AUGUSTO DE LIMA
(1860-1934)
Antônio Augusto de Lima (Nova Lima, então Congonhas de Sabará, 5 de abril de 1859 — Rio de Janeiro, 22 de abril de 1934) foi um jornalista, poeta, magistrado, jurista, professor e político brasileiro. Governador de Minas Gerais (1891), decidiu a mudança da capital do estado de Ouro Preto para Belo Horizonte. Membro da Academia Brasileira de Letras.
“Depois de uma ou várias fases do parnasianismo “ortodoxo” e poesia científica, o poeta mineiro chegou a representar uma variante raríssima entre as expressões do grupo: a religiosa” Otto Maria Carpeaux
Textos extraídos da obra organizada por Assis Brasil “A Poesia Mineira do Século XX- Antologia” (Rio de Janeiro: Imago, 1998), cedida por Aricy Curvello para a Biblioteca Nacional de Brasília, e alguns sonetos escolhidos de seus livros existentes em bibliotecas virtuais.
Veja também um cartão postal antigo com poema de autor:
http://www.antoniomiranda.com.br/Brasilsempre/augusto_de_lima.html
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTOS EN ESPAÑOL
SERENATA
Plenilúnio de maio em montanhas de Minas!
canta, ao longe, uma flauta e o violoncelo chora.
Perfuma-se o luar nas flores das campinas.
sutiliza-se o aroma em languidez sonora.
Ao doce encantamento azul das cavatinas,
nessas noites de luz mais belas do que a aurora,
as errantes visões das almas peregrinas
vão voando a cantar pela amplidão afora...
E chora o violoncelo e a flauta, ao longe, canta.
Das montanhas, cantando, a névoa se levanta,
banhada de luar, de sonhos, de harmonia.
Com profano rumor, porém, desponta o dia,
e na última porção de névoa transparente
a flauta e o violoncelo expiram lentamente.
O INQUISIDOR
O grande inquisidor escreve à luz de um círio:
Corre de seu tinteiro o sangue do martírio.
Súbito, uma mulher acerca-se da mesa
E prostra-se:”Senhor! Um dia a natureza
bradará por meu filho, a vítima inocente,
que amanhã vai ser posta à morte iniquamente!
Da sentença riscai, com generoso traço,
o confisco, o pregão, o anátema e o baraço;
e mandai demolir a força que abre a cova
à decrépita mãe, à esposa ainda nova
e a três filhos. Senhor, entes que Cristo adora!
A maldição não tisna, é certo, a luz da aurora,
e nem pode manchar a fronte encanecida,
que a tarde da velhice é a aurora da outra vida.
Como Xerxes punindo o mar com ferro em brasa,
em vão buscais cortar a inacessível asa
do pensamento: — o ideal é um lúcido oceano
e uma invencível águia o pensamento humano;
mas, se preciso for, em nome dele abjuro
a razão, a ciência, os astros, o futuro”.
Fez-se solene pausa; e com acento triste
Fala o grande juiz: “Pois bem! mulher, feriste
a fibra paternal do Inquisidor austero;
volta tranqüila ao lar, pois choraste, e não quero
espalhem os clarins da vil maledicência
que a justiça de Deus mais pode e o vão perdôo,
vai na paz de Jesus, por Ele te abençôo;
quanto a teu filho amado, ileso das mais penas,
há de ser, por exemplo, esquartejado apenas.”
(Contemporâneas, 1887)
SANTA MARIA DOS ANJOS
Santa Maria dos Anjos
da capelinha florida,
onde floresce o perdão,
dobrando o sino, convida
os descontentes da vida
a vir chorar na oração.
Santa Maria dos Anjos,
fonte de graças mais puras,
foco do eterno esplendor,
oferece às criaturas,
conforto nas amarguras,
prêmios de glória na dor.
Santa Maria dos Anjos!
lá no recinto se ouvia,
um coro de anjos cantar...
Cantavam: “Santa Maria...”
enquanto Francisco via
aberto o céu sobre o altar.
Santa Maria dos Anjos
a capelinha plantara
em terra santa e feliz.
Foi nela que a loura seara
da cabeleira de Clara
colheu Francisco de Assis.
Santa Maria dos Anjos
fez do seu templo um abrigo,
do seu jardim um trigal;
trigal do divino trigo;
que afasta o eterno castigo
e leva à vida imortal.
Santa Maria dos Anjos,
Mãe de Deus, Nossa Senhora,
da Porciúncula alma e luz;
sê do poeta implora
dos pecadores, agora
e na hora da morte. Amém.
(São Francisco de Assis, 1930)
VOLTA AO PASSADO
Quis rever em memória o santo abrigo
Onde deixei as ilusões dormindo.
"Vou despertá-las", murmurei, partindo,
"E hei de trazê-las outra vez comigo".
Nova e última ilusão. No sítio antigo,
Jardim outrora florescente e lindo,
Já ninguém dorme. Tudo é morto e findo.
