POESIA MINEIRA
Coordenação de MÁRCIO ALMEIDA
ANA CAETANO
Nasceu em Dores do Indaiá, Minas Gerais, Brasil, em 1960.
Publicou os livros de poemas: Levianas (1984) e Babel (1994) com Levi Carneiro, Quatorze (1997). Participou da coordenação dos projetos Temporada de Poesia (1994) - em comemoração aos 100 anos de Belo Horizonte, Poesia Orbital (1997) – coleção de livros de 60 poetas de Belo Horizonte, e do CD Cacograma (2001). Foi co-editora da revista Fahrenheit 451 e do jornal de poesia Dez Faces (2007-2008). Participa como colaboradora do jornal de poesia Inferno (1998) e do jornal cultural Letras do Café (2008). É professora na Universidade Federal de Minas Gerais.
POESIA: A EXPERIÊNCIA VISUAL. Org. Marcelo Dolabela. Apresentação, seleção e organização. Belo Horizonte, MG: Prefeitura de Belo Horizonte, 1994. 64 p. (Fascículo 6) ilus. 15 x 21 cm.
Ex. bibl. Antonio Miranda
Anatomia
Qual a matéria do poema?
A fúria do tempo com suas unhas e algemas?
Qual a semente do poema?
A fornalha da alma com os seus divinos dilemas?
Qual a paisagem do poema?
A selva da língua com suas feras e fonemas?
Qual o destino do poema?
O poço da página com suas pedras e gemas?
Qual o sentido do poema?
O sol da semântica com suas sombras pequenas?
Qual a pátria do poema?
O caos da vida e a vida apenas?
Fevereiro 2007 – publicado no jornal Dez Faces #4
poeta
já tentei todos os colírios
pelo seu rótulo
já acendi todos os círios
pelo meu cálculo
já perfumei meus próprios lírios
sem nenhum escrúpulo
já ensaiei todos os martírios
até chegar ao cúmulo
já sonhei todos os delírios
para merecer o título
Fevereiro 2007- publicado no jornal Dez Faces #4
Receita contra o tédio
Palavras começadas com p
perigo
palíndromo
presente
pálpebra
pássaro
poente
páprica
paladar
pensamento
perfume
pupila
pigmento
pérola
púrpura
pingente
papel
partícula
pretendente
paraíso
pergunta
permanente
poema
pulsar
profundidade
pétala
pavio
posteridade
e um pouco de pólvora
da pior qualidade.
Janeiro 2007 - publicado no jornal Dez Faces #4
errata
Nem tudo que foi dito
é crédito
digno de estória
Nem tudo que foi mito
é inédito
repouso da memória
Nem tudo que eu repito
é mérito
ou grito de vitória
Fevereiro 2007 - publicado no jornal Dez Faces #5
Quase tudo pode ser descrito
menos o escuro
Quase tudo pode ser proscrito
menos o que eu juro
Quase tudo pode ser previsto
menos o futuro
Fevereiro 2007 - publicado no jornal Dez Faces #5
Dilemas de Guerra
Acertar na mosca é fácil
O difícil é atirar na sorte
Confiar na sorte é fácil
O difícil é evitar tempestades
Colher tempestades é fácil
O difícil é planejar o naufrágio
Sobreviver ao naufrágio é fácil
O difícil é encontrar companhia
Ser companhia é fácil
O difícil é acompanhar a batalha
Vencer a batalha é fácil
O difícil é descobrir o inimigo
Enterrar o inimigo é fácil
O difícil exumar os ossos
Destruir o império é fácil
O difícil é recolher os destroços.
