POESIA MINEIRA
Coordenação de WILMAR SILVA
ALEXANDRE RODRIGUES DA COSTA
possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (1997), mestrado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001), com a dissertação "A construção do silêncio: um estudo da obra poética de Orides Fontela", e doutorado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (2005), com a tese "A transfiguração do olhar: um estudo das relações entre literatura e artes plásticas em Rainer Maria Rilke e Clarice Lispector". Atualmente é professor adjunto - Pitágoras Sistema de Educação Superior. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Comparada.
Obra poética: Objetos difíceis (2004, ganhador do Prêmio Cidade de Juiz de Fora 2004); Fora-de-quadro (7letras, 2004, ganhou o Prêmio Vivaldi Moreira, da Academia Mineira de Letras).
De
Alexandre Rodrigues da Costa
OBJETOS DIFÍCEIS
Rio de Janeiro: 7 Letras; Juiz de Fora: Funalfa Edições, 2004.
60 p. ISBN 85-7577117-5
"Prêmio Cidade de Juiz de Fora - Literatura 2003
"(...) Alexandre Rodrigues da Costa, em seu livro Objetos difíceis, vem mostrar que é possível, criar vias alternativas de se olhar o presente, sem que seja necessária a recusa do "estado de coisas" que o constitui. Ciente de que cabe aos poetas e artistas do agora também pôr em foco visões de olhos fechados, ver o mundo à margem dos enquadramentos, através da imaginação, ele faz do visível uma superfície para além das superfícies legitimadas, buscando captá-lo fora da "facilidade" exigida pela lógica do consumo e nele divisar o imprevisível e o insuspeitado de sua própria visibilidade. (...)
Assim, modulados por esse olhar deslocado da própria retina, os poemas de Alexandre Rodrigues da Costa se moldam e se desfiguram em Objetos difíceis.
Trazem para a poesia brasileira e para a sensibilidade do presente um outro campo - ou contracampo - de visão e de percepção das coisas do mundo."
Maria Esther Maciel
PONTO DE FUGA
A expressão de um impulso,
vestígios que ligam,
desprezam,
fazem colidir e oscilar os corpos
e os movimentos.
Menos sutis
que inquietos, pés imersos no mar
completamente silenciado
como se o esquecimento de ir
os acolhesse sob a perda da proporção,
do definitivo.
Não muito distante
das ondas,
velhos
e crianças guardam
segredos em baldes de areia.
Que idade tinhas
quando o medo chegou?
ÚLTIMA CELA
Ainda não é muito tarde para morrerem.
A mesa está servida.
Próximos e nus, iluminados por uma luz
que não se sabe de onde vem, eles agonizam
à mesa, com os dedos sujos de sangue,
as bocas queimadas pelo mar.
Não é tanto o prato que os atrai,
mas a sutileza da sintaxe,
a maneira como a página se impregna de gordura
e as letras ganham novas formas
quando a saliva desliza sobre elas.
Alguns dizem que se deve ler à mesa
sem essa tal sutileza da sintaxe, dando á refeição
uma certa distância, afastando-a dos olhos
através de formações erosivas,
verticais.
Que sentido teria então urna nostalgia de foices,
a pedra dentro do copo, a ferida além da armadilha?
Às vezes, os ossos escapam à carne,
a gordura,
novamente a gordura, torna transparente
um ponto qualquer do papel
e as mãos
se perdem em objetos estranhos,
para os quais nunca foram projetadas.
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Descoberta
bebia do mar
sem sentir sede,
satisfazia-se
com a água atravessando-lhe
os pulmões,
com as horas em que a mesa
flutuava noite adentro
e não podia erguer
os olhos,
bebia do mar
e se perdia no que ouvia,
no corpo silencioso
onde a areia
juntava sílabas, onde a cegueira
a acordava
e deixava suas mãos livres,
Obs. O último poema foi extraído da obra O ACHAMENTO DE PORTUGAL. Wilmar Silva, org. Belo Horizonte: Anome Livros, 2005. 112 p.
ENTRELINHAS , VERSOS CONTEMPORÂNEOS MINEIROS. Organização: Vera Casa Nova, Kaio Carmona, Marcelo Dolabela. Belo Horizonte, MG: Quixote + Do Editoras Associadas, 2020. 577 p. ISBN 978-85—66236-64—2 Ex. biblioteca de Antonio Miranda
O princípio oculto
A paisagem repete
a cicatriz, a fala
que nos escapa sem explicação.
Não entendemos os hieróglifos,
por que tantos espelhos nos impedem
de reter o que não se guarda na memória.
Seu corpo apaga-se
ou surge como fato prescindindo de realidade?
As fotografias o contemplam na ignorância
ou, como ele,
queremos ignorar o desfecho?
Acreditamos que desvendaremos a trama
e tudo se constituirá de uma imagem
única, perfeita na medida
do que não é incomensurável.
A morte mantém-se fiel
à dor de lhe lembrar que na carne
a ferida não é passado.
O instante imita a si mesmo.
Sim. A memória não é perfeita.
Ela pode mudar a forma de um quarto,
a cor dos olhos de uma pessoa
que, na escola, sentava-se ao nosso lado.
Mas quando ele fecha os olhos
o mundo deixa de existir?
Como vingar de si próprio através do outro,
na falta de um liame que o prenda às coisas?
Ele se omite na ausência de um nome,
no crime que o obriga, simplesmente,
a olhar.
“Excellent, Mr. Renfield!
expor à superfície o corte,
era assim que eu
reagiria para esquecer
como se deve tocar as feridas
de um morto?
mesmo depois de perceber
que nenhuma voz
conseguiria sobrepor-se
ao silêncio,
impedir que unhas
afiadas atravessassem
meus olhos, não
desisti, ali fiquei,
também com as feridas
espalhadas pelo corpo,
mas sem saber como o grito
transporta para fora
e torna presente
a respiração mesma
e a dor de quem respira.
Sacrifício
os dedos das mãos ferido,
nada de encenação,
apenas a dor como
forma de anestésico,
ou (por que a ingenuidade?)
antídoto
para os venenos misturados
às palavras
que ela me obrigava gentilmente
a aceitar, quando tocava
em meus lábios e dizia:
“não, a vida já não basta,
é necessário me ater
àquilo que é dado,
teus ossos, tuas vísceras
e o futuro que elas escondem”.
Bela Lugosi no ateliê de Kandinsky
Não deixava a noite falar diante dos olhos.
Incomodava-se com a rigidez
do momento,
com o que não podia ser
submerso no abrigo das feridas.
O medo, encarava como forma
de se concentrar nos objetos
que regressavam a si mesmos.
As paisagens o satisfaziam muito pouco.
Passou, então, a evitar espelhos
e o que estava frente a eles.
Assim permaneceu, intacto e invariável,
Submisso aos caprichos
de suas perfeições contraditórias.
Teceu-se no sopro um rosto,
cortante como pausas perdidas na garganta.
Acidentes de leitura
À margem de si,
à custa de minha presença,
assustada,
ela abre o contorno
da lâmima.
Diante do gesto
despedaçado, oculta,
entre as coxas,
a ignorância,
o poço escuro
onde me perco.
Faltarão olhos para negar
o que sempre a despiu?
A mesma sede,
a mesma fome,
o espaço confuso das mãos?
*
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Página publicada em maio de 2024
Página publicada em novembro de 2008 |