Só de cada ilusão resta um jazigo:
Campas sem epitáfio... Agora é tudo
Um cemitério pavoroso e mudo,
Bem que inda de flores se alcatife.
E dos ciprestes na última avenida,
Vejo a última ilusão que me convida,
Martelando nas tábuas de um esquife!
ESPERANÇA E SAUDADE
Sorte falaz a que nos guia a vida!
Por que há de ser tão rápida a ventura,
Que só a amamos quando é já perdida
Ou depende de uma época futura?
O que ao presente, mal nos afigura,
Era esperança, há pouco apetecida,
E uma vez no passado, eis que perdura
Como saudade que não mais se olvida.
Há sempre queixas do atual momento,
E entre as datas se eleva o pensamento,
Como uma ponte de sombrio aspeto.
Em busca da ventura que ignoramos,
Temos saudade ao bem que não gozamos,
Ilusão de ilusões, sonho completo.
FLOR MARINHA
Há nos seus ademanes curvilíneos,
A doce languidez da vaga esquiva.
Seus olhos são dois fúlgidos escrínios
De gemas com que o afeto nos cativa.
Flor das espumas, dos corais sangüíneos,
Nenhum tem de seus lábios a cor viva.
Quanto aos cabelos, meu amor define-os:
"Fios de ébano em onda fugitiva".
Não sou homem do mar, contudo afago
Na alma um doido capricho, um sonho vago,
Um vago sonho singular talvez:
É de um dia, na praia, surpreendê-la,
E unir minha sorte à sorte dela,
Sobre o dorso espumante das marés.
PAISAGEM NOSTÁLGICA
Deixei meu berço por destino incerto,
Mas a paisagem, guardo-a na pupila.
Guardo-a no coração, donde se estila
Toda a essência das lágrimas que verto.
Sons de sino perdidos no deserto...
Campanários da quase oculta Vila...
Serros magoados que a distância anila,
Mais formosos de longe que de perto.
Não vos esquecerei, por me lembrardes,
Enquanto prantear do alto das tardes,
A estrela Vésper que me viu partir.
Do astro do sonho onde minha alma adeja,
Quando colher as asas, só deseja,
No vosso seio maternal dormir.
EVANGELHO E ALCORÃO
Num tom de voz que a piedade ungia,
Falava o padre ao crente do Alcorão,
Que no leito de morte se estorcia:
— "Implora de Jesus a compaixão."
"Deixa Mafoma, ó filho da heresia,
E abraça a sacrossanta religião
Do que morreu por nós..." E concluía:
"Se te queres salvar morre cristão."
Ao filho de Jesus, o moribundo,
Ergueu o olhar esbranquiçado e fundo,
Onde da morte já descia o véu.
Mas logo se estorceu na ânsia extrema
E ao ver da Redenção o triste emblema,
Ruge expirando: "Alá nunca morreu!".
NOSTALGIA PANTEÍSTA
Um dia interrogando o níveo seio
De uma concha voltada contra o ouvido,
Um longínquo rumor, como um gemido
Ouvi plangente e de saudades cheio.
Esse rumor tristíssimo escutei-o;
É a música das ondas, é o bramido
Que ele guarda por tempo indefinido
Das solidões marinhas donde veio.
Homem, concha exilada, igual lamento
Em ti mesmo ouvirás, se ouvido atento
Aos recessos do espírito volveres.
É de saudade esse lamento humano,
De uma vida anterior, pátrio oceano
Da unidade concêntrica dos seres.
O CÉTICO
"Percorro da ciência o labirinto,
Em tudo encontro um eco duvidoso:
Matéria vã, espírito enganoso,
Mentis, tudo é mentira, eu só não minto.
Vejo, é verdade, a vida e a vida sinto,
A caloria, a luz, a dor e o gozo,
A natureza em flor, o sol formoso
E o céu das cores da Aliança, tinto.
Mas quem, senão eu mesmo, vê tudo isto
E quem pode afirmar-me que eu existo,
Visões celestes, velhas nebulosas?"
E em seu crânio a razão desponta e morre,
Como o santelmo fátuo, que discorre
Na solidão das minas tenebrosas.
LIMA, Augusto de. Contemporaneas. Poesias de Augusto de Lima. Prefácio por Theophilo Dias. Rio de Janeiro: Typ. De G. Leuzinger & Filhos, 1887. 175 p. (Contemporaneas) 12x19 cm. Inclui uma “Errata” ao final do volume. Ex. col. Antonio Miranda
SONHO TRANSFORMISTA
(A GASPAR DA SILVA)
O gyro do Ser é vario
do Tempo ao eterno escopro.
O goso de hoje é precário,
e foge-nos como um sopro.
Quem diz que a flor no pedúnculo
não é uma alma a scismar,
e que os brilhos do carbúnculo
não são chammas de um olhar ?
A podridão é antithetica:
crea os vermes e os perfumes,
e na sua treva hermética
palpitam ridentes lumes.
É uma retorta o ossuario,
em que fabricam-se as flores,
o humor frio de um sudário
fazem-se as tintas das cores.
