessos
Permanentemente
sobre as avenidas
um grito inaudível —
indício seguro
do terrível equívoco
Porém como ouvi-lo?
Nada nos restringe
nem sequer o grito
tudo se dissolve
nas lindes do rito
(Soletrar os signos
que contém o rito
para destruí-lo
ou reproduzi-lo?)
PAISAGEM
O telefone arqueja sobre a mesa
giram os cataventos na colina
surgem nucas do fundo de gavetas
recobrem-se de relva as piscinas
Minha gravata pelo céu adeja
ao embalo desta brisa vespertina
Diluiu-se no ar a única defesa
interposta entre o canteiro e a usina
Ainda está gravado no lajedo
(rastro de serpente) a queda do irmão
ou um outro gasto travesti do medo
E sobre o casario um astro míope
parece contemplar a sucessão
infinita de enganos que amor move
UM HOMEM
De regresso ao mundo e a meu corpo
As estradas já não anoitecem à sombra de meus gestos
nem meu rastro lhes imprime qualquer destino
Sou a água em cuja pele os astros se detêm
A pedra que conforma o bojo das montanhas
O vôo dos ares
De FRANCISCO ALVIM / ZUCA SARDANA
POEMAS
Introducción y traducción de
Abelardo Sánchez León
Lima: Centro de Estudios Brasileños, 1978
Luz
Em cima da cômoda
uma lata, dois jarros, alguns objetos
entre eles três antigas estampas
Na mesa duas toalhas dobradas
uma verde, outra azul
um lençol também dobrado livros chaveiro
Sob o braço esquerdo
um caderno de capa preta
Em frente uma cama
cuja cabeceira abriu-se numa grande fenda
Na parede alguns quadros
Um relógio, um copo
De Passatempo (1974)
Quase aposentado
Da janela de meu trabalho
vejo três palmeiras
Entre elas e eu uma rua estreita
uma lâmina de vidro
um parapeito baixo sobre o qual se amontoam fichas
catálogos
embrulhos
As palmeiras talvez tenham a minha idade
Posso dizer-lhes
(como se a mim algum dia houvesse dito)
— Somos moços
vamos ver o que a vida ainda nos reserva
A tarde é uma velha doente, ressentida com o mundo
em cujas veias o sangue tornou-se espesso e difícil
De FRANCISCO ALVIM / ZUCA SARDANA
POEMAS
Introducción y traducción de
Abelardo Sánchez León
Lima: Centro de Estudios Brasileños, 1978
Paisaje
El teléfono arquea sobre la mesa
giran las veletas en la colina
surgen nucas del fondo de las gavetas
se recubren de hierba las albercas
Mi corbata revolotea por el cielo
al compás de esta brisa vespertina
Se diluyó en el aire la única defensa
interpuesta entre la huerta y la usina
Todavía está grabada en las lajas
(rastro de serpiente) la caída del hermano
o un otro gastado disfraz del miedo
Y sobre el caserío un astro miope
parece contemplar la sucesión
infinita de engaños que el amor mueve
De Sol dos cegos
Luz
Encima de la cómoda
una lata, dos jarros, algunos objetos
entre ellos tres antiguas estampas.
En la mesa dos toallas dobladas
una verde, otra azul
también una sábana doblada libras un
llavero
Bajo el brazo izquierdo
un cuaderno de tapa negra
Al frente una cama
cuya cabecera se abrió en una grieta inmensa
En la pared algunos cuadros
Un reloj, un vaso
De Passatempo (1974)
POESIA SEMPRE – Revista Semestral de Poesia. ANO 4 – NÚMERO 7 – JULHO 1996. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 1996. Ex. bibl. Antonio Miranda
Sol de los ciegos
("Sol dos cegos")
1.
En el núcleo del instante
nada nos ve nada vemos
no nos explica lo que somos
lo que seremos
Materia sin sueños — nítida
materia — a él nos atenemos
2.
Soy astro, no soy estrella
mi calor no irradia —
la llama que me calienta
es fría
Soy astro, no soy estrella
mi luz no ilumina —
es lámina con que me desangro
la retina
Traducción de Abelardo Sánchez León
No puedo pensar cada instante de mi vida
en una palabra
No puedo más es lo que me gustaría hacer
Sé que la vida no me vive para ser escrita
me vive para haber vivido
Sé de eso mas es como si en un lago muy calmo
donde la lluvia cayera mansamente
y en cada círculo en el agua otro (el mismo) lago
donde lloviese
Traducción de Abelardo Sánchez León
ASSALTARAM A GRAMÁTICA
Jovens e vivazes, provocadores e inovadores... Alice Ruiz... todos jovenzinhos..., Chacal e Chico Alvim, Cristina César, Paulo Leminski, Wally Salomão... e outros mais, num video imperdível, memorável, enviado por Edson Cruz, do Sambaquis, que recebeu do Giuseppe Zani, via Ricardo Aleixo, que... agora passamos adiante. Vejam e repassem....
COMENTÁRIO SOBRE A SUSPENSÃO DO VÍDEO:
Aqui está um bom exemplo da confusão referente à Lei do Direito Autoral no Brasil... Recebemos este vídeo pela Internet, de um dos personagens do vídeo, pedindo a difusão...
Foi o que fizemos. A produtora entrou com um pedido para o reconhecimento de seus direitos autorais. O vídeo não foi publicado em nosso Portal, apenas fizemos um link, a pedido de um dos poetas. A fonte onde está depositado deve ter suspenso a disponibilização do video até que se resolva a questão. Sem entrar no mérito do recurso da produtora, fica sempre aquela pergunta: em alguma instância os poetas participantes do vídeo vão receber por sua imagem? Mas a questão é outra: quando o Brasil vai adotar o FAIR USE, quando a divulgação for sem fins lucrativos, por interesse estritamente cultural? Fica aqui o link cego para representar o dano à cultura. Sem com isso querer contestar o pleito da produtora, cuja decisão cabe à justiça, nos estreitos, estreitíssimos, espaços da lei vigente, que estava em processo final de discussão para ser reformada e que atualmente está de molho... Uma lei só é boa quando for justa para todos.
Página ampliada e republicada em janeiro de 2009; ampliada e republicada em fevereiro de 2011.
Os poetas Abhay K., Antonio Miranda e Francisco Alvim durante um sarau poético na Embaixada da Índia, Brasília, em julho de 2016.