FERNANDO ABRITTA
mineiro de Cataguases, designer pela UEMG, voluntário fundador do Comité para Democratização da Informática em Juiz de Fora, trabalha com códigos experimentais de comunicação tendo participado do Grupo 13 no no Grupo Rio-RJ (1971); na “Expoética” do Rio (1973), de Natal (1977) e de Cataguases (1980) nos jornais alternativos "TOTEM" e "TABU" de Cataguases (1975 a 1977) e "DE FATO" de Belo Horizonte (1977), no jornal "A REPÚBLICA” de Natal(1978). Expôs em Belo Horizonte em 1976 e 1977, na POSTFOLK 1978 em Bozeman-Montana USA e na ARTE DE RUA em Brusque, Santa Catarina (1978). Em 1986 teve conto premiado em concurso promiado pela TELEMIG.
ABRITTA, Fernando. umÁrvore. Juz de Fora: FUNALFA, 2010. 112 p. 14,5x20 cm. ilus. Prefácio de Joaquim Branco. ISBN 978-85-7878-019-7 Inclui um mini CD com o texto e imagens do livro. Col. A.M.
Examinemos o livro a partir do título, que acredito seja a última coisa que um autor cria ao trabalhar sua obra. Arrematada a última página, vem a indagação: que nome darei à coisa? Quando deparei com o título do livro - umArvore - não consegui ler. Tive que ver. A forma encontrada pelo autor leva o leitor a um impasse que o tira do verbivocal e o leva ao verbivisual: o artigo indefinido descostura a fala e o sinal proparoxítono completa a vedação. Portanto, partimos de um título-logotipo. Aí começa a viagem. Joaquim Branco
"Li umÁrvore com carinho e com a devoção que devemos à poesia, arte maior. Você conseguiu algo invejável (eu invejo, aquela inveja saudável, de amigos): construir um poema narrativo, que é ao mesmo tempo lírico, histórico (épico) e dramático... E falando de um assunto que, sinceramente, poucas vezes vi bem resolvido, a inserção de preocupações sociais, ecológicas e políticas, sem em momento algum abandonar o discurso poético, esse sim, com a sua capacidade de incendiar as imaginações".
Luiz Ruffato
Canto zero
No meio do vale
uma árvore
só
beirando a estrada
cercada
de capim
braquiária invasora
a árvore
resiste
umárvore
sentinela plantada
cavalgando ventos
barrando águas
tempestades
florindo
frutificando
semeando
No meio do vale
umárvore
guerreira avançada
ao fundo
nas grotas
nas dobras dos morros
muitas outras
apertadas
disputando sol e solo
contidas
por
arame farpado foices e fogo
esperam
olhando o vale
os bois
a erva invasora
cobiçando
Umárvore
parada plantada
enraizada
insiste na florada
cada fruto uma arma
sementes soldados
: largar raízes
teimando tentando dementes insistentes
No meio do vale
umárvore
r existe.
Canto XII
? Uma árvore quanto dura
quanto vive uma árvore ?
Uma vida vive uma árvore
quando não é abatida
cortada queimada
? E uma vida de uma árvore
quantas vidas humanas é ?
Dez vidas humanas uma árvore vive
o dobro talvez .
? quem garante esse dado
esta informação quem tem ?
se árvores não contam tempo
nem cantam suas vivências
mil anos uma árvore vive
se a terra que a prende,
a sustenta,
mil anos uma árvore vive
se seu solo é adubado
com muitas folhas e galhos velhos
irrigada com chuvas
orvalhos algum fio de água
- pequeno que seja -
assim mesmo sua sede matará
por mil anos
? quem conta esta notícia
se árvores não contam
suas floradas ?
os pássaros que ela abriga
com seus pequenos ninhos
não poderiam
vez que suas vidas
são menores q eles mesmos
borboletas que quando ovos
suas folhas protegeram
quando larvas alimentaram
não poderiam garantir
pois são vidas diminutas
perto dos séculos que
árvore vive
? quem dirá
idade de árvore ?
os homens
com suas máquinas
que partem o tempo
em mínimas frações
como poderiam se
não estiveram presentes
ao germinar da semente
nem presenciaram o brilho
da primeira folha
nem viram a luta por
uma fração de sol
nem se assustaram com
os apuros que uma
fragilidade verde
sofre em meio
à mata de
velhas árvores
jogando folhas
frutos galhos
nem se assustaram com
tantos animais
pisando
e insetos vorazes
ou famintos
ruminantes
e melhor seria
que homens nunca
a vissem
pois que têm máquinas
que cortam troncos destroem destroem destroem
e tem terrível fogo roubado dos raios e queimam
queimam queimam
?e daí:
idade de árvore
quem dirá ?
?: uma árvore quanto dura
quanto vive uma ?
uma vida vive uma árvore
quando não é abatida
cortada queimada
? e quantas árvores há
sobreviventes à sua maior idade
que possam parametrisar
este dado ?
qual sobrou em uma longa vida
? ao gume do machado
? ao fogo da queimada
? ao corte da serra
? às mudanças no seu ambiente
para agora
nos dizer
quantos anos uma árvore ?
Canto AA
?quem
me curtiu esta pele que visto
e sofreu as dores que a mim não chegaram
? quem
me deixou cabelos revoltos espetados
e este génio ruim agressivo
? quem
me fez o que sou
? onde
a herança daqueles que me fizeram
se aninha em minha pele
como graça ou desgraça
e me faz ser
? donde
esta falta de lugar
desassossego cego
fome de tudo
me vem ?
“Musa & Cia”, de Fernando Abritta, é uma versão político-pop do mitológico incorporado ao consumismo, em um poema em cartão (fase da mail art, arte postal ou arte-correio)
Extraído de
BRANCO, Joaquim. TOTEM e as vanguardas poéticas dos anos 1960/70. Cataguases,
MG: FUNCOC – Fundação Comunitária Educacional de Cataguases, 2013. 166 p. 15x21 cm. Capa: Fernando Abritta. Reimpressão da edição de 2009. Texto a partir de uma tese de doutoramento defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em fase já madura do autor que verteu sua experiência de criador e estudioso das nossas vanguardas no campo da poesia experimental.
Página publicada em maio de 2013
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