SÍMILES
A clausura das palavras em seu estado dicionário,
a solidão dos cemitérios quando não há enterros,
o silêncio das igrejas e monastérios,
a desolação das ruas quando faz frio e é noite,
o sono do trabalhador que descansa do que faz...
Tudo lembra a paz do serviço público após o expediente,
o silêncio completo de suas salas com ar-condicionado
[desligado.
DESORIENTAÇÃO
Não me fale mais no pós-moderno.
Não quero saber se há ligação
entre um microcomputador
e um sex shop.
Ora, deixe haver.
Se a massa consumista é melancólica
(posto que fascinada),
deixe ser.
Assim, você acaba por me deixar mais niilista
e, ainda que mal possa perguntar:
há mais alguma novidade no ar,
além desta folhinha que aprendeu a surfar?
Não ligue para os filósofos,
você é muito sensível.
WILDIANA
Não quero ver no teu rosto a cor do desprezo,
Uma expressão de maldade onde havia alegria.
Tu não suportarás a idéia de ter uma alma feia,
nem serias completamente feliz...
Ó, Doriana de olhar gris, este é o bem que
[eu sempre te quis.
MEU REINO POR UM CAVALO...
...alado:
a vida inteira só fiz
castelos no ar.
TERMODINÂMICA
Nada vem de baixo.
Só teu hálito (lavas).
Nada embaixo treme.
Só teu corpo (termas)
Nada mais sustentas sobre tuas pernas,
só meu corpo e meu karma
nessa escala Kelvin
DE VOLTA A DE VOLTA A CASA PATERNA
Esta sentença tem um gosto de epígrafe
e serve tão bem ao meu estado d’alma...
O meu relógio parou com os ponteiros andando...
De repente a vida não segue...
pararam todos os relógios?
É isto:
Hoje não estou aqui:
Ontem sim, estive lá.
E TUDO O QUE HÁ ME FAZ ENGANAR
Como na argamassa o tijolo, equilibrista,
a folha que cai na massa de ar
falso surfista...
Se me abro, paredes.
Se me fecho, janelas.
ESTÂNCIA Nº. 1
Bastou a indecisão de uma vírgula
para que se perdesse o elo entre as palavras
e aí, por séculos e séculos
só se ouviu o tique taque nervoso do meu relógio
O GRANDE HOTEL
Esse Grande Hotel dos Viajantes
em outros tempos viu dias melhores.
Tinha janelas de vidro, porteiro de suíças
como o San Mareno da América
e o menu era em francês
Para onde foram levados seus tapetes vermelhos e caros ?
(o gerente vestia um príncipe Alberto)
a sua chaise longue.
Eu que nunca estive ali posso imaginar
que seu vasto salão de festas abrigava um violoncelo
e um velho piano de cauda para distrair os hospedes.
Que gosto clássico nos seus móveis de pinho de riga!
Suas linhas arrojadas eram um cartão postal.
Nada direi de sua cozinha fina que tinha uma carta de vinhos,
nem dos notáveis candelabros , sua clientela elegante e culta.
Mas a enorme fachada invocava valsas de Strauss e carruagens.
Esse Grande Hotel já foi tão belo...
mas uma fada má que se hospedou ali numa noite feia
pra seu esporte o transformou num monturo.
(De Símiles)