EDGAR MATA
Se para muitos críticos a poesia Simbolista, no Brasil, limitou-se aos nomes de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens – e, quando raras exceções, a Eduardo Guimaraens e Emiliano Perneta -, a figura enigmática de Edgar Mata (1878-1907) nos surge causando incômodo acerca dessas redutivas percepções. É fato que o mineiro nascido na então Vila Rica – atual Ouro Preto – nada deixou de organizado ou publicado, restando somente os códices de seus versos, mas também é fato que, apesar disso, a sua memória, entre escritores simbolistas e até modernistas (Andrade Muricy, em seu Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, confessa-nos que foi Carlos Drummond de Andrade quem o atentou para a rica obra desse autor), sempre foi cultuada; ora, pertencente ao grupo “Jardineiros do Ideal”, foi, segundo Eduardo Frieiro (também poeta desse grupo simbolista), o maior deles, chegando a ser nomeado de “o nosso Verlaine” por José Afonso Mendonça, como destacou Andrade Muricy.
Em 1978, Cilene Cunha de Souza reuniu os poemas de Edgar Mata no livro “A Obra Poética de Edgar Mata”, porém, não escapando do sofrimento com a má qualidade deixada pelos códices, que demonstram irregularidades gramaticais e de pontuação, já que são, na verdade, cópias (e, às vezes, cópias de cópias) dos originais deixados pelo poeta.
Veja a biografia completa em:
http://www.mallarmargens.com/2013/12/o-caso-de-edgar-mata-no-simbolismo.html
CANÇÃO
Ao cair da tarde, pelos montes quedos,
Alma de Nirvana soluçando mágoas,
Vou ouvindo os tristes, vesperais segredos
Que pelas ravinas vão dizendo as águas.
Serras à distância, desmaiando as cores
Num delíquio manso de quem vai morrendo...
Chora o Outono e há muito não brotam flores,
Caem folhas mortas amarelecendo...
Quanta dor esparsa pela etérea altura!
Que soluço imenso no infinito vaga!
Morre o sol cansado; sonhadora e pura
Sobe a Lua, a monja da cerúlea Plaga.
Ah! pelo crepúsculo, tenho poentes n'Alma
Roxos de saudade que me dilacera.
Nem o amor eterno que o Soluço acalma,
Nem uma esperança que me fale - Espera -
E o teu rosto surge para mais magoar-me
No horizonte antigo da saudade extrema...
Tu, que nunca e nunca poderás amar-me,
Tu, a nota branca desse meu poema.
Pela merencória evocação dorida
Desse sentimento que me traz magoado
Sinto-te a meu lado, virginal, vestida
De cetins e rendas para o meu noivado.
Lá nos céus distantes, lá nos céus benditos,
Altar-mor da grande Catedral dos Sonhos,
Tudo se prepara por estranhos ritos,
Filha, para os nossos Esponsais risonhos.
E os teus olhos negros, Siderais, dolentes,
Repousando em meus aniquilados olhos,
São faróis acesos, são faróis ardentes
Clareando mares e afastando escolhos.
Falas-me baixinho como que em segredo
Do País do Sonho, de Quimera e luzes.
Eu te escuto as vozes, mas do meu degredo,
Só contemplo esguios os perfis das cruzes.
Sinto-te o perfume do cabelo umbroso,
Florestal aroma que me vem dos longes
Da montanha adusta onde, ao luar formoso,
Como ascetas vagam legendários monges.
Os teus lábios feitos de ideais orientes,
Das manhãs de Maio, das manhãs radiosas,
Vêm poisas agora sobre os meus dolentes
Lábios, onde há cores vesperais, saudosas.
E eu sempre à espera de que sobre a nave
Venha o Padre para me dizer - é tua -
Na floresta escura já se escuta uma ave,
No horizonte imenso vai morrendo a Lua...
FÉRETRO DO SONHO
Passa um féretro leve, carregado
Por borboletas brancas como os lírios;
Da luz dos pirilampos - áureos círios -
Vai o pequeno esquife iluminado.
A lua chora um pranto magoado,
Pranto talvez de siderais martírios
- Monja do eterno claustro dos Empíreos,
Monja que traz o coração roxeado.
E o esquife passa. E nele, morto, dorme
Um sonho meu, um sonho multiforme,
Que sucumbiu nos gelos do Nirvana.
Amortalhado por neblinas vagas,
Vai-se elevando às luminosas plagas,
Longe, bem longe da Paixão humana.
OUVI-ME, IRMÃOS
Aos que me entendem
Ouvi-me, Irmãos: eu sou o mais tristonho
Habitador das Trapas e Conventos;
Trago um burel em que se escondem bentos,
Sagrados breves de um solene sonho.
Todo o meu ser em contrições deponho
Num grande altar, ante uns perfis nevoentos;
Nem mesmo sabe o meu olhar bisonho
Se altar de sonhos ou desalentos...
Seu que na Terra ando cantando à Lua...
Que as portas se abrem sepulcrais dos poentes,
Por onde, em brumas, a visão flutua.
No grande oceano eu já vislumbro escolhos,
Quando eu cerrar, agonizante, os dentes,
Ouvi-me, Irmãos: vinde fechar-me os olhos.
ESTALACTITE
A gota vagarosa,
Infiltrada no dorso hirsuto da montanha,
Atravessa da gruta a abóbada porosa
E forma lentamente incrustação estranha.
Também na alma humana
A lágrima cruel, caindo dia a dia,
A lágrima que gera a negra dor insana
Forma a Estalactite enorme da agonia.
FÉRETRO DO SONHO
Passa um féretro leve, carregado
Por borboletas brancas como os lírios;
Da luz dos pirilampos - áureos círios -
Vai o pequeno esquife iluminado.
A lua chora um pranto magoado,
Pranto talvez de siderais martírios
- Monja do eterno claustro dos Empíreos,
Monja que traz o coração roxeado.
E o esquife passa. E nele, morto, dorme
Um sonho meu, um sonho multiforme,
Que sucumbiu nos gelos do Nirvana.
Amortalhado por neblinas vagas,
Vai-se elevando às luminosas plagas,
Longe, bem longe da Paixão humana.
A GARÇA
Na grande paz da noite a garça branca cisma,
entre os velhos juncais do paludoso lago,
embebida num sonho etereamente vago
— sonolência do luar que na amplidão se abisma.
E quem sabe se da ave a alma não guarda um prisma
de estranhas emoções,, de redolente afago,
onde se decompões, num grande íris pressago,
de mortas sensações um doloroso crisma?
E a velha garça exul cisma na noite aziaga;
e que espirais de sonho e que tremendo abismo
sua alma lhe revela, inconsciente e vaga!
Porém nada perturba o pávido mutismo;
e a ave, que a saudade imponderada alaga,
do triste luar contempla o amplo sonambulismo
------------------------------
Página publicada em junho de 2020
|