CARLOS ÁVILA
nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1955; é poeta e jornalista. Publicou, até o momento, três livros de poemas: Aqui & Agora (BH, Edições Dubolso, 1981), Sinal de Menos (Tipografia do Fundo de Ouro Preto, 1989) e Bissexto Sentido (SP, Editora Perspectiva, 1999). Publicou também um livro de ensaios - Poesia Pensada (RJ, 7Letras, 2004) - e duas plaquetes: LOA – aos pequenos lábios (Brasília, Edições Civilização Arcaica, 1999) e Obstáculos (BH, Memória Gráfica, 2004). Está presente em diversas antologias no Brasil e no exterior, entre elas, Nothing the sun could not explain (20 Contemporary Brazilian Poets), publicada nos Estados Unidos, e Brésil: nouvelles générations, publicada pela revista francesa Action Poétique. Foi editor, por quatro anos (1995/98), do Suplemento Literário de Minas Gerais, indicado para o Prêmio Multicultural Estadão (1999). Atualmente, é assessor da Rede Minas de Televisão, para a qual escreveu as videocrônicas e coordenou os videoversos, entre outros trabalhos.
Fonte da biografia e foto: http://asescolhasafectivas.blogspot.com/
“Com um processo criativo que se coloca sob o arco de influência da poesia concreta, Ávila trabalha aqui a relação significante-significado de um modo que assimila outras referências estéticas. (...) O resultado é um poema que dá substância visual a sua “mensagem”, ou seja, em que a espacialidade e a materialidade das palavras cadenciam uma leitura feita de obstáculo em obstáculo.”. Manuel da Costa Pinto
OBSTÁCULOS
Obstáculos
à beleza
de todo tipo
em toda parte
não há país
nem paisagem
a voz não soa
a vida à-toa
obstáculos
à beleza
de todo lado
em todo estado
assassinato
sem assinatura
palavra calada
mera rasura
obstáculos
à beleza
pouco ar
em todo lugar
apenas tédio
gosto médio
ofício sem ossos
oficina do ócio
obstáculos à beleza
obstáculos
obstáculos
(De “Obstáculos”)
POETRY: THE WORD I AM THINKING OF
& não será
a poesia
(femme fatale)
apenas uma palavra
dentro de outra palavra
que não quer dizer nada
& não será
a poesia
(femme publique)
apenas a migalha
dentro de outra migalha:
fogo de palha
& não será
a poesia
(femme de chambre)
apenas o ar assoprado
por um aloprado
no ouvido do olvido
& não será
a poesia
(femme grosse)
apenas o resto
de um almoço indigesto
entre convivas no inferno
?
o que será
(une femme: infâme)
será
(De “Bissexto Sentido”)
BAUDELAIRE SOB O SOL
o sol
(a ser adjetivado:
im-pla-cá-vel)
descorou a capa
de um volume de baudelaire
as flores do mal
(descubro)
não resistem à lenta
violência do sol
(sol de boca-de-sertão
que estorrica o solo?)
também
quem mandou
colocar a estante
nesta posição:
o que estaria baudelaire
(em efígie gráfica)
fazendo no sertão?
se as flores do mal
não suportam o sol
(répondez baudelaire)
resistiriam aos punhais
do óxido e do sal?
(De “Bissexto Sentido”)
NARCISSUS POETICUS
secou
(no vaso
sem água)
mal plantado
numa waste land
(minúscula)
de apartamento sombrio:
como resistir
a pó poeira poluição?
maltratado ex-narciso
à própria sorte abandonado
(rente ao piso)
sem fonte
nem espelho
secou
(só no vaso)
sem suor nem saliva
sem lágrima
que o pudesse salvar
morreu
(fuligem
na alma)
(De “Bissexto Sentido”)
SEM PROFISSÃO
o sol
(fraco e frio)
entre ferragens retorcidas
oxidadas
depois de dias de chuva
(fitos
árvores caídas
lixo por toda parte)
de uma janela
aberta na tarde
sai o som de remington
(movida a lenha)
Um homem sem profissão
tento o impossível:
escrever um poema
a luz
(fraca e fria)
não aquece o seu coração)
AQUI
continuar aqui
apesar de
roendo pedra
comendo amor
(montanhas?
são tão estranhas
acima — impassível
l´azur l´azur l´azur...
na única cidade
com abóbada celeste
abaixo — impossível
vida sem saída
labirintos: look around
the lonely people)
continuar aqui
à beira de
comendo pedra
roendo amor
ÁVILA, Carlos. Bissexto sentido. São Paulo: Perspectiva, 1999. 172 p. (Signos, 25) 15x20,5 cm Capa: Guilherme Mansur Col. A.M. (EA)
“Construção rigorosa sensibilizada pela emoção; uma emoção que se filtra no construto material das palavras (...) O poeta extremou-se. Seu canto-não, desubicando-se, ecoa agora, não sem ironia e negaça lúdica, no “vão do ão”. HAROLDO DE CAMPOS
abraço
(pernas)
a noite
copyright
corponight
(entreabertas)
olhos brilham
vulválvula
pênispenso
estrelas
*
escrevo
versos ou não-versos
apuro palavra & som
no corte da linha
sem quebra de tom
provei de provença a poção
moldei cabeça e coração
o canto dos pássaros ouvi
(quant vey la lauzeta mover...)
mas parece que nada aprendi
ainda persigo a canção
o voo de ventadorn
o ar de amaut
o ah de amor
a cor do som
TÚMULO DO POETA DESCONHECIDO
uma brochura
que mal se sustenta de pé
na biblioteca pública
de uma cidadezinha qualquer
as páginas amareladas
de uma antologia
com trezentos e tantos .
tantos tantos "poetas"
um título
perdido
(muito cedo, muito cedo)
nas prateleiras de um sebo
apenas um nome
(nowhere man)
na babilónica
lista telefónica
numa obscura
repartição pública
(beneficência da língua portuguesa)
sem cura
um bardo bêbado
no fundo do bar
olhando pró nada
e pensando que é o mar
no tumulto da vida - o túmulo:
requiescat in pace
& não volte jamais
Extraído de:
COSTA,Horácio, org. A Palavra poética na América Latina. Avaliação de uma geração. São Paulo: Memorial da América Latina, 1992. 272 p. (Cadernos de Cultura) 14x21 cm Capa: Mario Cafiero. ISBN 85-85373-04-0 Col. A.M.
Poetry: The word I am thinkmg of
& não será
a poesia
(femme fatale)
apenas uma palavra
dentro de outra palavra
que não quer dizer nada
& não será
a poesia
(femme publique)
apenas a migalha
dentro de outra migalha:
fogo de palha
& não será
a poesia
(femme de chambre)
apenas o ar assoprado
por um aloprado
no ouvido do olvido
& não será
a poesia
(femme grosse)
apenas o resto
de um almoço indigesto
entre convivas no inferno
?
o que será
(une femme: infame)
será
Página publicada em janeiro de 2009 - ampliada e republicada em dezembro de 2013.
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