POESIA MINEIRA
Coordenação de WILMAR SILVA
Fonte: http://asescolhasafectivas.blogspot.com
ANA ELISA RIBEIRO
Ana Elisa Ribeiro nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, em 1975. Graduou-se em Letras, língua portuguesa, e desenvolve tese de doutoramento sobre a formação de leitores de textos na Internet. Publicou Poesinha (Poesia Orbital, 1997) e Perversa (Ciência do Acidente, 2002), além de minicontos e poemas em revistas e jornais, no Brasil e em Portugal. É cronista do site Digestivo Cultural (www.digestivocultural.com).
Peças de madeira em pau-marfim
A linha dos olhos
faz flechas da cor de futuros
As mãos formam conchas
de pegar contentamentos
Os pés são grandes como
as telas holandesas realistas
O corpo inteiro é um tabuleiro
de jogar jogos de azar
As costas quadriculadas
As coxas quadriculadas
A boca quadriculada
Onde eu me finjo
de dama
Antigüidade d’onde viemos
Péricles disse que a maior virtude de uma mulher
Era ficar calada.
Péricles se fodeu.
Péricles, hoje, levaria uma surra
dada por mil mulheres como eu.
Ciuminho básico
escuta
calado
a proposta rude
deste meu
ciúme:
vou cercar tua boca
com arame farpado
pôr cerca elétrica
ao redor dos braços
na envergadura
pra bloquear o abraço
vou serrar teus sorrisos
deixar apenas os sisos
esculhambar com teus olhos
furá-los com farpas
queimar os cabelos
no pau acendo uma tocha
que se apague apenas
ao sinal da minha xota
finco no cu uma placa
"não há vagas, vagabundas"
na bunda ponho uma cerca
proíbo os arrepios
exceto os de medo
e marco no lombo, a brasa,
a impressão única do meu dedo.
Trágica
meu galego
não conhecia minha ira
era dono do meu corpo
meu espírito de porco
sabia minha ginga
minha pletora, minha míngua
conhecia cada fresta
cada trinca, cada aresta
cada vinco, furo, fissura,
mau humor, amargura
mas da minha ira
condenada ira
ira da maldita
ira de mulher
fêmea exata
ana saliente
uterina, enfezada
ele não sabia nada
(meu galego dorme esta noite num cemitério improvisado)
Obs. O último poema foi extraído da obra O ACHAMENTO DE PORTUGAL. Wilmar Silva, org. Belo Horizonte: Anome Livros, 2005. 112 p.
TRINTA ANOS-LUZ. Poetas celebram 30 anos de Psiu Poético. Aroldo Pereira, Luis Turiba, Wagner Merije, org. São Paulo: Aquarela Brasileira Livros, 2016. 199 p. 16x23 cm ISBN 978-85-92552-01-5 Ex. bibl. Antonio Miranda
EU NÃO TENHO A ALMA DE UM CORRIMÃO
Eu sou mais elo, de liga e do laço.
Respeito para mim é coisa fina,
assim como o abraço.
Mais do que as transas e os beijos,
as mãos dadas me parecem mais sinceras.
Tão ruins quanto as promessas
são as esperas.
(Anzol de pescar infernos, 2013)
EL NIÑO
a poesia
tem se escondido
atrás das coisas.
e tenho
me esforçado pouco
para encontrá-la.
talvez a encontre
já morta.
se envelhecida, (ressequida)
já será
vantagem.
— poesia
também sofre
na estiagem.
RIBEIRO, Ana Elisa. Álbum. Belo Horizonte, MG: Relicário, 2018. 108 p. 12,5 x 19 cm. Capa, projeto gráfico e diagramação: Caroline Gischewski. 107 p. Orelha do livro por Luis Alberto Brandão. ISBN 978-85-66786-67-5 Ex. bibl. Antonio Miranda
BURKEANA
aprendemos a ler fotografias
com um historiador:
os detalhes dos cenários
das mãos das poses
dos ângulos e dos objetos
nas paredes ou que repousavam
em mesas, menos ou mais adornadas
nas fotos da família
os uniformes eram novos
e as joias reluziam
até em preto e branco
já o outro ramo dos parentes
guardava uma pequena caixa
de fotos que quase não nos mostravam
para que não gastássemos
— com os olhos e as mãos sujas —
aquelas relíquias
INSTANTÂNEO #5
Só mesmo uma foto
para nos flagrar
no auge
de um quase
Página publicada em novembro de 2008; ampliada e republicada em julho de 2016.
Ampliada en abril de 2019
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