Maio 2007 - publicado no jornal Dez Faces #9
As sete visões do Golem
para o Leo
todas as gerações e seus enigmas
todos os dragões e suas cabeças
todos os jogos e seus erros
todos os felinos e suas vidas
todos os mistérios e seu selo
todos os espelhos e seu azar
toda a distância e suas colinas
toda a vingança e seus samurais
todo o passado e suas maravilhas
todas as viagens e seus mares
todo o tempo e suas luas
todos os arcos e suas cores
todos os templos e suas chamas
toda a nudez e seus véus
toda a malícia e suas léguas
todas as portas e suas chaves
todos os faraós e seus sonhos
todas as mortes e seus castigos
todas as arcas e seus pares
todos os amores e sua espera
todas as notas e sua música
todo o pecado e seus demônios
todo o cinema e sua arte
todos os números e sua parte.
Junho 1996 – publicado no livro Quatorze da coleção Poesia Orbital
40
para o Levi
espetáculo
a vida nos espia
com seus obstáculos
oráculo
a sorte nos guia
com seus simulacros
vernáculo
a palavra se esguia
dos nossos tentáculos
Setembro 1997 – publicado no livro Quatorze da coleção Poesia Orbital
*
VOCÊ NÃO É GAGA
*
VOCÊ NÃO É GAGÁ
*
VOCÊ NÃO É GAGARIN
*
SE QUER VOAR
*
TENTE AS ASAS NASAIS
*
SEQUER A NASA
*
TEM VÔOS ORIGINAIS
*
Janeiro 1988 – Publicado na revista Fahrenheit #3 e no livro Babel
meu amor
agora é tarde
e o final não se reparte
o que hoje é revolta
amanhã será
pó e arte
Maio 1988 – publicado no livro Babel
Sem sentido #1
Sem sentido #1
Não adianta
insistir no espetáculo
detrás desse obstáculo
meus olhos não fazem sentido
perdido o sentido que têm
quem tem pressa
que esqueça
em terra de surdo
palavras não criam sentenças
e se criam
não faz diferença
quem tem olhos
que veja
a fumaça
nas lentes da vidente
o resto
no rótulo do emergente
o provável
disfarçado de presente
o único
que não mente que não mente
quem tem ouvidos
que ouça
a violência
na ordem do ordinário
o silêncio
no ruído imaginário
o eterno
no silêncio honorário
o absurdo
desse itinerário
quem tem mãos
que afague
o sublime
no vidro da vitrina
o espírito
no sprite da esquina
a dor
no envelope de aspirina
a memória
nas rugas da retina
quem tem língua
que diga
o nome
e o país da tolerância
o código
para além da redundância
o mercado
que repartiu a abundância
quem tem sangue
que some
o tempo
para a sua própria urgência
a satisfação
para a sua própria abstinência
o sucedâneo
para a sua própria ausência
a fome
para a sua própria sobrevivência.
Junho 2001 – Publicado no CD Cacograma, Fahrenheit #4
Sem sentido #2
Aqui
onde a voz alcança
não me apraz
Aqui
onde os olhos repousam
não há paz
Aqui
de onde a mão acena
tanto faz
Não adianta
insistir no invisível
no improvável
no insolúvel
um poeta cego
não pode falar de cores
nem de trevas
nem de sombras
seu tempo não tem contorno
mas seu labirinto é um retorno
à origem da luz
um músico
que já não ouve
ainda é músico na lembrança
na saudade do som que perdeu
um pintor
que não caminha
carimba na paisagem
do pensamento
a miragem
de um movimento
Não adianta
insistir no invisível
no improvável
no insolúvel
metade
sem tudo que se diz
espanto
imagem
de tudo que se viu
espólio
mensagem
de tudo que se quis
espelho
mensagem
sem tudo que se diz
espanto
metade
de tudo que se quis
espelho
imagem
sem tudo que se diz
espanto
mensagem
de tudo que se viu
espólio
na guerra
nem todo vermelho
é sangue
na tela
nem toda morte
espelho
no sonho
nem todo objeto
desejo
no espelho
nem tudo que eu espero
explode
Junho 2001 – Publicado no CD Cacograma, Fahrenheit #4
Página publicada em abril de 2008 |