É monótona a existência
antes da Dissolução;
só depois a nossa essência
paira livre na amplidão.
Ou pelo deserto lívido
vai correndo errante, errante...
ou da flor no calyx vivido
se faz perfume fragrante.
Arranquem-me a ardente túnica
da vida agitada e vã:
vejam, minha ambição única
é de ser lyrio amanhã.
Página publicada em janeiro de 2008, por recomendação do poeta Aricy Curvello. Ampliada e republicada em janeiro 2009. Ampliada e republicada em junho de 2014.
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TEXTOS EN ESPAÑOL
AUGUSTO DE LIMA
Antonio Augusto de Lima, N. en Minas Geraes, en 1858. Poeta de cuidadosa forma tendencias científicas, las ha !levado a sus poesías que se distinguen por unir a un hondo lirismo la preocupación filosófica. Figura de relieve dentro de la poesia brasilera, vive actualmente dedicado a politica y representa como diputado a su Estado natal. Pertenece a la Academia Brasilera de Letras.
Obra poética: Contemporaneas, 1887. - Simbolos, 18ü2. - Poesias Completas, 1909.
De
BUSTAMANTE Y BALLIVIÁN, Enrique. Poetas brasileiros (traducción anotada). ROMANTICOS: PARNASIANOS : SYMBOLISTAS : REGIONALES : POETAS NUEVOS. Rio de Janeiro: Emp.Industrial Ediora “O NORTE”, 1922. 175 p.
El reino mineral
Guiado por un hachón de luz trúmula y loca,
descendi a una caverna e interrogué a la roca ;
"Muda, estéril, en lecho en donde sólo yedra
mezquina crece, ¿fuiste, oh, piedra, siempre piedra?
¿Sofocada en carbono que un ciclo no limita,
lloraste siempre, así, llantos de estalactita?
¿No sentiste a la luna en lánguído desmayo?
¿Nunca el sol te mando la gloria de su rayo?
¿Libre el aire, aromando con sus efluvios suaves
el alma de Ia flor y el alma de las aves,
no pudo penetrar jamás tu duro sino?
¿La vida misteriosa alguna vez no vino,
una raiz o flor o una planta a traerte,
vigorizando así a tu existencia inerte?
lOh, piedra, siempre fuiste Prometeo cautivo
de inacción, sin gozar del protoplasma vivo?"
Y al fulgor dei hachón que oscilante desmedra,
se estremeció por fin en su base la píedra,
y todo comenzó a surgir de la muerte
al claror de una interna luz poderosa y fuerte.
Un bloque de granito estremecido aumenta,
y de ardiente esmeralda en árboles revienta.
Un sexo se abre en flor y otro enrojece en fruto,
y es todo floración en el peñasco bruto.
Es el vegetal reino en toda plenítud,
En la expresión robusta de savia y de salud.
Se alarga el horizonte y doquier que se extienda
la vista, un nuevo mundo inmenso se desvenda,
de árboles, de anímales, de pájaros, de insectos
y de seres, en fín, de múltiples aspectos.
Monumentos, Babeles, populosas ciudades,
perdidas en el polvo de prístinas edades,
como en un cosmorama al resonar la orquesta,
resurgen ante mí brotando en Ia floresta.
Y, en un desdoblamiento enorme, rediviva
yo vi desarrollarse la vida primitiva.
Pero el sol se apagó ; con mi hachón casi extinto,
apenas dejar pude el negro laberinto,
oyendo tras de mí, con acento tremendo,
una voz interior que venía diciendo:
"Formas, vivís, morís; sólo yo soy eterna."
Así fue como habló la roca en la caverna.
HADAD, Jamil Almansur, org. História poética do Brasil. Seleção e introdução de Jamil Almansur Hadad. Linóleos de Livrio Abramo, Manuel Martins e Claudio Abramo. São Paulo: Editorial Letras Brasileiras Ltda, 1943. 443 p. ilus. p&b “História do Brasil narrada pelos poetas.
HISTORIA DO BRASIL – POEMAS
FUGINDO DO CATIVEIRO
AS SOMBRAS
( A Castro Alves )
Rôtas, em desalinho, os cabelos aos ventos,
Ei-las em procissão as sombras dos Proteus.
Cada pegada é um astro, e novos firmamentos
Vai rasgando o ideal ante os olhares seus.
Abateram no pó os tronos opulentos,
Não poupando sequer o legendário Deus:
— É que os gênios são como os leopardos sangrentos,
E são como vulcões: voltados para os céus.
De uns o século ardente espedaçou a campa
E atirou ao porvir: do Tempo sobre a rampa
Outros recebem já da História o eterno — bravo!
Agora chegas tu, Benvindo astro celeste
Que do jorro de luz de teu gênio fizeste
A túnica de amor para o infeliz escravo.
(MUSA CÍVICA – Xavier Pinheiro – Leite
Ribeiro & Maurilo - Rio – 1920)
*
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Página publicada em outubro de 2021
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