João Scortecci,  Lygia Fagundes Telles, 
                      Cicero Acaiaba,  Antonio Cassimoro Silva (sentados), 
                      na homenagem na UBE  aos 80 anos do poeta. 
                        
                      Fonte: www.joao.scortecci.nom.br 
                        
                      CÍCERO  ACAIABA 
                        
                        
                      Nasceu  em Cambuquira, Minas Gerais, em 1925. Poeta, contista, novelista, jornalista,  professor, presidente da Academia Varginhense de Ciências, Letras e Artes  (1971/79), membro da UBESP, prêmio do Concurso Literário Luso-Brasileiro,  Portugal (1967). 
                        
                      Fonte:COUTINHO,  Afrânio; SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de literatura brasileira. São  Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Academia  Brasileira de Letras, 2001: 2v.  
                        
                        
                      O ANJO 
                        
                      Vem até mim 
                      silencioso 
                      olhar do anjo. 
                      E fico imóvel 
                      para seu pouso 
                      e sua posse. 
                      Ele caminha, 
                      secreta nuvem. 
                      Estou calado 
                      até que roce 
                      a alma sozinha 
                      a alma que espera 
                      vê-lo a meu lado. 
                      Mas, invisível, 
                      o seu sorriso  
                      é apenas friso 
                      no azul da face. 
                      Então o vento 
                      por um momento 
                      passa nos lábios. 
                      E o pensamento 
                      em mudo impasse 
                      repete os versos 
                      como se o anjo 
                      por mim falasse. 
                        
                        
                        
                      SONETOS. v.1.Jaboatão dos Guararapes: Editora  Guararapes EGM, s.d.  154 p.  16,5 x 11       cm.   ilus. col.  Editor Edson Guedes de  Moraes. Inclui 148 sonetos de uma centena de poetas brasileiros e  portugueses.  Ex. bibl. Antonio Miranda 
                    
                     
                    
                     
                     
                        
                        
                      De  
                      A  ÚLTIMA ELEGIA  
                      E 30  NOTURNOS DE MINAS 
                      São Paulo: João  Scorteci Editor, 1987.* 
                        
                        
                      A PRIMEIRA ELEGIA 
                        
                      Era um córrego de passarinhos 
                      e nuvens. 
                      Tinha a mão de mármore 
                      crispada como árvore 
                      seca. 
                      Sonhava-se de infância e morrer 
                      bastante. 
                      Tinha o silêncio da água 
                      vasando o sono da pedra. 
                      Sob o nimbo da tarde 
                      à margem de um caminho 
                      frágeis fisionomias; 
                      e nas frestas dos dedos 
                      cresciam relva e tempo. 
                      Era a primeira elegia. 
                        
                        
                      ELEGIA (V) 
                        
                      O pássaro 
                      não morre: 
                      muda as penas 
                      do canto, 
                      e voa 
                      em surdina 
                      o céu subterrâneo. 
                        
                        
                      ELEGIA (IX) 
                        
                      Contemplou o dia murchando 
                      Recolhido em sua própria sombra, 
                      e o que via na fímbria lívida das montanhas 
                      era o pulsar da saudade. Ah, como se morre 
                      com tantas nuvens ricas de sol, com tanto  pássaro e no espaço 
                      aberto de par em par até o horizonte, 
                      com esse azul de pétala orvalhada! 
                      Mas de repente as árvores ficam imóveis, 
                      como um rio de branco sussurro espraia-se o  rebanho, 
                      e bem longe se ouve na capela 
                      a gangorra dos sinos. 
                      Tudo se resumia no silêncio 
                      de uma estrela maior fincada na areia do  céu. 
                      A tarde morreu de manso, 
                      tão de manso 
                      o vendo acende as luzes com tênue sopro. 
                        
                        
                      ELEGIA (XVIII) 
                        
                      Morrer é isto: 
                        
                      um esquecimento profundo 
                      de que havia o céu, 
                      e talvez tenha havido o mundo. 
                        
                        
                      ELEGIA (XXI) 
                        
                      A tarde é bom de se morrer: 
                      as cores embranquecendo, 
                      os sons não mais que um aceno, 
                      e longe 
                      a primeira estrela 
                      nascida das sombras. 
                        
                        
                      ELEGIA (XXVI) 
                        
                      O quarto: dorme a insônia do defunto. 
                      Na janela impassível a cortina, 
                      roca do vento. Sob a cama, junto 
                      a sapatos cansados, traça a urina 
                      recente nódoa escura. Quarto proibido, 
                      trancado sempre à espera do seu dono; 
                      que às vezes volta à noite impressentido 
                      e arrasta sombra t´úmidas de sono. 
                      Na parede de cal muito mais fria 
                      e branca, sonha em cômoda moldura 
                      a longínqua, feliz fotografia. 
                      E estendida no assoalho a tessitura 
                      do tapete empoeirado — qual lagarto 
                      vigiando o medo alma servil do quarto. 
                        
                        
                      NOTURNO (XII) 
                        
                      O trem atravessava a noite, 
                      Estremecia seu doído longo apito 
                      o coração menino. 
                      Os móveis do quarto estreito 
                      Cresciam no silêncio úmido da casa 
                      e eram fantasmas 
                      só rosto 
                      à luz difusa das vidraças. 
                      O único afago 
                      Vinha em remanso de um sono cansado, 
                      a nesga de lua bordada entre nuvens, 
                      e o canto dos galos 
                      — degraus de uma escada 
                      subindo até a madrugada. 
                        
                        
                      NOTURNO (XIV) 
                        
                      No quarto de paredes azuis 
                      a noite se enreda de surpresa; 
                      o espelho é a única luz que resiste na  penumbra, 
                      e decerto meus olhos pensativos 
                      vão também escurecendo devagar. 
                      Quando dou conta de mim estou em outro  tempo, 
                      no reino encantado de outrora, 
                      e a sombra de uma árvore 
                      tão doce quanto a saudade materna 
                      se alonga em meu corpo, protetora. 
                        
                        
                      *Extraídos  de um exemplar do livro  
                        
                  Página publicada em  janeiro de 2008. Ampliada em julho de 2018  |