CELINA FERREIRA
Nasceu em Cataguases, Minas Gerais. Reside no Rio de Janeiro.
Fonte: http://joaquimbranco.blogspot.com/
“Não há malabarismos óticos dentro dos versos e muito menos o espetáculo de palavras com picadeiro. Mas esta estabilidade também procede do temperamento da autora, e em Celina Ferreira, já pela própria temática, já pelo seu modo de ser, há razão para esta cadência romântica do verso.” Affonso Romano de Sant´Anna.
“A perspectiva da realidade da morte desponta na atmosfera do sono de Celina Ferreira. Numa espécie de coloração goyesca ela compara seu mundo de iluminação a um “umbral de flores sombrias, que se desata e dorme e adormece quando é dia”. Celina Ferreira renunciou à inspiração diurna. Não teve direito ao ócio, ao abandonar-se das horas. A vida colocou-a numa intensidade de trabalho que tem sido o túmulo de muitos bons poetas. Trabalho que, à margem da elaboração poética, absorve as horas, o tempo, a distância, a disponibilidade. Celina cumpre a tarefa de sua vida comum e cotidiana, com amor e vocação. Reservou-se o subterfúgio do sono como aparelho de fuga. Fuga não ao sentido da alienação e da omissão. Fuga para poder render melhor, espécie de solidão lucrativa.” Walmir Ayala
“Nada apresenta de vacilante ou veleidade, de promessa ou subordinação, de fingimento ou artifício na temática. Celina Ferreira chega a um gabarito onde podia ficar. Não precisa mais crescer para ser grande.” Mauro Mota
SALTO MORAL
Sondar a possibilidade do salto
e a profundidade do
abismo.
Formular o desenho preciso.
Vôo e queda, a mesma dimensão
e
altura.
Vôo e queda recortam no ar
a mesma figura.
Saltar de dentro
de si mesmo
Como quem pula o muro da infância,
A cerca que esconde os
pomares
do mundo e limita o corpo
e seu agreste crescimento. E
restringe
o homem e seu poder.
Saltar para o desconhecido
sem redes
sob o corpo.
O salto moral
Diante de mil trapézios oscilantes
e
luzes e o pavor dilacerante
da platéia. A comovente platéia
da
autopiedade
Saltar
para a verdad
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ESPELHO CONVEXO
Porto Alegre: Editora Movimento; Brasília, INL, 1973.
ESP
O tempo foi destruído
na fina face do espelho.
O ontem virou agora
o amanhã chegou mais cedo.
(Capto imagens
perdidas.
Brilho em pânico,
presa de um cristal
único.)
O tempo foi redimido,
distância não é segredo.
Mas o mistério profundo
é a pátima do espelho.
A MAÇÃ NO ESPELHO
sinto a impressão de vermelho,
compondo a densa maçã,
que, no espelho, é intocável
nesta severa manhã.
Mil espelhos reproduzem
a maçã iluminada.
São mil maçãs a que vejo
por mil faces cobiçada.
Retiro-a da fria côdea
de prata. Resta-me o espelho,
acusando a sua ausência,
no campo, outrora, vermelho.
SONATA EM DÓ MAIOR
PARA UM FLAUTIM
Sozinha, uma fonte,
ao longe, um flautim.
Por que não morrer de amor?
Por que sofrer só de mim?
O espelho do lago
cansou-se de mim.
No estojo frio e sem alma
ficou dormindo um flautim.
Mas a noite desenrola
o seu novelo sem fim...
ESPELHO E FACE
Procuro no espelho
a face remota.
Não aquela que é visível.
A que o vidro não comporta.
Retiro-a, sem medo,
descubro-a, ignota.
Não a face que percebo
em mim mesma, superposta.
Mas imagem lúcida,
clara e luminosa,
que cada dia enterrara
sob a face que está morta.
ESPELHO CONVEXO
Que reino lúcido,
liso e perfeito,
que se aprofunda
na superfície
do meu segredo!
Vejo-me: o duplo
de mim, liberto
no mundo líquido,
água, azulejo.
Move-se o duplo
sou eu que o vejo?
Elfo, no estanho
azul do espelho.
Colo meu rosto
à face esquiva
que me repete,
grave e precisa,
na densa tela
de prata líquida.
Beijo meu beijo
que me hostiliza,
mergulho os olhos
nos olhos duros
que me fustigam.
Além, meu duplo
zomba de mim.
Ri do meu riso
se me duplico
no seu sorriso
cúmplice e afim.
Eros e Anteros,
eu e meu duplo
no mundo, espelho
no mundo, espelho
que não tem fim.
*Extraídos de um exemplar do livro ESPELHO CONVEXO, de Celina Ferreira, gentilmente doado pelo poeta Aricy Curvello, à Biblioteca Nacional de Brasília.
TOTEM 9 - suplemento cultural do jornal Cataguases - setembro 1977. Ex. bibl. Antonio Miranda
Poeta, radialista.
Nasceu em Cataguases, Minas Gerais, Brasil, em 27-09-1928.
Redatora da Raio MEC (Rio de Janeiro, RJ).
Jornalista, redatora e poeta admirada por Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, a autora escreveu para rádio e televisão e, como adora crianças, fez muita literatura infantil, pela qual recebeu o Prêmio de Literatura Infantil do Estado da Guanabara, em 1971, e o Prêmio Brasília de Literatura Infantil e Juvenil, em 1978. Jornalista, redatora e poeta admirada por Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, a autora escreveu para rádio e televisão e, como adora crianças, fez muita literatura infantil, pela qual recebeu o Prêmio de Literatura Infantil do Estado da Guanabara, em 1971, e o Prêmio Brasília de Literatura Infantil e Juvenil, em 1978.
3º. EXERCÍCIO DE SOLIDÃO
Poesia, que razão
me prescreve teu uso,
quando seria tão
melhor outro refúgio?
Poesia, que força
me atrai a teu reino,
quando seria outra
voz a que me empenho
Melhor servir, se fora
de alegria o mandato.
Poesia, que força
vem do teu recado?
Poesia, que grave
domínio consegues.
Descortínio ou trave?
Que peso mais leve!
Poesia, que mais queres,
se a despeito de nada
eu ter, sempre consegues
muito mais de minha alma?
Poesia, eu pretendo
ter chegado ao fim.
Tu vens e inauguras
outra vida em mim!
SÍNTESE
a fome
(câncer sem nome)
o câncer
(nome com fome)
a guerra
(nome com câncer)
o ouro
(nome do câncer)
A SUICIDA
No fundo lago do espelho
atirei-me cada dia.
Mas sempre as águas traziam
a imagem que não morria.
Atirei-me contra o mundo
e não fui despedaçada.
Porém, a face que eu tenho
fica, no mundo, gravada.
Página publicada em janeiro de 2008. |