POESIA MINEIRA
Coordenação de WILMAR SILVA
ADRIANO MENEZES
Adriano Menezes nasceu em São Vicente de Minas, Minas Gerais, em 1º de março de 1965. Vive em Belo Horizonte. Poeta e contista, metalúrgico e jogador de futebol, autor dos livros de poesia Dois Corpos (Editora Etfop, 1999), parceria com Mário Alex Rosa, edição numerada e assinada pelos autores, Os Dias (Editora Scriptum, 2004) e a plaquete Via Expressa, pequena edição limitada, 2005, composto e impresso por Fernanda Moraes e Mário Alex Rosa, matéria-prima para a sua voz e suas nuances. Adriano Menezes tem poemas publicados em jornais, revistas, sites de literatura da internet brasileira e participa da antologia O Achamento de Portugal (anomelivros, 2005).
Porto (Infinito)
debruçado o corpo
esvai-se em gomos
mesmo ainda sendo
encosta a forma minha
de sentir as coisas
o morro fabricando
umidades sensuais que
vão pelo mineral pétreo
compor esse dia preso
ao dúbio mar dos serranos
a alma vê o rio
e não haverá bojadores
para esta humanidade
que quer ir por águas
que se quer ainda cais
NOTURNO
é sábado e fora
da minha boca
a tua boca
habita o mundo
é sábado lá fora
foram pisar
o mundo pretendido
por dentro da noite
firmá-lo no corpo
aponto passagens
na estrutura de fumaça
acerca da língua
fenda de teus lábios
moldura e porta
lados do espasmo
a forjar a neutralidade
da taramela
que reúne as madeiras
e tranca o grito em casa
(Os Dias, Editora Scriptum, 2004)
De
VIA EXPRESSA
Belo Horizonte: Scriptum; Anome Livros, 2005
(excertos)
“A sua Via Expressa transita pelo caos humano e urbano sem apartá-los. O sujeito lírico parece ser cúmplice de tudo o que vê, ouve e cheira. Enfim, o que pensa é expressado pelo que sente.” Mário Alex Rosa
no rasgo de luz da
janela a estampa
escorregadia da fuga,
na cara posta ao vento
a idéia morta: eram
vida as casas rápidas?
(entre os favores
que a memória presta
viagens anteriores
por esta fresta).
O coletivo me esquece
pela cidade e morde
a língua nesse entorse
que a rua entorpece.
O vento a contradizer
os cabelos, penetrando
em razões do tempo
o que era pros olhos
faz ver o desfile gomo
a gomo no mergulho
dos postes. eram corpo
e é agora paisagem.
suja (circular) paga!
O carbono recompondo
o corpo cinza dos caules,
as encardidas canelas
e o verbo encarnado;
resignação de bustos
pela praça adulterada
a encharcar de humanidade,
espanto e granito minhas
pernas e carne retroativas.
Uma coisa quer abrir a porta
andar sem rodas sobre o
tempo, as rosas roçar o
vento por dentro e no fundo
toda a roça é piquete.
Um giro lerdo de juntas
tácteis e processuais por
dentro do esbarrão faz
um gesto no corpo que
já principia ser ilha,
veneta sangüínea, degredo.
entornado no itinerário
parco em que me vejo
ver, anda essa luz em
rasgo traiçoeiro, como
a marcar meu anos nos
portáteis losangos da
pele embaraçando os pêlos
à espera de visão mais
funda mexo o corpo e durmo
nesta câmara cambiante,
revelando o animal diurno,
travesti na hora ordinária
posto passos de albatroz
apeando na praça sete,
trancafiado na própria
andadura que ao bicho
remete, e o sol ilícito
(...)
MENEZES, Adriano. Os dias. Belo Horizonte: Scriptum, 2004. 48 p. 11,5x21 cm. ISBN 85-89044-07-6
SINGER MANFG. CO
em seu disfarce preto
o metal ignorado
guardava engrenagens
nos tornos do corpo
ora sinuoso ora frio
iscada a linha descia
à carretilha emagrecendo
o retrós
o tempo revogado
sígnico em seus novelos
é quase retrátil
dano visual
que no desmanche
ficou cheiro
do velho ferro do pedal
do pé de mãe
do pano
RUA DAS ACÁCIAS, 423
que fechaduras
trancarei para o tempo?
em meio ao
translado doméstico
o amor
com olhos
calados
e mãos
pousadas
no nada
pouca coisa
faz
doer assim
dentro da tarde
fervendo e já congelada
de memória
ATO – REVISTA DE LITERATURA. NO. 6. Belo Horizonte: Gráfica e Editora O Lutador, janeiro de 2009. Editores: Camilo Lara, Rogério Barbosa da Silva e Wagner Moreira. 21,5 X 52 cm. 52 p.
No. 10 767. Exemplar na biblioteca de Antonio Miranda
DÉJÀ-VU
em sucessivo perpétuo
a cena move-se
por um adentro
e recuando
consolidando no disponível
filete do tempo
em boca aberta
as escrituras do corpo, não
este, pés presos à moenda, um
afivelado aos sustos pretéritos
e definitivamente condenado a rascunho
NO MEU CASO
vigia tua mão senhora sempre
visto os olhos incontinentes
e o sucesso de estarmos sós.
por trás das cordas o corpo
derruba no sol
e no cimento da data
uma gota bêbada que só
merecia mesmo ser vapor,
que veio só dizer: calor ocaso.
venço os fatos para contar
sobre o uísque derramado
que vivo aqui, vejo os nós
e tenho preguiça no mundo.
ESTIO
antes da armadilha
de água dos ladrilhos
e desse descanso no
alpendre
enquanto bueiros
prorrogam a chuva,
constatava o mundo
de lixo e diluição
da cidade já morna.
o tempo aqui e ali
empoçado, escorre
em veios lembradiços
decretam rumos, agora
que já sou excesso.
resisto ao toque das
esquinas dobrando
a paisagem para nada
piso reto irrefletido
fora o fato de ter olhos
nada me finca no tempo
ou me embarca nessa
enxurrada.
IMPROVISO EM CONTAGEM
latas travestindo
matéria plástica
a velha fórmica
cercando a roupa de baixo
das coisas
do
gesto entupindo o tempo
arreando nos móveis
a crosta de remorsos
incabíveis à este verão
e a esta cidade.
foi necessário
anteceder à mãos
para saber sem fim
a cisterna
fria
em que mergulham
os amores
que dobram a esquina
CRISTINA
pude ouvir seu corpo
seu sangue nórdico andar
suas dobras e maresias,
meus limites baldeando
vapores cambetas à beira
da pele, empurrando pedras
de alheamento e entrada.
pêlo, sal, coração abrasivo
circunstante e o azeite
corporal refazendo a rota
lisa sem pega pras mãos,
fartura, esguicho e coisa.
água na cintura e sombra
crucifixo na parede azul
do mar sem cabeceira.
as braçadas escapulindo
de mim a ao meu tiro.
*
Página publicada e republicada em julho de 2024
Página ampliada e republicada em dezembro de 2008; ampliada e republicada em julho de 2012.
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