DOMINGOS PAOLIELO
Domingos Paoliello (Muzambinho, 23 de dezembro de 1925 — Jundiaí, 14 de abril de 2001) foi um economista, tradutor e poeta brasileiro.
Era filho de Camilo de Lellis Paoliello e de Eponina Magalhães Navarro Paoliello (neta do segundo Barão de Cabo Verde), irmão de Adhemar Paoliello, de Greenhalg Parnaíba Paoliello, sobrinho materno do grande poeta mineiro, Pedro Saturnino Vieira de Magalhães e primo em 1º grau da, também poetisa, Oneyda Paoliello Alvarenga - patronesse da Discoteca do Centro Cultural São Paulo, a "Discoteca Oneyda Alvarenga".
Fez seus estudos preliminares no Liceu Municipal de Muzambinho, instituição criada por seu avô materno, o Cel, Francisco Navarro de Moraes Salles. Graduou-se em economia, atuando profissionalmente nessa área, na Caixa Econômica Federal.
Amante das línguas, era profundo conhecedor de alemão, inglês, francês e japonês, havendo composto, em caráter privado, também nesses idiomas. Foi tradutor de alemão da revista Humbold. Grande admirador da música erudita, tinha nela a sua complacência.
Residiu, por quase toda a sua vida, em Jundiaí.
Era membro do Clube de Poesia de São Paulo, do Pen Club de São Paulo - 1968 e da Academia Jundiaiense de Letras - 1985, cujo patrono da cadeira de numero 25, daquela Academia, é o seu tio materno, o poeta Pedro Saturnino Vieira de Magalhães.
Livros publicados: Penumbra Murmurante – 1951; Caminho de Homem – 1952; Poemas do Limbo – 1956; Poemas Inauguraes – 1957; Batedores ao Vento – 1967; Secreto Exame – 1979; Poemas de Sazão – 1980.
Biografia: Wikipedia
CAMPOS, Milton de Godoy. Antologia poética da Geração 45. São Paulo:
Clube de Poesia, 1966. 207 p. 16 x 23 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
TRAJETÓRIA
Da murmurante penumbra
que me envolve, emerjo e sigo
o meu caminho de homem.
A luz me fere e deslumbra:
seus dioramas persigo
sombras de novo me comem.
O contrabando prático
de turvo ou claro tecido
molhado de sangue cálido.
Pobre de bens por vir, fico
de bens perdidos, vencido
tombo entre escombros e pálido
em frente ao país antigo
vislumbro o país futuro
que a musa alça aos espaços...
Do limbo erguendo-me sigo
transpondo o mais alto muro
levando a musa nos braços.
ASPIRAÇÃO
Ó alto e isento Azul
desta cruel manhã de abril
a nada mais aspiro
que tua altura e isenção
Jamais a lágrima frágil
o suspiro ridículo
o soluço infecundo
Nenhum consolo
a não ser o da certeza acerba
de mais alto e puro
desespero.
REVISTA DE POESIA E CRÍTICA No. 6 – Brasília – São Paulo – Rio -
Setembro 1979 Diretor José Jezer de Oliveira. 120 p.
Ex. doação do livreiro Brito – DF
SEGUNDA
— a —
Esquivo ser
estranho ser,
carne macia de ternura
andar de desamparo,
pelo raro e raro esplendor nos olhos fulvos
de fera enjaulada em cimento.
Sonho solto além dos cimos
olhar ausente desfeito em teoremas
figuras, números, metafísicas
e de repente se faz puro facho de luz,
torna-se tocha, arbusto ardente
torvelinho de amor.
Esquivo ser
estranho ser
mais densos que o terror das trevas
o tremor das florestas,
mais lóbrego que as grutas.
Carne torva de angústia que de súbito
se adelgaça em halos
se esvoaça em túnicas,
mais inefável que aves, mais que o ar e a luz.
E o mar chora em seus olhos o fragor dos dilúvios.
— b —
Sobre o pitecantropo desaba o furor do Gênese
e o troglodita em sua gruta esgaravata
na pedra o dinossauro
insinua e fixa o movimento
de leves chifres e patas
e na volúpia das cores já se exulta.
Do conluio de Eva e da Serpente se precipita a história
Caim espreita as ovelhas de Abel
e por um prato de lentilhas Esaú
cede a Jacó a primogenitura.
José é vendido pelos seus irmãos
e resista no Egito à sanha lúbrica
da mulher de Putifar
e vem o manino Moisés sobre as águas do Nilo
e vêm as sete pragas, a viagem
através dos desertos até Canaã
e vêm os juízes, os reis e vem Davi
dançando com sua harpa em torno à arca.
Salomão constrói o templo
Jonas viaja no ventre da baleia
os profetas vociferam e a cabeça de Batista
numa bandeja flutua aos pés de Salomé...
Pelas estradas o nazareno
dá vista ao cega, os demônios expulsa
levanta Lázaro da tumba
e sobre a multidão derrama a doçura e a esperança
de inauditas palavras inefáveis.
E vem a agonia no horto
o beijo de Judas
a negação de Pedro
e Pilatos que lavas as neutras mãos
e a tortura na cruz
e as trevas que desabam sobre o mundo.
E rolam as cabeças em Jerusalém sobre as pedras
do templo
jorra o sangue dos mártires
jorra o sangue romano sob o tacão dos bárbaros
rolam novas cabeças sob a guilhotina
jorra o sangue dos judeus nas valas da Alemanha e
sobre as neves da Rússia
e em Hiroshima as faces se arreganham
sob o terror atômico.
E dia após dia ao clarão das metralhas
o sangue jorra profusos sobre o mundo.
— c —
Sentado à sua mesa o poeta inerme
contempla o antúrio
o menino correndo atrás da bola colorida
ouve a mulher que o chama para o almoço
ergue-se
e em breve partirá
no dia pardo
para o trabalho triste e passo tardo.
QUARTA
Como recuperara a perdida unidade,
não a unidade exterior
totalitária
de triturado grão de trigo em massa inerme,
não a cinzenta unidade coletiva
nem a indistinta fusão num vago lodo,
mas unidade anterior
pessoal e profunda
em cada um de nós,
o inconfundível rosto que se recompõe
em cada pedaço de partido espelho?
Os cansados olhos apascento
na verde ondulação da serra do Japi
e o silencioso horizonte
nada me responde.
No sofá estendido os olhos cerro
e tremeluzindo vou em penumbroso rio
aos arvoredos da infância
que se disfarça e esconde,
em suaves negaças,
a face do menino em seu segredo
em seu sorriso quedo e seu brinquedo
sua arapuca e sua pomba
seu doce dormitar à sombra da mangueira
sua falta de jeito e seu rubor
diante da moça em muxoxo.
Ó meu menino em mim, penhor
dessa adulta doçura, desse
ininterrupto afago ao desfilar dos dias sem
sentido,
sem outro sentido que o de preservar
em sua trama de seda e sordidez
a face do menino e seu segredo.
E os campos do Japi anoitecendo
reencontro no que sou o que sou mesmo.
*
Página ampliada e republicada em fevereiro de 2023
Página publicada em agosto de 2020
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